Interpretação abrangente

Suprema Corte dos EUA muda visão sobre lei que proíbe discriminação por sexo

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16 de junho de 2020, 15h48

Por mais de 50 anos, as cortes dos EUA interpretaram uma lei de 1964 que proíbe discriminação no trabalho com base em sexo — além de raça, cor, religião e nacionalidade — apenas como uma proibição imposta aos empregadores de tratar mulheres diferentemente dos homens. Esse entendimento não protegia trabalhadores LGBTQ contra discriminações.

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Na segunda-feira (15/6), a Suprema Corte mudou radicalmente esse quadro. Por 6 votos a 3, a corte decidiu que a proibição de discriminar com base em sexo protege os trabalhadores LGBTQ, incluindo aqueles que fogem do padrão por orientação sexual e identidade de gênero.

Dois ministros conservadores, Neil Gorsuch e John Roberts, que é o presidente da corte, se juntaram aos quatro ministros liberais a favor da comunidade LGBTQ. O ministro Gorsuch, nomeado pelo presidente Donald Trump, escreveu o voto vencedor no processo Bostock versus Clayton County.

Gorsuch explicou que assim decidiu porque é um defensor rigoroso do textualismo — um entendimento de que o significado da lei deve ser buscado em suas palavras apenas, e não nas intenções dos parlamentares que aprovaram a lei à época.

Os três ministros que votaram contra a proteção aos trabalhadores LGBTQ argumentaram exatamente isso: que em 1964, os parlamentares não tiveram a intenção de proteger a comunidade gay, porque esse assunto, que inclui o conceito de orientação sexual e identidade de gênero, sequer estava em discussão à época.

Gorsuch escreveu que isso não importa. O que importa é o que escreveram. E a lei diz que é proibida a discriminação com base em sexo. E explicou sua teoria com um exemplo:

"Considere, por exemplo, um empregador com dois empregados, sendo que os dois se sentem atraídos por homens. As duas pessoas são, na mente do empregador, substancialmente idênticas, sob todos os aspectos, a não ser que uma delas é um homem e a outra é uma mulher. Se o empregador demite o homem por nenhuma outra razão do que o fato de que ele se sente atraído por homens, ele está discriminando o homossexual por uma característica ou por ações que ele tolera em uma mulher."

Isto é, se o empregador consente que a mulher tenha interesse romântico ou sexual em algum homem, mas nega ao empregado homossexual o mesmo direito, ele está violando a lei por discriminação com base em sexo. Ele está tratando o homem diferentemente da mulher, explicou Gorsuch, que também apresentou um exemplo relacionado a empregados transgêneros:

"Imagine um empregador que demite uma pessoa transgênero, que foi identificada como homem no nascimento, mas agora se identifica como mulher. Se o empregador retém uma empregada, com capacidade idêntica, que foi identificada como mulher no nascimento, ele irá penalizar intencionalmente a pessoa identificada como homem no nascimento por suas características ou ações que ele tolera em uma pessoa identificada como mulher no nascimento. Também nesse caso, o sexo de um indivíduo exerce um papel inconfundível na decisão de demitir."

Nos dois casos, há discriminação com base em sexo, escreveu Gorsuch:

"O Congresso baniu a discriminação no trabalho, com base em raça, cor, religião, sexo ou nacionalidade. (…) Discriminação com base em sexo ocorre quando o empregador trata diferentemente um empregado de uma empregada – ou vice-versa – com base em orientação sexual ou identidade de gênero. Isso é ilegal."

As entidades que defendem os direitos da comunidade LGBTQ festejaram a decisão. Mas um tanto apressadamente. Em breve, a Suprema Corte vai decidir se exceções podem ser consideradas no caso de empregadores que discriminam trabalhadores LGBTQ com base em suas convicções religiosas. Nesse caso, é esperado que o ministro Gorsuch e provavelmente o ministro Roberts votem a favor dos religiosos, se forem considerados suas posições no passado.

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