Opinião

Revogação, rescisão e distrato devem ser feitos pela forma exigida na contratação

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11 de junho de 2020, 14h05

O Código Civil Brasileiro começa a estabelecer as condições gerais de contratação a partir do artigo 104 — ao ditar as normas de validade dos negócios jurídicos [1], passando pela disciplina das obrigações ou a disciplina da Teoria Geral das Obrigações.

O código avança no sentido de estabelecer quais são as premissas da contratação, desde o agente capaz, da forma prescrita não defesa em lei, solenidade, se a escritura pública deve ser escritura pública, se o ato solene deve ser ato solene, se necessita de representação, representação, se necessita de assistência, assistência, o que pode ser contratado e o que não pode ser contratado.

Todas essas questões são muito claramente disciplinadas desde o artigo 104 do Código Civil até quando trata dos contratos em espécies, estabelecendo todas as formas de obrigação, contratos de adesão, contratos sinalagmáticos, enfim, reforçando que a contratação segue um rito, uma capacidade e uma forma [2].

Quando o código vai falar em revogação do contrato, ele começa uma simples questão trazida no artigo 472 [3], que "o distrato faz-se pela mesma forma exigida pelo contrato", ou seja, a revogação, ou rescisão, embora fala apena de distrato, o distrato prevê, a princípio, apenas um acordo de vontades. Quando fala em distrato, ele fala que o desfazimento de um negócio jurídico por vontade de ambas partes deve seguir os mesmos ritos de formalidade, capacidade e legalidade da sua formação.

E quando o Código Civil estabelece as condições de desfazimento unilateral do contrato, ou resilição ou rescisão unilateral, também estabelece condições que seguem a mesma forma na formação do contrato. Ou seja, para desfazer um contrato, seja por vontade bilateral (distrato), seja por vontade unilateral (a resolução, a rescisão ou a revogação), também a lei exige o cumprimento das formalidades tal qual ou mais quando da formação do Contrato [4].

Esse é o ponto que deve ser verificado. O que isso nos leva a dizer em relação aos acordos, ou contratos de colaboração premiada, segue também algumas características. Os acordos de colaboração premiada são bilaterais, sinalagmáticos, mais há um misto de cláusulas de adesão, uma vez que uma das partes, o Ministério Público, exerce uma posição dominante ou monopolista [5].

Nesse caso, qualquer cláusula de adesão conforme o artigo 423 [6] deverá ser interpretada de forma favorável ao aderente, no caso, ao colaborador porque, embora seja um contrato bilateral, sinalagmático, há cláusulas de adesão. Estas seguem a interpretação mais favorável ao aderente. Este artigo quer trazer a atenção sobre uns pontos: primeiro, a formação do contrato deve seguir o que está claro para a legislação de Direito Civil Brasileiro e na Constituição Federal, preservação de garantias individuais, não eliminação dos direitos fundamentais, não eliminação de cláusulas pétreas, não violação de direitos e garantias fundamentais e de direitos humanos [7].

A rescisão, a resolução e a revogação de contratos de colaboração premiada devem seguir o mesmo ritual da formação. Da mesma forma que se exigiu o agente capaz para a formação do contrato, deve-se exigir o agente capaz para o desfazimento. Então, não pode a rescisão de um contrato de colaboração seguir um rito diferente do da sua formação. E as cláusulas de adesão devem ser interpretadas sempre a favor e em benefício do aderente.

Pois bem, a Lei 12.850, que deu ao Ministério Público Federal autorização para formar contratos de colaboração, estabeleceu uma margem estrita de negociação que como dito transforma o contrato em contratos mistos, bilaterais e sinalagmáticos, tendo em seu conteúdo, também, cláusulas de adesão.

Seguindo esta linha de desenvolvimento, o Artigo 4º, parágrafo 8º, da Lei 12.850 estabelece que após a formação do contrato, ou seja, após as partes discutirem e cumprirem com os requisitos exigidos para sua formação, será o mesmo remetido ao juiz, para verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, e, assim, poderá "recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto"[8].

A formação do contrato de colaboração se insere no sistema jurídico com a homologação do juiz competente para isso. A Lei 12.850 estabelece as condições de um contrato de colaboração premiada, mas não o desvincula da Constituição Federal, nem do Código Civil, nem de princípios constitucionais e de direitos humanos, data a sua natureza de contrato [9].

Estabelece as condições, as obrigações, estabelece algumas cláusulas de adesão também. O artigo 4o, parágrafo 8o, encerra a fase final da formação do contrato, que é a homologação.

Esse parágrafo 8o diz que o juiz poderá recusar a homologação de uma proposta que não atender aos requisitos legais. Ou seja, não se insere no objeto da contratação, que evidentemente deve ser lícito, e negociado no respeito da autonomia privada, em que pese um certo monopólio, então o juiz poderá recusar a homologação e a proposta que não atender aos requisitos legais ou adequá-la ao caso concreto.

Então, a formação do contrato exige tudo aquilo que o Código Civil exige, tudo o que a Lei 12.850 exige, tudo o que a Constituição exige e os princípios gerais de Direito e direitos humanos, e insere algumas cláusulas de adesão.

Portanto, e este é o nosso ponto, se para formação devemos seguir um rito, para rescisão tem que seguir desta mesma forma, sendo que para as cláusulas de adesão prevalece aquilo que foi favorável ao colaborador [10].

