Opinião

Ensino jurídico na quarentena (IV): motivos para a volta às aulas presenciais

Autores

  • Marina Feferbaum

    é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (Cepi) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.

  • Guilherme Klafke

    é professor da pós-graduação lato sensu da FGV Direito São Paulo e líder de pesquisa no FGV-CEPI.

13 de junho de 2020, 6h04

Temos pensado muito sobre a ressignificação do espaço da sala de aula no ambiente presencial e, agora, o impacto do confinamento na educação. Esse é apenas mais um motivo para que as pessoas envolvidas reflitam sobre o papel do(a) professor(a) e do quanto é urgente revalorizar o espaço da sala de aula e o papel que os discentes desempenham nele durante o processo de ensino-aprendizagem.

Enxergar docentes como facilitadores do aprendizado, e não como centro do ensino, pode ser a chave. Reduzir o papel do professor a um orador, educador ou portador do saber não dá mais conta da realidade que precisamos enfrentar. Encarar a função de ensinar como sustentação de espaços de construção de conhecimento e pensar na docência também como exercício de empatia torna factível a ressignificação. Passar conteúdo não é complicado; difícil mesmo é educar. Por isso, docentes devem continuar aprendendo a aprender.

É importante ressaltar: uma boa aula é uma boa aula em qualquer ambiente, seja virtual, seja presencial. Cada um desses espaços possui suas particularidades, que podem ser potencializadas para o bem ou para o mal. Contudo, o mais importante é saber aonde se quer chegar, isto é, que tipo de egresso se quer formar. A partir dessa meta, é possível estabelecer um plano de ensino com objetivos de aprendizagem claros. Quando o encontro é bem planejado, fruto de uma profunda reflexão e com um propósito definido, extrai-se o melhor desses dois mundos.

Se os(as) alunos(as) puderem decidir frequentar o espaço de ensino que quiserem, eles(as) só irão investir tempo naquilo que fizer sentido, virtual ou presencialmente. O confinamento evidenciou que muitas atividades podem ser feitas remotamente. Consequentemente, a sala de aula terá que valer muito a pena para manter sua importância, e isso tanto para professores(as) quanto para alunos(as). É necessário estabelecer um novo sentido para manter 30, 40, 60 ou 80 pessoas juntas e compensar os riscos sanitários de sair de casa, com o trânsito das grandes cidades e todas as dificuldades, cada vez maiores, de se deslocar fisicamente e estar num horário pré-determinado em um local, no qual deverão ficar por horas seguidas.

Se for para oferecermos aulas sumariamente expositivas, não precisamos ter o desgaste de nos reunirmos fisicamente; mas, se formos trocar vivências, aprender com o outro, nos relacionar e construir juntos, aí valerá realmente a pena o esforço, especialmente em um momento em que todos precisam falar e ser ouvidos. Tudo indica que o ensino híbrido será o grande debate para o presente e futuro. Portanto, precisamos aprender a ocupar o espaço da sala de aula com experiências que só podem acontecer no encontro com o outro.

Habilidades e competências do futuro que chegou
Ao lado da discussão humana, relacionada, por exemplo, com questões de saúde física e mental de docentes e discentes, queremos ressaltar a dimensão instrucional sobre o que a sala de aula precisa desenvolver. De uma hora para outra, as pessoas tiveram que lidar com mudanças de rotina, uso de tecnologia, novos trabalhos e, o principal, a crise social e econômica. No ensino, as habilidades exigidas de professores e alunos só evidenciaram a importância do discurso sobre as competências do futuro: capacidade de adaptação e de resiliência.

Diante de novas situações, radicalmente distintas do que poderíamos imaginar em exercícios de novos cenários, precisamos nos reinventar — e vários o fizeram — para enfrentar os desafios. Essa será uma marca do nosso futuro. Ações previsíveis e repetitivas serão realizadas por algoritmos, que farão esse trabalho muito melhor do que seres humanos, sem erros e a um custo menor. Sim, um algoritmo será mais eficiente do que um profissional mediano. O que não será substituído é justamente a capacidade de se engajar em relações sociais significativas, reconhecer a alteridade, pensar em soluções criativas e enfrentar dificuldades e situações inéditas.

Há professores(as) e alunos(as) insatisfeitos(as) com o ensino a distância. Sempre haverá resistências diversas. Contudo, assim será o futuro, cada vez mais incerto e tecnológico. E as resistências precisam levadas a sério — a discussão sobre desigualdade social e ensino a distância, por exemplo, não deveria ter sido ignorada nos últimos anos e não pode ser esquecida. Mas elas também devem ser trabalhadas. Não apenas pelo fato de as condições do retorno ao ensino presencial estarem incertas, mas também porque devemos nos reinventar em um mundo pautado pela transformação e rapidez.

Falando em velocidade, a temporalidade é uma outra questão importante que surge ao falarmos de competências e habilidades profissionais. Toda essa circunstância provoca uma mudança na nossa sensação do tempo. Esta crise evidenciou que o tempo da aula virtual, o tempo disponível para o desempenho dos vários papéis sociais, a influência das novas tecnologias e o período para a aprendizagem seguem lógicas diferentes. Como preparar futuros profissionais e nos prepararmos enquanto profissionais da educação para um futuro incerto? Desenvolvendo novas habilidades e sendo resilientes.

Sair desta pandemia tendo desenvolvido competências como responsabilidade, empatia, criatividade, autonomia, ética, paciência e resiliência será um enorme ganho.

Conclusões
Há uma anedota sobre o grande problema que se tornaram as fezes de cavalos no início do século XX nas grandes cidades industriais. Como resolver o problema? O advento dos automóveis, por fim, simplesmente eliminou a discussão. Pode ser que o debate sobre ensino online e ensino presencial em tempos de Covid-19 siga pelo mesmo caminho. O surgimento de uma vacina, acompanhado de produção e distribuição em massa, pode afastar várias das questões levantadas nesta série de artigos.

Ainda assim, podemos e devemos levar alguns aprendizados conosco. Primeiro, ganhamos em pouco tempo um grande conhecimento sobre ferramentas tecnológicas e organização de tempo e dos espaços pessoal e de trabalho. Utilizá-lo para aprimorar a educação é o próximo passo. Segundo, devemos atuar com planejamento e colocar em perspectiva o que será exigido de nós daqui a dois, três, cinco anos. Terceiro, um ensino de qualidade pode acontecer tanto no ambiente presencial como no ambiente virtual. Não podemos cair na tentação de achar que qualquer ensino presencial é melhor do que as aulas remotas. Finalmente, como agentes que contribuem para a reflexão social, devemos incutir nos(as) estudantes a sensibilidade para as questões humanas e sociais do nosso tempo. A crise deixou exposta a face mais cruel da desigualdade social. É nossa responsabilidade passar adiante a mensagem de que uma sociedade democrática não tolera essa realidade.

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