Opinião

A 'quarentena' de Moro: a Comissão de Ética pode proibi-lo de advogar?

Autor

  • Marco Antônio Araújo Junior

    é advogado sócio do escritório Marco Antônio Renata Abalém Advogados mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes especialista em Direitos das Novas Tecnologias pela Universidade Complutense de Madri e fundador do MEU CURSO Preparatórios para exame da OAB Concursos e pós-Graduação.

11 de junho de 2020, 7h14

Juiz federal por mais de 22 anos, Sérgio Moro, o responsável pela condenação de inúmeros integrantes da quadrilha investigada na "lava jato", aceitou o convite do então candidato eleito para presidente da República, Jair Bolsonaro, para ocupar o cargo mais alto na área do Direito dentro do Poder Executivo,  o de ministro da Justiça.

Cargo ocupado por Ruy Barbosa por três dias, depois de ter assumido o Ministério da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889); por Tancredo Neves pelo período de 34 dias no governo parlamentarista de João Goulart (1961); por Alfredo Buzaid por 52 meses no governo militar de Emílio Garrastazu Médici; por Bernardo Cabral por sete meses no governo de Fernando Collor de Mello; por Marcio Thomaz Bastos pelo período de 50 meses no governo de Luiz Inácio Lula da Silva; por José Eduardo Cardozo por 62 meses no governo de Dilma Rousseff; por Alexandre de Moraes pelo período de nove meses no governo de Michel Temer; e entre outros, por Sérgio Moro, que tomou posse em janeiro de 2019 e saiu, a pedido, em abril de 2020, tendo ficado no comando do "superministério", assim chamado pelo chefe do Poder Executivo por englobar a Justiça e a Segurança Pública, no período de 15 meses.

Por ocasião de sua saída, na entrevista coletiva que concedeu antes de pedir exoneração, o então ministro declarou que não havia enriquecido no serviço público, nem como magistrado, nem como ministro, e que procuraria um emprego, depois de descansar um pouco, já que desde o período em que havia liderado a "lava jato" não tinha tido tempo para tal.

Moro é bacharel em Direito, mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná, onde também atuou como professor concursado de Direito Processual Penal até 2018, ocasião em que pediu exoneração. Formado em 1995, ingressou por concurso como juiz federal no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 1996.

Interessado em iniciar suas atividades na iniciativa privada, prestando consultoria, advogando, ministrando aulas, palestras e sendo colunista de imprensa, Moro submeteu consulta à Comissão de Ética Pública, órgão vinculado à Presidência da República, a fim de obter decisão colegiada acerca de eventual impedimento para exercício de atividade ou atuação.

Segundo o jornal O Globo, depois de Moro afirmar, em uma entrevista, que tinha intenção de dar aulas e atuar como advogado e consultor de um escritório de advocacia, um grupo formado por 14 advogados e juristas apresentou denúncia perante a mesma comissão, afirmando que a atuação do ex-ministro no mercado privado poderia configurar conflito de interesses, nos termos da Lei 12.813/2013.

Comissão de Ética Pública
A Comissão de Ética Pública, vinculada ao presidente da República, foi criada por meio de decreto em 26 de maio de 1999 e a ela compete, entre outras questões, atuar como instância consultiva do presidente da República e dos ministros de Estado em matéria de ética pública; administrar a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal; dirimir dúvidas a respeito de interpretação de suas normas, deliberando sobre casos omissos e responder consultas acerca de eventual impedimento para atividade de cargo ou emprego.

A CEP é integrada por sete brasileiros que preenchem os requisitos de idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública, designados pelo presidente da República, para mandatos de três anos, não coincidentes, permitida uma única recondução. O colegiado é presidido por um dos seus membros, escolhido pelos demais, para um mandato de um ano, com possibilidade de recondução. A atuação de seus membros não enseja qualquer remuneração e os trabalhos nela desenvolvidos são considerados prestação de relevante serviço público.

Decisão da Comissão de Ética Pública
A consulta foi distribuída a um relator e em sessão que contava com a presença de cinco dos sete membros da CEP, o colegiado deliberou por:

a) proibir o exercício da advocacia pelos próximos seis meses;

b) determinar o pagamento da remuneração compensatória (o equivalente ao que o ex-ministro recebia como vencimentos enquanto exercia sua função no Ministério da Justiça aproximadamente R$ 31 mil reais por mês) pelo mesmo tempo que durar sua quarentena;

c) autorizar a atividade como professor ou palestrante de instituições públicas ou privadas e a atividade como articulista de jornais e revistas.

