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EUA: advogados que fazem doações a juízes pegam mais casos como dativos

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4 de junho de 2020, 14h16

Reprodução/The Economist
Custo democrático: campanhas de juízes são muitas vezes bancadas por advogados
Reprodução/The Economist

Um novo estudo, a ser publicado pelo Duke Law Journal, revela que advogados que fazem doações para campanhas eleitorais de juízes nos estados são regiamente recompensados. Sim, nos Estados Unidos, juízes são eleitos. Os doadores são muito mais vezes nomeados defensores dativos de réus indigentes do que os não doadores. Cada doação pode render ao doador, em honorários, até 27 vezes o valor da doação.

Para os réus indigentes, é um péssimo negócio, diz o estudo. Tais defensores dativos podem pegar tantos casos — às vezes acumulando até 100 processos ao mesmo tempo — que acabam não tendo tempo para cuidar zelosamente de cada um. 

O estudo destaca o caso do advogado Jerome Godinich, que perdeu prazos para recorrer contra duas sentenças de pena de morte. Os réus, ao fim e ao cabo, foram executados. O advogado fez doações à campanha eleitoral do juiz Jim Wallace. Em contrapartida, o juiz o nomeou defensor dativo em 1.974 processos, incluindo cinco casos de pena capital, em um período de 14 anos. Desde 2014, Godinich recebeu pelo menos US$ 872.642,50, afirmam os autores do estudo.

A pesquisa foi coordenada pelo professor Neel U. Sukhatme, da Georgetown University Law Center e Georgetown McCourt School of Public Policy, e por Jay Jenkins, da Texas Criminal Justice Coalition. Eles afirmam que suas equipes examinaram 290.633 casos, que ocorreram de janeiro de 2005 a maio de 2018.

O levantamento foi feito apenas no Condado de Harris, o terceiro mais populoso dos EUA, e que abriga a cidade de Houston. Mas a situação se aplica a todos os estados onde juízes enfrentam custosas campanhas eleitorais para chegar ao cargo.

Nos casos que examinaram, todos os tipos de falhas foram encontrados. Além de perda de prazos, os defensores dativos, sem tempo para cuidar bem dos casos, falharam em conseguir reduções das acusações, trancamento de processos, absolvições possíveis, respostas às alegações de promotores zelosos e em evitar sentenças de prisão. Em um caso, o réu ficou preso por 17 meses por posse de drogas, quando nenhuma droga foi encontrada.

Com o acúmulo de processos, esses defensores dativos ficam em situação parecida a de certas defensorias públicas que, sem verbas e sem profissionais suficientes, mal têm tempo de se familiarizar com os problemas dos réus. No caso dos defensores dativos doadores, eles tentam operar no sistema de “jogo rápido”. E o jogo mais rápido é fazer um acordo de confissão de culpa com a promotoria.

O estudo esclarece que muitos advogados, entre os nomeados defensores dativos, doadores ou não, continuam trabalhando diligentemente em favor dos réus indigentes. Mas argumenta que é impossível entender, logicamente, por que juízes que recebem doações de advogados que representam mal seus clientes continuam a nomeá-los defensores dativos.

A prática institucionaliza o sistema “pay to play” (pague para jogar), o que é inaceitável, diz o estudo, que apresenta sugestões para mudar esse quadro.

A melhor delas é acabar com eleições para juízes, mas isso não vai acontecer. O sistema é sempre criticado, incluindo porque se sabe que os juízes eleitos poderão, a qualquer momento, ter de julgar seus doadores — ou decidir uma disputa entre um doador e um não doador de campanha.

Outra sugestão seria fortalecer as defensorias públicas, abrindo mais repartições e destinando mais verbas a elas. Uma terceira seria proibir os advogados que fazem doações a representar clientes perante o juiz beneficiado, pelo menos por um certo tempo. Uma quarta recomendação diz respeito à transferência do poder de nomear defensores dativos a um órgão independente, que se encarregaria, entre outras coisas, de manter o rodízio dos advogados nomeados.

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