Sem retrocesso ambiental

Código Florestal não retroage para cômputo de APP em reserva legal

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8 de junho de 2020, 7h55

O artigo 15 do Código Florestal de 2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente (APP) no cálculo do percentual de instituição de reserva legal, traz inovação que não deve retroagir para alcançar as situações consolidadas antes de sua vigência, dada a proibição do retrocesso em matéria ambiental, conforme jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça.

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Imóvel rural deve manter área de reserva legal com vegetação nativa, segundo lei 
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Com esse entendimento, a 1ª Turma do STJ, por maioria, deu provimento parcial a recurso especial interposto pelo Ministério Público para garantir a incidência do Código Florestal anterior, de 1965, menos benéfico para com os donos de áreas rurais. 

A reserva legal é a área da propriedade que deve ter um percentual mínimo, definido em lei, de vegetação nativa, de modo a auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos. A APP, por sua vez, refere-se à área a ser preservada no entorno de recursos hídricos. Até 2012, APP e reserva legal não se confundiam.

No caso concreto, o imóvel em questão não possuía área de reserva legal, motivo pelo qual foi constatado dano ambiental. Os proprietários assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público, se comprometendo a regularizar a situação, mas não o cumpriram. Posteriormente, já na vigência do Código Florestal de 2012, venderam o imóvel.

Os novos proprietários pleiteavam incluir a área de proteção permanente na área de reserva legal, conforme o artigo 15 do Código Florestal. Prevaleceu o voto divergente do ministro Gurgel de Faria, segundo o qual a lei mais recente não pode retroagir para infrações que já estavam identificadas sob o manto da legislação anterior.

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Para ministro Gurgel de Faria, sobre dano percebido durante código anterior não incide a nova lei

Embate jurisprudencial
Para chegar a essa conclusão, o voto vencedor aplicou o princípio do tempus regit actum, no sentido de que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que são realizados. Inclusive porque, segundo a Súmula 623 do STJ, as obrigações ambientais têm natureza propter rem, ou seja: são transmitidas, o que permite cobrar do proprietário que comprou o imóvel rural, como no caso.

Ao acompanhar a divergência, a ministra Regina Helena Costa ressaltou que os compradores da fazenda tiveram a oportunidade de celebrar novo termo de ajustamento de conduta, de forma a resolver a questão da reserva legal sem necessidade de ação judicial. Não o fizeram, no entanto.

Ficou vencido o relator, ministro Napoleão Nunes Maia, segundo o qual análise da existência e a recomposição do dano em APP, reserva legal ou outro dos espaços tutelados pelo Novo Código devem se pautar, atualmente, pela totalidade de seu regime. 

A jurisprudência do STJ entende que em caso de dano ambiental, a pretensão de reparação não prescreve porque essa espécie de dano tem natureza continuada, permanente. Não faz sentido, então, negar a aplicação do novo Código Florestal sob o entendimento de que o dano foi consolidado e percebido sob égide da norma anterior.

“O que não se pode é admitir o fracionamento da natureza jurídica do dano ambiental por degradação de espaços protegidos: de um lado, para a contagem da prescrição, considerá-lo como dano permanente, de modo a renovar o termo inicial do prazo prescricional e impedir com isso sua fluência; de outro, para definir qual a Legislação aplicável, tratar o dano como um ato jurídico perfeito, a atrair a incidência da Lei mais gravosa”, apontou o relator.

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STF declarou a constitucionalidade da lei que o STJ decidiu não retroagir no caso

Jurisprudência do STF
A definição da questão ainda passou pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que em sede de controle concentrado de constitucionalidade declarou constitucional o artigo 15 do novo Código Florestal. 

Entendeu o Plenário do STF que o rótulo da “proibição ao retrocesso ambiental” não implica imutabilidade ou engessamento da atividade legislativa e não pode pode se sobrepor ao princípio democrático, “ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador”. 

O novo Código Florestal é menos benéfico ao meio ambiente, mas está dentro do legítimo exercício conferido ao legislador, inclusive diante de outros valores constitucionais como o desenvolvimento nacional. No voto vencido do ministro Napoleão Nunes Maia, entender diferente seria consagrar a completa imobilização legislativa para um sem-número de situações.

"As considerações a respeito do maior ou menor nível de proteção do Novo Código em relação ao antigo, ou à prevalência do interesse ambiental coletivo sobre o exercício individual do direito à propriedade, são questões já enfrentadas pelo STF nas sobreditas ações concentradas, de maneira que não se pode, agora, adotar a mesma argumentação para conferir ultratividade à Lei 4.771/1965 (antigo Código Florestal)”, afirmou.

O entendimento vencedor seguiu linha diferente. Ao entender pela constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal de 2012, o Supremo Tribunal Federal não decidiu sobre a possibilidade de retroagir. Essa análise é da legislação infraconstitucional e que cabe ao STJ, por definição. 

“No caso, a declaração de constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata deste dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência. Tal compreensão, reitero, não conflita com o decidido pelo STF, porque trata-se de juízos realizados em campos cognitivos diversos”, apontou o ministro Gurgel de Faria.

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REsp 1.646.193

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