De todas, a única decisão que não teve unanimidade foi aquela que permitiu a Moro de ser articulista de jornais e revistas. Dois dos cinco membros do CEP (Gustavo do Vale Rocha, que foi ministro de Estado dos Direitos Humanos no governo Temer, e Milton Ribeiro, que é ex-reitor em exercício e ex-vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie) entendiam que o exercício dessa atividade colocaria em risco a Administração Pública, tendo em vista que o ex-ministro poderia, quando atuasse como articulista, tratar de informações privilegiadas, em descumprimento ao que determina a lei que trata de conflito de interesses.

Importante ressaltar que a Lei 12.813/13, que trata do conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo Federal e de impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego em razão de acesso a informações privilegiadas, em seu artigo 6, II, impõe que:

"Artigo 6º — Configura conflito de interesses após o exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

I a qualquer tempo, divulgar ou fazer uso de informação privilegiada obtida em razão das atividades exercidas; e

II — no período de 6 (seis) meses, contado da data da dispensa, exoneração, destituição, demissão ou aposentadoria, salvo quando expressamente autorizado, conforme o caso, pela Comissão de Ética Pública ou pela Controladoria-Geral da União:

a) prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego;

b) aceitar cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado;

c) celebrar com órgãos ou entidades do Poder Executivo federal contratos de serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, vinculados, ainda que indiretamente, ao órgão ou entidade em que tenha ocupado o cargo ou emprego; ou

d) intervir, direta ou indiretamente, em favor de interesse privado perante órgão ou entidade em que haja ocupado cargo ou emprego ou com o qual tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego"

Assim, no nosso entendimento, por força do que dispõe a lei, caberia ao Comitê de Ética Pública ou à Controladoria-Geral da União, de forma expressa, autorizar ou impedir o exercício de atividade profissional do ex-ministro, se e quando estivesse relacionada com pessoa natural ou jurídica, com quem tenha estabelecido relacionamento relevante enquanto ocupava o cargo público.

Da mesma maneira, o impedimento teria fundamento legal se houvesse por parte do ex-ministro o estabelecimento de vínculo profissional com pessoa natural ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ou se ele pretendesse celebrar contrato de serviço, assessoria e consultoria vinculados com órgãos ou entidades do Poder Executivo federal, que também tenham vínculo direto ou indireto com o referido ministério.

A meu ver, a "quarentena" imposta pelo artigo 6º, II, da Lei de Conflito de Interesses deveria ter tido fundamento específico em uma das letras ("a", "b", "c" ou "d") previstas no inciso, determinando de maneira objetiva qual seria o impedimento de atuação do ex-ministro e informando, de maneira clara, em que situações ele poderia atuar como advogado.

A lei permite que o Comitê de Ética Pública ou a Controladoria-Geral da União autorizem expressamente, em caráter excepcional, quais atividades privadas poderão ser realizadas.

 Da decisão do CEP cabe pedido de reconsideração.

Inscrição de Moro como advogado
Aliás, ao contrário do que foi veiculado por diversos órgãos da imprensa, o CEP não proibiu a inscrição de Moro nos quadros da OAB como advogado. E nem poderia.

Primeiro porque essa decisão é exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil (que é instituição pública sui generis, não mantém vínculo hierárquico nem funcional com nenhum órgão da Administração Pública e tem competência privativa para dispor sobre a inscrição de seus membros artigo 44, II e §1º, da Lei 8906/94); segundo porque a atividade de ex-ministro não é causa de incompatibilidade que impeça a inscrição nos quadros da OAB (artigo 28 da Lei 8906/94); e, por fim, porque se o ex-ministro assim pretender, pode requerer sua inscrição como advogado nos quadros da OAB.

E sobre esse tema uma dúvida sempre é levantada: Moro precisaria realizar exame de ordem para requerer inscrição como advogado nos quadros da OAB?

