ADI 4.636

Atuação de defensor público sem registro na OAB não fere a Constituição, diz Gilmar

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13 de junho de 2020, 15h18

A Defensoria Pública, assim como o Ministério Público, detém hierarquia institucional estabelecida, com regime disciplinar específico, estatutário, e com a fiscalização de uma corregedoria. Os termos estão devidamente definidos na lei de regência da instituição, inexistindo o dever de seus integrantes se submeterem, também, à inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil para atuação.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Para Gilmar Mendes, a Defensoria tem atuação muito diferente da advocacia 
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, votou em ação direta de constitucionalidade proposta pela OAB que questiona a matéria. O julgamento no Plenário Virtual foi iniciado na sexta-feira (12/6) e tem previsão de encerramento para a próxima sexta (19/6). Até agora, só o relator votou.

A OAB questiona a constitucionalidade do parágrafo 6º da Lei Complementar nº 80/1994, com a redação dada pelo artigo 1º da Lei Complementar nº 132/2009. A norma estabelece que "a capacidade postulatória do defensor público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público".

Segundo a entidade, a norma ofende o artigo 133 da Constituição, uma vez que o defensor não deixa de ser um advogado, pois exerce atividade de advocacia. Assim, a competência da OAB para fiscalização ético-disciplinar difere da fiscalização funcional exercida pela Defensoria. Por isso, seria indispensável a inscrição nos quadros da OAB para a atuação.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela desnecessidade dessa inscrição, em julgado de 2019, e o tema ainda é alvo de outras discussões no próprio Supremo Tribunal Federal. O Recurso Especial 1.240.999, com repercussão geral reconhecida, trata do assunto.

Funções que não se confundem
A tese foi rechaçada pelo relator, para quem a alteração do Capítulo IV da Constituição Federal, ocorrida em 2014, deixou clara a natureza de atuação da Defensoria: ela não se confunde com os advogados privados ou públicos. 

"Ora, usando do raciocínio exposto na inicial, pode-se afirmar que os membros do Ministério Público também peticionam, sustentam oralmente suas teses, recorrem, participam de audiências. Todavia, não se cogita a exigência de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil", exemplificou.

O ministro Gilmar Mendes ainda destacou que a advocacia privada, registrada na OAB, pode escolher as causas que defende e seus clientes, enquanto os defensores estão restritos às funções institucionais. Não podem, de forma alguma, atuar fora delas ou receber honorários.

"O defensor público tem assistido, e não cliente. A ele é vinculado pelas normas de Direito Público, e não por contrato. Sendo assim, a função dos membros da Defensoria Pública é, evidentemente, marcada pela impessoalidade, porquanto o assistido não escolhe seu defensor, tampouco o remunera diretamente. Ao contrário do cliente, que gratifica o trabalho feito com honorários, tendo poder de escolha sobre o profissional de sua preferência, trazendo à função do advogado feição personalíssima”, disse.

Possibilidade de defender empresas
A ação também questiona artigo 4º, inciso V, da Lei Complementar 80/1994. Trata-se do inciso que disciplina as funções da Defensoria: exercer a ampla defesa e o contraditório em favor de "pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais". 

A OAB se insurgiu contra a expressão "e jurídicas", argumentando que a Constituição restringe a atuação da Defensoria aos necessitados "enquanto pessoa natural". Assim, não poderia "chegar a tamanho extravasamento de sua missão", segundo peça enviada ao Supremo quando da proposição da ação, como noticiado pela ConJur em 2011.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes destacou que não há impedimento ao reconhecimento de pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais. Entre os exemplos estão princípio da igualdade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio, inclusive os direitos fundamentais à honra e à imagem, ensejando pretensão de indenização.

A jurisprudência brasileira também admite a concessão do direito da Justiça gratuita às pessoas jurídicas. "Tal entendimento nada mais representa do que o reconhecimento da possibilidade evidente de as pessoas jurídicas serem, de fato, hipossuficientes", apontou o relator da ADI.

"Como não enxergar, por exemplo, as microempresas, as empresas de pequeno porte, as individuais? Quando se fala em pessoa jurídica, aqui, devemos ir além dos bancos, grandes lojas, redes de supermercado", acrescentou.

Por causa disso, segundo o ministro Gilmar Mendes, a pretensão da OAB temo objetivo de restringir a assistência da Defensoria Pública apenas a pessoas físicas, o que não encontra abrigo na Constituição Federal.

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