Opinião

O uso de joint tenancy como uma forma de planejamento sucessório

Autor

  • Renato Giovanini Filho

    é sócio do escritório Abe Giovanini Advogados responsável pela área de planejamento patrimonial e contencioso relativo a questões societárias sucessórias e patrimoniais.

16 de junho de 2020, 9h09

Se você tem uma PIC (Private Investment Company), ou seja, uma sociedade offshore para fazer aplicações financeiras no exterior, é possível que seu prestador de serviços fiduciários já tenha falado com você a respeito de joint tenancy with rights of survivorship como uma forma de planejamento sucessório.

Mas, afinal, do que se trata? Joint tenancy é, por assim dizer, um tipo de condomínio em que cada um tem o todo.

O conceito é estranho para nós, formados em um sistema jurídico romano-germânico. Nós conhecemos o condomínio propriamente dito, aquele em que cada um tem uma fração ideal do todo. E a responsabilidade solidária, aquela em que cada um responde pelo todo, e depois pode cobrar dos demais a sua parte. Mas o conceito de uma propriedade em que cada um tem o todo, podendo usar, gozar e mesmo dispor do todo, como se fosse só seu, soa diferente para nós.

É curioso porque, mesmo que hoje seja utilizada com maior frequência em países de sistema anglo-saxônico, teve sua origem no Direito romano. Naqueles tempos, com o falecimento, o patrimônio deixado como herança era constituído em joint tenancy pelos herdeiros, que poderiam cuidar dele como se fosse todo seu, e depois se acertar com os demais proprietários.

E o que são rights of survivorship? São os direitos que os proprietários em joint tenancy que sobreviverem ao proprietário que falecer têm de serem automaticamente considerados na propriedade do bem. Daí a joint tenancy with rights of survivorship ser utilizada como uma forma de planejamento sucessório.

Mas ela é mesma aplicável a pessoas domiciliadas no Brasil?

Não é bem assim. Como vimos, mesmo que a sua origem seja o Direito romano, nós não temos hoje a joint tenancy no Direito Civil brasileiro.

Assim, em primeiro lugar, quando uma pessoa domiciliada no Brasil confere recursos financeiros para uma PIC (para ela aplicá-los no exterior) e recebe em contrapartida ações da PIC, colocando o cônjuge ou os filhos em joint tenancy em relação à propriedade dessas ações, ela está transferindo patrimônio para essas pessoas. Logo, a menos que se trate de patrimônio comum, como aquele havido no casamento sob o regime de comunhão universal de bens ou na constância do casamento na comunhão parcial, verifica-se uma doação (artigo 538 do Código Civil).

Em segundo lugar, enquanto doação, sujeita-se a ITCMD, ainda que o bem esteja no exterior (posto que não previsto no artigo 155, §1º, inciso III, "a", da Constituição Federal).

E, em terceiro lugar, se o cônjuge ou os filhos forem residentes fiscais no Brasil, eles se sujeitarão à declaração de IRPF e demais obrigações tributárias no País, inclusive os IR incidente quando os recursos financeiros forem trazidos de volta para a pessoa física.

Ou seja, se os recursos financeiros compuserem patrimônio comum, como nos exemplos citados, eles poderão ser aportados na PIC, com o recebimento das ações em joint tenancy pelos seus proprietários, sem que se verifique uma doação e suas consequências. Nesse caso, a joint tenancy with rights of survivorship constitui um instrumento eficaz de planejamento sucessório, uma vez que propicia a transferência de patrimônio de forma automática, normalmente mediante a apresentação da certidão de óbito para o prestador de serviços fiduciários.

Nos demais casos, entretanto, não. Verificada a doação, o cônjuge e os filhos estarão sujeitos às consequências relativas a ITCMD e IR mencionadas.

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