Opinião

Homenagem aos 30 anos de STF do Ministro Marco Aurélio

Autor

  • Andrea Marighetto

    é advogado doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito summa cum laude pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

14 de junho de 2020, 7h15

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello teve a sua posse em 13 de junho de 1990. Completou neste sábado (13/6) 30 anos atuando como ministro da Suprema Corte, contribuindo e promovendo importantes avanços na historia do país e do Direito!

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O copioso e invejável curruculum vitae presente no website do Supremo Tribunal Federal evidencia, após a graduação na prestigiosa Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na sua cidade natal, um longo histórico de atividades profissionais jurídicas, varias instituições às quais pertence e inúmeras publicações. Destacam-se a presidência do Instituto UniCEUB de Cidadania (IUC) e, naturalmente, os 30 anos de Supremo Tribunal Federal.

O considerável curruculum vitae, todavia, não transmite toda a profundidade da personalidade do ministro e a importância deste para sociedade. Vale destacar a ressalva do Ministro Gilmar Mendes, já presidente do Supremo já citada pela ConJur —, que literalmente atesta: "O voto vencido como embrião de uma futura jurisprudência (…). Marco Aurélio cumpriu um papel importantíssimo quando o tribunal era extremamente conservador em matéria criminal".

O percurso do ministro na corte foi contemporâneo à vivencia da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, a sétima do país e com certeza a mais democrática, que recebeu o apelido de "Constituição Cidadã" por defender a inviolabilidade dos direitos, o respeito da dignidade humana e das liberdades fundamentais.

Trata-se de uma das mais extensas constituições já escritas, e que se caracteriza por ser amplamente democrática, liberal, e garantidora dos direitos aos cidadãos, pilar fundamental da consolidação do Estado democrático de Direito e do próprio conceito de cidadania. A importância do Estado é destacada para ser o garantidor da tutela da imunidade e da integridade aos cidadãos, mas também para assegurar, entre os demais, o direito à saúde e ao atendimento gratuito, à educação publica de qualidade, à moradia e ao trabalho.

Não é, de fato, redundante lembrar que os direitos da cidadania são diretamente funcionais ao desenvolvimento do próprio processo de democracia e de democratização! Salienta parafrasear a celebre expressão de Hannah Arendt, a qual lembra que a cidadania é — simplisticamente resumível ao direito a ter direitos! E entre o direito a ter direitos a assim chamada "democracia participativa" (expressão que sintetiza toda a força da conceptualização do Estado democrático de Direito) concede aos cidadãos, além dos direitos materiais em si, também uma posição ativa na administração do Estado.

A digressão é importante para tentar evidenciar o que os curricula vitarum não mencionam.

O Ministro Marco Aurélio sempre foi e é profundamente ligado à Carta Constitucional de 1988: a sua posse é só dois anos depois da promulgação da Magna Carta, e hoje são 30 anos de feliz e proveitosa convivência (para a sociedade)!! Em outras palavras, o ministro contribuiu ativamente ao importante processo de democratização do país!

Já definindo "pai da TV Justiça" por ter sancionado a Lei 10.461 de 2002 (que criou "um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça"), entendeu a grande importância de aproximar os cidadãos dos rituais judiciários e das logicas dos processos e dos julgamentos de Justiça: é isso com certeza um importante exemplo de democracia participativa.

Destaca-se a famosa e sagaz resposta "não posso responder por Vossa Excelência, mas o que eu faço em Plenário certamente não merecerá tomates” a quem avançou dúvidas sobre a eventual exposição dos ministros ao publico televisivo, quase querendo demonstrar a seriedade e o compromisso do próprio oficio com a sociedade.

Desde a sua posse, o ministro mostrou o sério e profundo compromisso com a Magna Carta e a tutela dos direitos fundamentais, assim como a importância de lutar pelo respeito às próprias ideias. A divergência e a discussão nos debates da Suprema Corte, assim como nos outros tribunais, tornaram-se estímulo para que o "o duvidar do óbvio" e o debate direto "olho no olho" chegassem a ser as suas características talvez mais apreciadas pelo inteiro mundo jurídico.

Lembra-se a resposta inequívoca ao ministro Joaquim Barbosa para enfatizar o seu desaponto e a sua contrariedade em relação ao debate sobre a permissão da interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico: "Ministro, vamos parar com as agressões porque o local não é este. Mas se Vossa Excelência quiser, lá for, eu estou à sua disposição"!

O Ministro Marco Aurélio mostrou desde sempre não aceitar compromisso com nada além das suas ideias, e de lutar para defendê-las ao ponto de estimular também os outros juízes a ousar contra a tradição e o conservadorismo burocrático baseados na antiga Carta Constitucional de 1967. Importante reconhecimento (este) apontado pelo próprio Ministro Gilmar Mendes, como lembrado acima.

E às criticas de ser sempre e a priori caprichosamente contracorrente, o ministro muito pacatamente sempre respondeu e responde: "Não faço questão de formar na corrente majoritária. Teria inteligência bastante para perceber a tendência do tribunal. O que eu faço questão é que se consigne como eu votei".

Pelo fato de ser contracorrente, ganhou a apelação "senhor voto vencido" por divergir ou falar pelas minorias. Mas ficar vencido num julgamento aprendemos não há de ser considerado um fracasso e tanto menos uma inutilidade: como em outro seu voto,  bom sempre lembrarmos Hans Kelsen quando afirma que a democracia se constrói sobretudo quando se respeitam os direitos da minoria, mesmo porque esta poderá um dia influenciar a opinião da maioria. E venho adotando esse princípio diuturnamente, daí a razão pela qual, muitas vezes, deixo de atender ao pensamento da maioria, à inteligência dos colegas, por compreender, mantida a convicção, a importância do voto minoritário".

Que boa mensagem e legado nos lembra depois de 30 anos de ofício (que "naturalmente" integra os próprios ensinos da Carta Constitucional), nos permitam: não tenham medo de defender e lutar para as próprias ideias, porque só assim a contribuição para a sociedade será concreta e valiosa! É isso?

Avançou-se, por isso, a dúvida de o Ministro Marco Aurélio ser um predestinado, por ter tido e ter uma trajetória assim luminosa, colocando-o entre os grandes e significativos juristas de todos os tempos. Difícil negar ou contestar a duvida. Mesmo para Vossa Excelência, Ministro Marco Aurélio!! A importante contribuição à sociedade fala por si, e se alguém tivesse duvidas há sempre o olho participativo da TV Justiça.

Parabéns, ministro!

Autores

  • é advogado, doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito, summa cum laude, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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