Saída de Emergência

Na epidemia, é preciso priorizar lado humano na aplicação do Direito Penal

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3 de junho de 2020, 18h35

A epidemia de coronavírus está deixando claro que os operadores do Direito devem priorizar o lado humano e os direitos fundamentais na aplicação das leis penais. Essa é a opinião de especialistas em seminário virtual promovido nesta quarta-feira (3/6) pela TV ConJur.

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O debate é parte da série de encontros chamada "Saída de Emergência" e teve o tema "Direito Penal em tempos de quarentena". O evento foi apresentado e organizado por Otavio Luiz Rodrigues Jr, professor da USP e integrante do CNMP.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro afirmou que a tecnologia tem ajudado no funcionamento de órgãos do sistema de Justiça durante o isolamento social. No entanto, os operadores do Direito não podem se esquecer do lado humano dos acusados e réus, tratando-os de forma desconectada e virtual.

O criminalista José Luis de Oliveira Lima, o Juca, disse que, na quarentena, as interações entre advogados e integrantes do Ministério Público têm sido mais amistosas.

“Fizemos um acordo de não persecução civil, com reflexos no penal, com o MP-SP. Um dos advogados que estavam do meu lado contraiu o coronavírus e foi internado. O MP sempre se preocupava com ele, teve muita solidariedade. No Rio de Janeiro, também estamos negociando acordo de não persecução penal com a força-tarefa da ‘lava jato’, e eles tiveram a mesma cumplicidade. A relação entre as partes num processo penal pode ser mais leve”.

Já a professora Flaviane de Magalhães Barros Moraes (UFOP PUC-MG) disse que é preciso discutir a reparação do dano das vítimas da Covid-19 — algo que só tem sido questionado nos âmbitos civil e administrativo, mas não no penal.

“Estado forte é o Estado que respeita os direitos dos presos”, avaliou a professora Ana Elisa Liberatore Bechara (USP). Ela elogiou a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça. A norma sugere a reavaliação de prisões provisórias de idosos ou integrantes do grupo de risco da Covid-19. Porém, criticou a falta de unidades de saúde em presídios e, especialmente, a ideia de abrigar detentos em contêineres. A seu ver, a medida levaria a “enormes violações de direitos humanos” e aumentaria o risco de contaminação pelo coronavírus.

Por sua vez, Samantha Chantal Dobrowolski, subprocuradora-geral da República, opinou que o Direito Penal não é adequado para induzir políticas públicas, salvo no caso do sistema prisional em face da epidemia. Na visão dela, o atual cenário “gera reflexão de que é preciso atuação estatal pelo desencarceramento, não necessariamente pela atuação judicial”.

Contudo, analisou, o Direito Penal não deve ser usado para forçar pessoas a cumprir medidas para evitar a propagação do coronavírus. O melhor, nesse caso, é aplicar multas administrativas a quem desrespeitar as regras.

Respeito ao Judiciário
O ministro Nefi Cordeiro defendeu o respeito às diferenças — algo fundamental para o desenvolvimento da sociedade, a seu ver.

“A não admissão do diferente contamina não só as pessoas, mas as instituições. Vemos em todos os poderes manifestações, no mínimo, polêmicas. O Judiciário determinando se aplica ou não um medicamento. O Legislativo adiando decisões urgentes. E o Executivo isolando-se. É preciso resgatar o sentimento de humanidade, de admissão das diferenças, pois só através delas poderemos evoluir”, declarou.

Rebatendo as constantes críticas ao Judiciário, Juca afirmou que o Poder deve ser defendido como um instrumento de cidadania.

“As pessoas têm o direito de criticar decisões judiciais, mas de forma civilizada. Quem ultrapassar esses limites tem que responder por isso. Não podemos admitir que um ministro seja ofendido em um avião e fique por isso mesmo. Além de ser um ato de covardia, a pessoa tem que ser responsabilizada por esse ato. Isso não é liberdade de expressão. A sociedade tem que ficar mais civilizada”.

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