Em se tratando de rescisão, o que diz a lei? Nada. Mas o Código Civil diz que a rescisão segue a contratação, ou seja a formação do contrato e a deformação do contrato deve seguir o ritmo da formação, justamente porque não existe uma lei especial que estabelece o ritual de desfazimento do acordo de colaboração premiada, após formado. Porque antes da formação do contrato a parte pode retratar, porém após isso as partes estão jungidas, vinculadas e em caso de colaboração não se podem desprender por vontade unilateral e com rito diferente [11].

Eis o ponto: quando se requerer a rescisão de um contrato, o juiz para homologar ou não homologar a rescisão deve seguir o mesmo rito da formação, e qual é o rito da formação? O rito da formação está representado nas regras positivas e princípios já mencionados, e deverá homologar ou não, conforme os critérios de regularidade, legalidade, e voluntariedade, e interesse público, ou seja, em eventual pedido de rescisão caberá ao juiz que a tenha homologado, apenas para "homologar ou não homologar" [12].

Logo, o juiz não julga o pedido de rescisão. Ele homologa ou não homologa e para homologar ou não homologar ele tem que seguir esse rito. É, repetindo pela clareza ao leitor, o rito da legalidade, regularidade, voluntariedade da Lei 12.850, e ainda mais o ritual normativo da capacidade das partes, do implemento da formação, da irrevocabilidade, do atendimento ao interesse público, da possibilidade fática e real de rescindir ou não, e da interpretação das cláusulas aderentes em favor do colaborador.

E não pode o pedido de rescisão ser apreciado por outro juiz senão aquele que o homologou [13].

No caso de juiz em primeira instancia, compete ao juiz que homologou; no caso de tribunais, compete ao relator que homologou, e não à turma, porque se for assim, já estaremos tratando da rescisão em desobediência ao que diz o Código Civil, eis que não estará tratando da mesma forma de sua formação.

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, não está isento de seguir o mesmo rito, e tem a missão de garantir o exercício de direitos fundamentais na formação do contrato e, portanto, não pode suprimir no eventual desfazimento do contrato. E, por fim, uma das garantias fundamentais, que é o duplo grau de jurisdição, jamais poderá ser suplantada em qualquer decisão por aqueles que não tenham foro por prerrogativa de função, portanto um acordo de colaboração homologado por um ministro do Supremo Tribunal Federal não pode ter um pedido de rescisão, homologado ou não homologado, como dito, pelo plenário dessa corte. Se isso ocorrer, a corte estará desobedecendo o Código Civil e a Constituição Federal tirando, daquele que aderiu, o duplo grau de jurisdição [14].

 


[1] O artigo 104 CC dispõe: "A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei".

[2] Veja-se o plano da validade em AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negocio Jurídico. São Paulo, Saraiva, 2002. Veja-se, também, SILVA, Clovis V. do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro, FGV, 2007. O Professor Couto e Silva destaca o caractere ritual ou dinâmico da relação obrigacional, evidenciando as diversas etapas que caracterizam, de forma interdependente, a constituição e o desdobramento da relação obrigacionária.     

[3] Veja-se o artigo 472 CC que dispõe: "O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato".

[4] Veja-se, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 13. Ed. V. 3. São Paulo, Saraiva, 2016.

[5] Veja-se, HC 127.483-PR, Relator o ministro Dias Toffoli, julgado em 27/8/2015 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da Rosa em https://www.conjur.com.br/2017-out-06/limite-penal-delacao-nao-anulada-unilateralmente-capricho-estado. LEQUES, Rossana Brum. Colaboração Premiada: o papel do Ministério Público e da Defesa. Canal Ciências Criminais, 2015. 

[6] O artigo 423 estabelece que: "Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente".

[7] Veja-se, TEPEDINO, Gustavo. "Normas constitucionais e relações privadas na experiência das Cortes Superiores Brasileiras", em TST, Brasília, Vol. 77, n. 3, Jul/Set 2011.

[8]  Veja-se os parágrafos 7o e 8o do Artigo 4o da Lei 12.850 de 2013:  "§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor" e "§8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto".

[9] Veja-se, MARIGHETTO, Andrea. Em https://www.conjur.com.br/2017-out-31/andrea-marighetto-apologia-acordo-colaboracao-rescisao.

[10] Veja-se a ratio do instituto em DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo, Saraiva, 2014.

[11] Cf. FACHIN, Luiz Edson; GONCALVES, Marcos Alberto Rocha. Hermenêutica da autonomia da vontade como principio informador da mediação e conciliação, Brasília, ano 48, n. 190 abr./jun. 2011, os quais frisam que “Percebe-se, assim, sem maiores dificuldades, que e’ da Constituição que emanam os princípios gestores do ordenamento jurídico e que tais princípios atuam transversalmente e de forma colaborativa em todos os ramos do Direito”.

[12] CF. FACHIN, Luiz Edson. Novo conceito de ato e negocio jurídico. Curitiba, EDUCA, SCIENTIA et Labor, 1988 que destaca como “A essência do negocio se assenta no autoregulamento de interesse particular, e a do ato se fundamenta na mera tutela da própria esfera, uma vez que o ato jurídico em sentido estrito não e’ decorrente do exercício da autonomia privada e o interesse objetivado não pode ser regulado pelo particular e sua satisfação se concretiza na maneira determinada pela lei (…) no negocio jurídico a eficácia flui preponderantemente do disposto no conteúdo, embora deve ter a conformidade legal que lhe da’ a necessária licitude”.    

[13] Veja-se, LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 11. Ed. São Paulo, Saraiva, 2016, sobre o principio do Juiz Natural como Direito e Garantia Constitucional.

[14] Veja-se, Constituição Federal Artigo 5o, LV. E, especificadamente, em relação ao duplo grau de Juízo, GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução, 2ª ed, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1998.

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