Opinião

15 anos da Lei de Recuperação e Falências

Autor

  • Carlos Henrique Abrão

    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

15 de junho de 2020, 16h10

Pajardi, saudoso jurista italiano, diria que vivemos um tempo da falência da falência, exatamente o contraponto que veio a ser instaurado a partir da pandemia na economia. O Diploma nº 11.101/05 teve o principal e inegável mérito de encontrar uma solução legal a fim de que o estado de crise empresarial fosse superado, porém, o grande teste da legislação teve início em 2015, com a entrada de grandes companhias em recuperação judicial, e a derrocada maior aconteceu por força da operação "lava jato".

Numa escala vetor e de valores, a legislação necessita alteração, não como se apresenta na conjuntura atual, mas pensada, refletida e adaptada. Pequenas e médias empresas não têm fluxo de caixa para pagamentos elevados do administrador e demora excessiva no processamento, a recuperação extrajudicial se revelou tímida e pouco adstrita aos interesses do empresário em dificuldade financeira.

Tínhamos uma lei muito divorciada do seu contexto, mas com o avanço da pandemia o quadro mudou drasticamente, setores como turismo e aviação foram arrebentados e a recuperação não se fará de forma esperada, comércio bem reduzido, aumentando o eletrônico, e uma complicação enorme no setor de serviços. Precisamos destruir os nós que demonstram formalismo e transformar a recuperação em procedimento, e não simples processo municiado de recursos que sobem às instâncias e paralisam a recuperação.

Boa a entrada do produtor rural na recuperação, preenchidos os seus requisitos, mas o que assistimos é a universalização da recuperação invadindo escolas, estabelecimentos de ensino, e até atividades sem fins lucrativos e sem registro de comércio. O futuro marca-se incerto e indeterminado, mas a grande incógnita é, não apenas a mudança legal, marco revolucionário, mas a efetiva aplicação pela Justiça na interpretação dos aspectos de soerguimento da empresa.

Entendemos que o rastro de boa-fé tem sido deixado de lado, raros os casos de afastamento do controlador ou dos maus administradores, e no mais das vezes não podemos conviver com planos que excedem o tempo de duração, sejam constantemente alterados e signifiquem o calote, nos quais a finalidade é de pagar apenas valor simbólico do macro endividamento. Estudos de viabilidade são necessários, não no início do requerimento e seu deferimento, mas o administrador judicial deve ser pró-ativo e evidenciar ao juízo as deformidades do plano e sua consequente impossibilidade de cumprimento.

Um vasto rosário de dúvidas nos identifica com uma legislação moderna mas ao mesmo tempo que se definha rápida e diariamente, na medida em que os problemas contemporâneos são muito mais do que falta de capital de giro ou de caixa, mas envolvem consumo, clientela, ponto, renegociação de luvas e do próprio locativo, já que muitos locadores não ensejam perdas, além do que shopping centers fechados meses a fio terão que abrir mão de participação e mudarão substancialmente as estruturas para se evitar aglomeração mantendo permanente higienização, a exemplo de salas de cinema com menor frequência e público com distância mínima.

O treinamento e a especialização de magistrados é inadiável, a máquina judiciária precisa de investimentos e corpo técnico à altura, muitas cidades pequenas, cujos prefeitos concederam benefícios fiscais para atrair empresas naquelas localidades, o juízo é carente de infraestrutura, donde a circunscrição manteria ao menos um juízo empresarial especializado. A dialética rompe o momento de mera mudança do marco legal, mas sugere um conjunto de medidas para permitir que o devedor se recupere, mas ao mesmo tempo que o credor não seja o único sacrificado. A expressão fortuito ou força maior não pode ter o condão de reescrever completamente o contrato mediante cláusulas e condições que favoreçam apenas uma das partes, a acentuada elevação da moeda estrangeira preocupa aqueles que tem contratos de câmbio e ainda as operações de importação de produtos, já que somos dependentes de insumos. O decálogo produtivo e real do momento atual sinaliza a implementação de medidas tendentes à recuperação do negócio por meio de medidas legais estruturantes

A partir dessa catalogação e consubstanciando o problema maior de não sobrecarregar a máquina judiciária, é essencial não decapitar empresas ou trucidar empresários de forma maquiavélica. A propósito, e considerando a forma sazonal de muitos setores afetados pelo momento de paralisação, temos a ponderar o seguinte:

1) Prazo de 90 dias finda a pandemia para reestruturação amigável;

2) Intervenção das câmaras setoriais para incremento das medidas profiláticas;

3) Devedores que se socorrerem da autofalência poderão ter continuidade automática dos seus negócios com novo ciclo de vida empresarial;

4) Setorialmente as entidades de classe fariam um relatório sobre o reaquecimento econômico e a expectativa de alteração de planos extrajudiciais;

5) Suspensão de todos os processos em curso e de obrigações vencidas por até 180 dias;

6) Pedidos coletivos por setor para fins e efeitos da recuperação judicial obtendo-se uma sentença coletiva que poderia ter execução singular na hipótese de não cumprimento dos padrões globais definidos pelo juízo;

7) Aumento do período de blindagem para as empresas envolvendo sócios e garantes solidários;

8) Convolação de parte substancial da dívida em participação no negócio sem repercutir na responsabilidade solidária ou subsidiária na hipótese de quebra;

9) Pedidos de recuperação durante o período pós pandemia poderão ser publicizados pela rede mundial e registrados na Junta Comercial para conhecimento de terceiros e respectivas impugnações;

10) Contrapartida da redução dos prazos destinados à recuperação de micro e médias empresas até três anos e grandes companhias, cinco anos.

O modelo francês, que tem peculiaridades e maior adaptabilidade, fornece ferramentas para diversas extensões de recuperação, bem diferente da legislação brasileira; chegou o momento e o tempo assim preside que devemos marchar a passos largos para a reconstrução da economia, do cenário do fomento empresarial e prudencialmente de regras inovadoras em termos de possibilitar que empresas saudáveis não se submetam ao regime de extinção fruto da quebra. E uma das conclusões vitais a qual chegamos é que até a pandemia o número de recuperações nos últimos 15 anos superou 25 mil pedidos e doravante o quadro será sombrio no sentido de maior número de quebras e menor recuperação.

Em tempo de recessão, depressão e falta de consumo com a real perda do poder aquisitivo, o Diploma 11.101/05 encerrou um ciclo auspicioso, cabe aos brasileiros vocacionados permitir que a fundação não seja abalada para redimensionar normas econômicas e jurídicas, instrumentos seguros para que não tenhamos terremotos ou tsunamis que causem graves problemas sociais. E para tanto já estamos no limite de buscarmos reformular a lei sem ambicionar milagres econômicos ou recuperações impossíveis, mas pluralmente uma racionalidade maior dentro do contexto adverso contingenciado por um contexto imprevisível e duração indeterminada.

Arregacemos as mangas das camisas e mudemos o que é possível para o monitoramento constante do que pode ser aperfeiçoado e melhorado em termos de ferramentas em prol da atividade produtiva.

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    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

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