Opinião

Revogação da contribuição ao Sebrae-Apex-ABDI deve ser reconhecida

Autor

  • Tiago Conde Teixeira

    é procurador-adjunto de Direito Tributário do CFOAB. Presidente da comissão de advocacia nos tribunais superiores da OAB-DF. Doutorando em Direito. Mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor de Direito Tributário em cursos de graduação. Diretor da Abradt (Associação Brasileira de Direito Tributário). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Consultor e advogado.

6 de junho de 2020, 18h12

O STF, em 23 de novembro de 2010, reconheceu a repercussão geral do RE nº 603.624/SC (Tema nº 325), no qual se discute a subsistência da contribuição destinada ao Sebrae, à Apex e à ABDI após o advento da EC nº 33/2001. Esse recurso foi interposto em face de acórdão proferido pelo TRF-4, que decidiu pela exigibilidade dessa contribuição incidente sobre a folha de pagamento.

A contribuição ao Sebrae foi instituída pela Lei nº 8.029/1990, tendo por base de cálculo a folha de salários do contribuinte. O objetivo inicial dessa contribuição era implementar uma política de apoio às micro e pequenas empresas. Em seguida, com as alterações legislativas, a contribuição também passou a ser destinada ao desenvolvimento industrial, bem como à promoção de exportações e do turismo brasileiro internacionalmente. Assim, parte do valor arrecado passou a ser destinado para a Apex, a ABDI e a Embratur.

Em que pese o §3º do artigo 8º da Lei nº 8.029/1990 se referir à contribuição ao Sebrae como adicional às contribuições devidas às entidades do Sistema S, o STF [1] já decidiu que se trata de contribuição de intervenção no domínio econômico. Isso decorre das finalidades para as quais foi instituída a exação, quais sejam, a preservação da ordem econômica, bem como o tratamento privilegiado às pequenas e micro empresas e a promoção de exportações e desenvolvimento industrial, de modo a concretizar os objetivos estabelecidos pelo artigo 170 da CF.

Nesse diapasão, o ministro Gilmar Mendes, em seu voto no julgamento do RE 635.682, destacou que, por se tratar de Cide, deve ser aplicado à contribuição ao Sebrae o artigo 149 da CF/1988, e não o artigo 240, que disciplina as contribuições destinadas às entidades do Sistema S. Essa distinção é relevante porque o artigo 240 autoriza a incidência das contribuições a entidades terceiras sobre as folhas de salário, enquanto não há tal previsão no artigo 149, ao qual a contribuição ao Sebrae deve obediência.

Nesse ponto, elucida-se que as análises feitas pelo STF acerca da classificação da contribuição ao Sebrae-Apex-ABDI declararam a constitucionalidade da exação instituída pelo artigo 8º da Lei nº 8.029/1990. Contudo, nenhuma das ações que chegaram a esse posicionamento analisou a questão à luz das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 33/2001 no artigo 149 da CF/1988, base constitucional da cobrança.

Tendo em vista a sua natureza de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, invoca-se a aplicação do artigo 149 da CF à contribuição ao Sebrae, e não o artigo 240, que disciplina as contribuições destinadas aos serviços sociais autônomos (Sistema S) e permite a sua incidência sobre a folha de salários.

O artigo 149, em sua redação original, não previa as bases econômicas passíveis de tributação pelas contribuições sociais e as contribuições de intervenção no domínio econômico. Assim, a União possuía grande discricionariedade para instituí-las e definir a sua base de cálculo, sem a necessidade de observar limites quanto às materialidades passíveis de tributação.

Nesse cenário, com o advento da EC nº 33/2001, que acrescentou o §2º ao artigo 149 da CF, as contribuições sociais e as contribuições de intervenção no domínio econômico também passaram a adotar, além do critério da finalidade, o critério das bases econômicas a serem tributadas. Assim, o texto constitucional passou a prever as bases de cálculo sobre as quais essas espécies de contribuições especiais poderiam incidir, limitando a competência tributária da União para instituí-las.