A resposta é não, independentemente de ter sido ou não inscrito nos quadros da OAB como advogado. Explico:

Se ele tinha inscrição na OAB como advogado antes de ser aprovado no concurso público de provas e títulos para juiz federal, a partir da posse a inscrição teria sofrido cancelamento (artigo 11, IV, da Lei 8906/94) e agora ele deveria requerer à OAB um novo pedido de inscrição, nos termos do artigo 11, §2º, da Lei 8906/94, sem necessidade de prestar novo exame de ordem. Nessa hipótese, o número da inscrição anterior não será restaurado.

Caso o ex-juiz e ex-ministro não tivesse realizado inscrição nos quadros da OAB como advogado, o que é absolutamente possível, tendo em vista que esse não é um requisito indispensável para ser magistrado, teria agora que requerer à OAB uma nova inscrição, fazendo prova dos requisitos do artigo 8º do EAOAB, sem a necessidade, contudo, de prestar exame de ordem, em razão do que dispõe o Provimento 144/2011 do Conselho Federal da OAB, que garante, em seu artigo 6º, §1º, que os postulantes a inscrição como advogado nos quadros da OAB oriundos da magistratura e do Ministério Público, estão dispensados do exame.

Momento tenso no Comitê de Ética
Se não bastasse, a decisão do Comitê de Ética Pública que proíbe a Moro o exercício da advocacia é dada em um momento em que seus próprios membros colocam em xeque a credibilidade da comissão.

Erick Biill Vidigal, conselheiro da Comissão de Ética Pública, doutor em Direito pela PUC-SP e chefe de gabinete da Secretaria-Geral do Ministério Público da União, em carta endereçada aos conselheiros da comissão, divulgada para a imprensa, fez uma série de críticas ao funcionamento da instituição, sobretudo no que tange à lisura da escolha das relatorias dos processos distribuídos na CEP.

Segundo o conselheiro, que alega ter ficado sabendo do processo contra Moro pela imprensa, é preocupante a falta de transparência na distribuição dos processos e somente depois de muita pressão é que obteve esclarecimentos sobre a distribuição da denúncia realizada por um grupo de advogados e juristas contra Sérgio Moro.

Alega ainda na carta que foi publicada pela imprensa que no passado apresentou proposta de resolução para abertura do sigilo das sessões de julgamento, sigilo que a seu ver é inconstitucional, e que não prosperou; que várias vezes propôs instauração de processos para apurar deslizes éticos praticados por ministros do Estado, o que foi ignorado pela presidência e que irá provocar o Ministério Público e o Poder Judiciário para indagar acerca da atual nomeação do presidente interino e para requerer o restabelecimento das prerrogativas mínimas necessárias para o exercício do cargo de conselheiro.

Por sua vez, Paulo Henrique dos Santos Lucon, que é advogado, livre docente pela USP, presidente da Comissão de Ética Pública e se autodesignou relator do processo contra Moro, afirmou em entrevista que não há irregularidades e que o conselheiro Erick tenta confundir os jornalistas para desqualificar o trabalho dele, presidente, e também da comissão.

O fato é que, em um momento tenso, em que se discute a isenção dos membros do Conselho de Ética Pública para julgamento dos processos que envolvam questões referentes a ética dos servidores federais, a ética dos próprios conselheiros foi colocada na berlinda por um dos membros do conselho.

Ex-ministro Mandetta
Recente decisão também determinou ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta o impedimento para atuação em qualquer emprego no setor privado. No caso de Mandetta, a decisão não excetuou consultorias, artigos e palestras.

Da mesma forma que Moro, Mandetta receberá remuneração compensatória pelo prazo da quarentena, no valor mensal que recebia enquanto era Ministro da Saúde.

Nesse caso, a defesa do ex-ministro Mandetta, na sessão em que foi julgado o processo, pede a reconsideração da decisão para pelo menos contemplar a possibilidade de consultorias e palestras.

Dever de sigilo após a quarentena
Tanto o ex-ministro Moro quanto o ex-ministro Mandetta, passado o período de seis meses, deverão manter o sigilo com relação a informações privilegiadas a que tiveram acesso durante o período em que exerceram cargo público.

O dever de sigilo ultrapassa o prazo da quarentena e deverá ser exigido a qualquer tempo, segundo a lei, sob pena de incorrerem em improbidade administrativa.

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  • é advogado, sócio do escritório Marco Antônio Renata Abalém Advogados, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes, especialista em Direitos das Novas Tecnologias pela Universidade Complutense de Madri e fundador do MEU CURSO Preparatórios para exame da OAB, Concursos e pós-Graduação.

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