Opinião

Jabutis e fake news não sobem em árvores

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  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

  • Alexandre Secco

    é advogado e consultor especializado em comunicação estratégica.

5 de junho de 2020, 15h07

Há muitas ideias mais ou menos simples para acabar com problemas muito complexos circulando na forma de projetos de lei em Brasília. Esse parece o caso do PL 2.630/2020, do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pretende lançar as bases legais para o combate às fake news. O problema é que, geralmente, questões difíceis exigem soluções engenhosas e, quando se trata de uma democracia, o debate amplo é fundamental para chegar até elas. Por essas e outras razões, foi acertado o adiamento da votação do projeto. Vencer as fake news vai exigir mais do que boas intenções. Voltaremos a esse tema em outro artigo. Por hora, o primeiro passo é compreender melhor do que estamos falando quando falamos de fake news.

Na era romântica da internet, circulavam "notícias" sobre hambúrgueres feitos de minhoca, tubarões que engoliam helicópteros e jabutis que escalavam árvores. Mentiras cabeludas para assustar ou ludibriar sempre houve — inclusive muito antes da internet —, bem como sempre há quem goste de acreditar nelas. O fato é que essas famílias ancestrais de fake news, ainda muito populares, têm um poder de destruição relativamente baixo, costumam ficar restritas aos crédulos e podem ser desmentidas com alguma facilidade.

Conhecemos as fake news em seu esplendor nas eleições americanas de 2016. Uma nova espécie, modificada em laboratórios de Big Data, evoluída, dissimulada, agressiva, tecnológica, difícil de matar. Muitas vezes com disparos realizados a partir de nações estrangeiras do alvo que se pretende atacar. Tão poderosa que se mostrou capaz de influenciar o rumo de grandes nações democráticas. Fake news tiveram papel relevante no voto dos ingleses pela saída da Comunidade Europeia, na eleição do presidente americano Donald Trump e em tantas outras em que deixaram pegadas, como aqui mesmo, no Brasil. O inquérito das fake news em andamento no Supremo Tribunal Federal investiga suspeitas de que elas também operaram em favor da eleição do presidente Jair Bolsonaro. As investigações contra as atividades de empresas que potencializaram os efeitos das fake News viraram pauta mundial, tendo como seus principais atingidos as empresas Cambridge Analytica e Facebook.

A primeira encerrou suas atividades e a segunda foi multada pelo Federal Trade Comission norte americano em US$ 5 bilhões por enganar os seus usuários sobre a capacidade de controlar as atividades de suas informações pessoais. Tal fato concorreu diretamente para que tornassem estes usuários mais vulneráveis aos ataques de fake news.

A regulamentação das fake news devido à pandemia disparou mundialmente. Ao todo foram 17 países que tinham alguma forma de regulação sobre o tema.

Uma fake news de geração atual é fruto de uma máquina de operação cara e complexa. Notícias falsas são criadas e divulgadas em portais que imitam até o layout de veículos sérios, tudo feito na medida para confundir. Em vez da sorte, hoje são usados algoritmos para identificar os crédulos, os perfis suscetíveis a acreditar nessa ou naquela versão de um fato, a partir métodos falsos e táticas enganosas para coletar informações pessoais de milhões de usuários. Robôs entram em campo para multiplicar as notícias fake no Twitter, no Facebook e nos sites. Conseguem levar uma "boa" fake news ao conhecimento de dezenas de milhões de pessoas. Para que circulem ainda mais rapidamente, elas são impulsionadas nas redes sociais. Com R$ 10 mil é possível conseguir mais de 100 mil visualizações no Facebook, quase que instantaneamente. Fake news também são distribuídas para ativistas, contratados e pagos para esse fim. No fim da linha, são validadas e compartilhadas em grupos fechados, como os de WhatsApp, em que são tratadas como verdades absolutas, "verdadeiras verdades", "aquilo que a Rede Globo não mostra" etc. Chegam até nós compartilhadas por um familiar, ou um amigo. O estrago está feito. Se não conseguem nos convencer, roubam nosso tempo, desviam a atenção, tumultuam o debate.

É assim que muita gente inteligente acaba acreditando em jabutis alpinistas, ou se envolvem na discussão de teorias criadas com propósito oculto de confundir, ou de levantar suspeitas, como as várias teses conspiratórias sobre a facada no então candidato Jair Bolsonaro. Diga-se que o crime foi profundamente investigado e absolutamente nada se comprovou além da ação individual, conduzida por uma mente perturbada.

Em se tratando especificamente de legislação eleitoral para combater as fake news na propaganda eleitoral no Brasil, já temos norma que veda a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicativos com a intenção de falsear identidade (artigo 57-B, parágrafo segundo da Lei 9504/97). Porém, os mecanismos de controle não são eficientes, razão pela qual a norma não consegue atingir o êxito imaginado no combate aos perfis e conteúdos falsos.

O tempo da ingenuidade já foi. Hoje, essas espécies mais evoluídas de fake news estão em busca de poder e dinheiro e atacam em quadrilhas, não raras vezes financiadas com dinheiro público, especialmente aquele desviado de propaganda oficial. Agem para fraudar eleições e desviar dinheiro. Os debates sobre o tema precisam levar em conta essa dimensão e mecanismos de controle mais efetivos.

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