Com a nova redação, estabeleceu-se que as referidas contribuições especiais poderão adotar alíquotas: I) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; ou II) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

Faz-se mister destacar que o plenário do STF, por unanimidade, no julgamento do RE nº 559.937/RS [2], submetido à sistemática da repercussão geral, entendeu que o rol de bases econômicas elencado no §2º, III, do artigo 149 da CF, introduzido pela EC nº 33/2001, possui caráter taxativo. No caso acima referido, a Suprema Corte tratou de contribuições sociais incidentes sobre a importação, hipótese prevista no artigo 149, §2º, III, "a", da CF/1988. Nesse cenário, determinou-se a impossibilidade de o ICMS integrar a base de cálculo do PIS-Importação e da Cofins-Importação, tendo em vista que extrapola o conceito de "valor aduaneiro" previsto no dispositivo mencionado.

Diante dessa decisão da Suprema Corte, evidencia-se que, caso o legislador opte pela alíquota ad valorem para instituir contribuição social ou Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, ele só poderá adotar as bases de cálculo introduzidas pela EC nº 33/2001, quais sejam, o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso da importação, o valor aduaneiro, conforme estabelecido pelo artigo 149, §2º, III, "a", da CF.

Nessa toada, é fundamental destacar a prevalência dos conceitos fechados no âmbito do Direito Tributário, tendo em vista a necessidade de se preservar a segurança jurídica e a esfera de direitos do contribuinte. Assim, a Constituição, ao outorgar a competência aos entes para instituir e majorar impostos, também estabelece limites ao poder de tributar, com vistas a evitar abusos por parte do Estado e garantir aos cidadãos os direitos instituídos pelo texto constitucional [3]. Esses limites devem ser respeitados de forma rigorosa pelo legislador infraconstitucional ao instituir determinado tributo.

A intenção do constituinte, portanto, ao prever expressamente as bases de cálculo sobre as quais as Cides podem incidir, foi restringir a discricionariedade do legislador infraconstitucional. Com o advento da EC nº 33/2001, a base de cálculo das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico foi elevada a nível constitucional, de modo que não cabe ao legislador ordinário instituir Cide incidente sobre base de cálculo não prevista na Constituição.

À luz desse novo paradigma, é fundamental analisar a compatibilidade material tanto das contribuições sociais e contribuições de intervenção no domínio econômico instituídas antes do advento da EC nº 33/2001 como as que foram instituídas depois da sua entrada em vigor, com a Constituição Federal. Isso decorre da necessidade de se garantir a coerência do sistema jurídico, de modo que todas as normas devem estar em harmonia com a Constituição, que é o fundamento de validade do ordenamento jurídico [4].

Em suma, tem-se que: I) a Lei nº 8.029/1990 instituiu a contribuição ao Sebrae, estabelecendo, como sua base de cálculo, a folha salarial do contribuinte; II) conforme entendimento do STF, a contribuição ao Sebrae não é um adicional às contribuições do Sistema S, conforme dispõe a Lei nº 8.029/1990, e, sim, uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico; III) em se tratando de Cide, a contribuição ao Sebrae é disciplinada pelo artigo 149 da CF; e IV) a partir da EC nº 33/2001, que acrescentou o § 2º ao artigo 149 da CF, o texto constitucional passou a prever as bases de cálculo sobre as quais as Cides poderiam incidir, sendo elas o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.

No caso das contribuições ao Sebrae-Apex-ABDI, o legislador infraconstitucional adotou alíquotas ad valorem incidentes sobre a folha de salários, base de cálculo que não consta no rol taxativo do §2º, III, "a", do artigo 149 da CF/1988, conforme redação dada pela EC nº 33/2001. Conclui-se, portanto, que a incidência da contribuição ao Sebrae-Apex-ABDI, instituída pela Lei nº 8.029/1990, com as modificações posteriores, sobre a folha de pagamentos é incompatível com a Constituição. Assim, deve ser reconhecida a revogação da referida exação a partir da entrada em vigor da EC nº 33/2001.

 


[1] Nesse sentido, ver: STF. RE nº 396266, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, julgado em 26/11/2003, DJ de 27/2/2004; STF. RE 635682, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgado em 25/4/2013, DJe de 23/5/2013.

[2] STF. RE 559937, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2013, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-206 DIVULG 16-10-2013.

[3] BALEEIRO, Aliomar; Derzi, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário brasileiro: CTN comentado. 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 75.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 107.

Autores

  • é sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal), professor de Direito Tributário do Instituto Brasiliense de Direito Público, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF e membro efetivo da Câmara de Tributação da Fecomércio.

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