Opinião

Ministro Marco Aurélio, 30 Anos no STF

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16 de junho de 2020, 19h37

Tempos estranhos… É assim que começo este texto de homenagem ao nosso Ministro Marco Aurélio, que completou 30 anos no Supremo no último sábado, dia 13 de junho de 2020.

Essa frase, que já se tornou quase uma marca registrada do ministro, presente em várias de suas manifestações, é hoje talvez a que melhor retrate o grave momento de crise sanitária e de desarranjo político-institucional vivido em nosso país.

"Não há espaço para retrocesso. Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior", afirmou Mello em entrevista a Rafael Moraes Moura, de O Estado de S. Paulo.

Polêmico, sábio, destemido, crítico, mas sempre elegante em suas manifestações e com os colegas, Marco Aurélio gosta de divergir e assim o faz não por capricho, mas por não ter compromisso com nada além de suas ideias. É da sua essência questionar o óbvio.

Tive o prazer de conhecer o Ministro Marco Aurélio por meio do saudoso desembargador Enéas Machado Cotta, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ainda nos primeiros anos de vigência da Constituição Cidadã de 1988.

De cada três ações que o Supremo Tribunal Federal julga, o Ministro Marco Aurélio fica vencido em uma, o que lhe rendeu o apelido, que tanto preza, por sinal, de "senhor voto vencido".

Em voto memorável, em que ficou vencido, ele cita Hans Kelsen e explica uma vez mais por que ficar vencido não é uma derrota pessoal, mas uma vitória da democracia: "É bom sempre lembrarmos Hans Kelsen quando afirma que a democracia se constrói sobretudo quando se respeitam os direitos da minoria, mesmo porque esta poderá um dia influenciar a opinião da maioria. E venho adotando esse princípio diuturnamente, daí a razão pela qual, muitas vezes, deixo de atender ao pensamento da maioria, à inteligência dos colegas, por compreender, mantida a convicção, a importância do voto minoritário". O recado foi dado no julgamento do HC 82.424/RS, do editor gaúcho Siegfried Ellwanger, contra condenação imposta pela Justiça gaúcha por ter ele publicado livros considerados antissemitas.

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello nasceu em 12 de julho de 1946, natural do Rio de Janeiro, filho de Plínio Affonso de Farias Mello e Eunice Mendes de Farias Mello.

Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFRJ, em 1973. Membro junto à JT da 1ª região, no período de 1975 a 1978, tornou-se juiz togado, de 1978 a 1981, tendo sido presidente da 2ª turma do TRT da 1ª região. No TST, assumiu a cadeira de ministro em setembro de 1981, onde atuou até ser nomeado para o STF.

Marco Aurélio Mello também foi ministro no TSE, corte que presidiu durante duas eleições: a municipal de 1996 e a presidencial de 2006. Em sua primeira gestão, o ministro esteve à frente das primeiras eleições informatizadas do país, realizadas em outubro de 1996, quando 57 municípios brasileiros todas as capitais e as cidades com mais de 200 mil eleitores utilizaram urnas eletrônicas. Já em 2006, ele comandou as eleições presidenciais com o processo de totalização de votos, até então o mais rápido registrado pela Justiça Eleitoral.

No Supremo, foi presidente da corte no biênio 2001/2003, tendo inclusive exercido a presidência da República interinamente. Sob seu comando, foi aprovada a criação da TV Justiça, símbolo da transparência no Judiciário e da aproximação do Poder com a sociedade.

O Ministro Marco Aurélio foi o relator de um dos casos mais marcantes julgados pelo Supremo: a ADPF 54, na qual se discutiu a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Numa decisão emblemática, em 2004, concedeu liminar para autorizar a antecipação do parto de fetos anencéfalos por gestantes que assim decidissem, quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. Três meses depois, a liminar foi cassada, mas, no julgamento do mérito da ação, em 2012, por maioria de votos, o plenário decidiu pela possibilidade de interrupção da gestação nesses casos.

Ao completar 25 anos como integrante do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Marco Aurélio Mello disse que não se vê deixando o tribunal. "Não me vejo virando as costas para essa cadeira. O que mais quero na vida é manter o mesmo entusiasmo, examinando o processo como se fosse o primeiro de minha vida judicante", afirmou o ministro, ao ser homenageado, na ocasião, pelos colegas.

Não há dúvidas de que quando deixar a honrosa cadeira que ocupa na Suprema Corte, uma luz certamente se apagará e a jurisdição constitucional sentirá saudade dos distintos pontos de vista do ministro, muitas vezes divergentes, mas que sempre engrandecem o debate.

Os votos vencidos proferidos pelo Ministro Marco Aurélio ao longo da sua carreira são emblemáticos de que o exercício do poder somente se legitima com o diálogo, com o respeito à diferença, com o acolhimento do pluralismo de ideias e com a coexistência harmoniosa entre as diversas correntes de ação e de pensamento.

Talvez o maior legado que o ministro deixará, com sua saída da Corte Suprema, prevista para julho de 2021, quando completará 75 primaveras, é que as dissensões fazem parte do jogo democrático. A lógica adversarial deve ceder lugar ao culto pelo respeito a visões diferentes, pois é da essência da democracia e de uma sociedade aberta o pluralismo de ideias.

Parafraseando o ministro Barroso, em recente e sábia manifestação, "quem pensa diferente de mim não é meu adversário, muito menos meu inimigo. É meu parceiro na construção de um mundo plural, de uma sociedade aberta".

Em tempos estranhos, de democracias em vertigem, porém, na certeza de que as instituições fluem com normalidade, o respeito pela diferença, tão emblemático nos votos vencidos do Ministro Marco Aurélio, deve servir de bússola, indicando os caminhos que seguiremos na construção de uma sociedade mais justa, solidária e paciente na edificação de um Estado fundado em bases democráticas.

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