Opinião

Marco Aurélio Mello, um juiz incomum

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13 de junho de 2020, 7h25

"Conheci" o Ministro Marco Aurélio Mello muito antes de nos encontrarmos pessoalmente. No meu dia a dia, era comum ouvir da minha mãe, à época estudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB), elogios àquele jovem professor de Direito do Trabalho. Preparado e dinâmico… Esses eram alguns dos adjetivos corriqueiros usados para se referir ao então Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

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Mais tarde, estudante de direito na mesma UnB, tive eu o prazer de ser seu aluno e verificar de perto que os elogios eram mais do que justos. Suas aulas eram atrativas, nas quais o Professor Marco Aurélio demonstrava um raro e especial domínio da matéria lecionada. Ali, já era possível perceber traços de um juiz extraordinário, de vanguarda, que, desde então, já despontava na liderança da evolução da doutrina jurídica brasileira. Notava-se em suas aulas ousadia, coragem, destemor, raciocínio rápido, o gosto pelo debate e o amor à Justiça.

Neste dia 13 de junho, o Ministro Marco Aurélio completa 30 anos de Supremo Tribunal Federal sem ter se afastado de seu espírito de contemporaneidade, que lhe era próprio ainda em 1978, quando iniciou sua carreira como juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.

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Nascido em 12 de julho de 1946, o Ministro Marco Aurélio é formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Antes de juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, foi advogado e membro do Ministério Público do Rio de Janeiro. E, depois, foi Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde permaneceu por nove anos até passar a integrar a nossa Suprema Corte.

Foi, por três vezes, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, onde, em continuidade ao processo de informatização das eleições iniciado pelo Ministro Carlos Velloso, presidiu a primeira eleição pelo sistema eletrônico de votação.

Trata-se de um juiz incomum. Não tem compromisso com seus erros. Reconhece sua humanidade e volta atrás quando percebe que outra solução é mais adequada e mais justa que a anterior. Também não tem medo de expor suas convicções mesmo que fique solitário. A semente etá plantada e não raro o futuro fez ou fará justiça ao caminho escolhido.

Não são poucas as teses que hoje prevalecem e que tiveram como nascedouro seus votos vencidos: a declaração de inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos; a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel; a inconstitucionalidade da cláusula de barreira; o reconhecimento do instituto da infidelidade partidária; e a constitucionalidade da prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Seu modo de agir como juiz mostra a razão de ser do colegiado. A corte se impõe não pelas decisões unânimes, mas pelos seus debates, pela força das divergências bem construídas, pelas ideias conflitantes típicas do Estado democrático de Direito. Como ele mesmo diz, o juiz que integra um colegiado não está ali para dizer amém como se fosse "vaquinha de presépio" quanto ao relator.

No entanto, é preciso dizer que sempre que diverge o faz com profundo embasamento jurídico (e também com elegância e respeito e, em certas ocasiões, com algumas pitadas de humor e ironia).

Ao vê-lo no colegiado, fico imaginando a dificuldade de enfrentá-lo em um debate, tendo em vista o seu raciocínio rápido, o seu conhecimento jurídico amplo e rara coragem. Ele não se intimida nem pela complexidade da causa nem pela situação de defender de forma isolada determinado entendimento e, muito menos, por contrariar pressão pública ou publicada. Sua convicção e sua confiança em suas ideias o impulsionam sempre a ir em frente.

Um juiz de visão. Teve a ousadia de implantar a TV Justiça, instrumento que tornou mais transparente o Poder Judiciário, mesmo quando boa parte da magistratura era contrária. Superou incompreensões dentro da própria casa e hoje não se imagina a sua extinção.

Tem um defeito, já que ninguém é perfeito: é torcedor fanático do Flamengo. Essa é uma maioria a que ele se alia com prazer.

E não há como falar do Ministro Marco Aurélio sem falar de Sandra, sua esposa, de Letícia, Renata, Cristiana e Eduardo, seus filhos, e de João Pedro, Rafaela, Luisa e Laura, seus netos. Tenho prazer de conhecê-los todos e posso arriscar dizer que, certamente por trás do grande juiz que é, o Ministro Marco Aurélio tem uma grande família.

Sei que sou suspeito para falar. Fui seu aluno, advoguei tendo ele como juiz e hoje somos colegas de magistratura, mas não há como não reconhecer que o Ministro Marco Aurélio é um magistrado que se entrega de corpo e alma ao que faz, empenhado na entrega da efetiva prestação jurisdicional. Para ele, como não se cansa de dizer, o processo não tem capa, tem conteúdo. Ele é um amante incondicional do Direito, da magistratura e, principalmente, da Justiça, sendo um exemplo para todos nós, juízes.

Sorte de um tribunal que pode tê-lo como membro e mais sorte ainda do povo brasileiro que tem um juiz como o Ministro Marco Aurélio.

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