Opinião

O antirracista depois de George Floyd

Autor

  • Karen Luise

    é juíza de Direito na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre membra da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Comitê de Equidade de Gênero Raça e Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

11 de junho de 2020, 6h36

O mundo protesta contra a morte de George Floyd e milhões de pessoas empunham bandeiras, vão às ruas mesmo em meio a uma pandemia, colocando suas próprias vidas em risco, publicam palavras de repudio, indignação e cobram do Estado transformações necessárias para que possamos viver como iguais.

Chama a atenção, por absolutamente necessária, a autoafirmação antirracista.

Mas ser antirracista transpõe todas as condutas antes mencionadas e exige comportamentos efetivos, a fim de que boas condições de vida e oportunidades não estejam localizadas em um mesmo grupo racial.

Para ser antirracista é preciso que pessoas brancas rompam com o pacto narcísico, tão bem definido por Cida Bento, enxergando além de suas imagens, dores, afetos e amores, respeitando e compreendendo pessoas que, marcadas pela cor da pele, ocupam lugar social diferente em razão de seus próprios comportamentos egoístas.

É preciso romper o silêncio e reagir a condutas racistas por gestos, palavras e omissões. Piadas jocosas, olhares preconceituosos, ações e reações a partir de conceitos estereotipados, que colocam negros sempre como criminosos ou suspeitos da prática de ilícitos de todas as ordens precisam ser eliminados do cotidiano dos brasileiros.

Reformular a base da educação é primordial, de modo que se promova o letramento racial de crianças e jovens. É preciso exigir que as escolas sejam ambientes efetivamente inclusivos e diversos nos quadros docentes, discentes e de direção. Não há como ser antirracista permitindo que seres em desenvolvimento vivam segregados, construindo identidades que compreendem pessoas brancas como as únicas legitimadas a pensar, dizer e fazer o mundo.

Além disso, é necessário reconhecer pessoas negras como interlocutoras legítimas, concedendo-lhes palavra e voz. Por óbvio, não há antirracismo quando intelectuais negros não são lidos e estudados com a mesma seriedade e respeito que intelectuais brancos; não há antirracismo quando não se colocam em evidência os saberes negros.

Para ser antirracista é preciso eleger representantes críticos de todas as raças, renunciando a privilégios da cor da pele, acolhendo a negritude, evidenciando aqueles que sempre foram alijados dos espaços e não podem com isso vocalizar demandas próprias para melhorar suas condições de vida.

Em nosso país a cor da pele determina quem possui os melhores empregos, salários, saúde, educação, bens materiais e imateriais.

Por isso, antirracismo exige promover a inclusão no mercado de trabalho, oferecendo postos a pessoas negras em todos os escalões das grandes empresas e viabilizando sua ascensão nas carreiras, para que não permaneçam uma vida inteira sem incentivo, adoecendo o trabalhador, que acaba por não performar profissionalmente.

Outrossim, há médicos, advogados, odontólogos, fisioterapeutas, psicólogos, entre tantos outros, negros e negras que se encontram no mercado de trabalho, buscando postos à altura da formação que conquistaram. Portanto, o antirracista deve conceder oportunidades, consumindo e usufruindo seus serviços, para que possam exercer suas profissões e melhorar as condições de vida de todos aqueles que estão no seu entorno.

Para denominar-se antirracista é preciso procurar a presença e estranhar a ausência de pessoas negras em todos os lugares; é surpreender-se com a não participação das minorias nos espaços públicos e organizações, reivindicando sejam diversificados racialmente em todos os níveis.

Mais: é não consumir produtos e serviços de empresas, organizações, corporações que não sejam inclusivos.

Por outro lado, a branquitude frequenta praças, clubes, restaurantes, parques, desfruta, enfim, de muitos momentos de lazer, mas poucos  ou nenhum deles  são compartilhados com pessoas negras. Ora, para que sejamos antirracistas devemos caminhar de mãos dadas, como irmãos, onde todos tenham rosto, voz, expressão e sejamos sendo valorizados e reconhecidos socialmente.

O verdadeiro antirracismo impõe que os olhos de cada um de nós não sejam voltados apenas para um lado da história, com a escolha de um caminho em que há apenas semelhantes. O antirracista compreende que os caminhos são muitos e que sua batalha não é a única possível e legítima.

O antirracista percebe que pessoas negras ainda não estão livres, nem emancipadas, e assume o compromisso nessa luta.

De todo o dito, o que fica é que os protestos passarão e voltaremos ao nosso dia a dia, para os nossos afazeres, rotinas e relações habituais, mas será somente neles que, enfim, poderemos ser verdadeiramente antirracistas.

O mundo não pode ser mais o mesmo depois de George Floyd porque vidas negras importam!

Estejamos juntos nessa nova caminhada!

Autores

  • é juíza de Direito na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, membra da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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