Opinião

MP 936: os números não conferem com a realidade

Autor

  • Luiz Antonio Colussi

    é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) juiz do Trabalho no TRT da 4ª Região (RS) sendo titular da 9ª Vara do Trabalho de Porto Alegre e mestre em Direito pela UPF-Unisinos.

3 de junho de 2020, 10h05

É necessário que se comece dizendo que a Medida Provisória 936 não é boa para a sociedade brasileira e para o conjunto dos trabalhadores, pois se trata de mais um ataque frontal aos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal. A medida, mesmo que editada sob a égide da pandemia do coronavírus, segue a linha de precarização que vem desde a época da aprovação dos projetos de terceirização, da reforma trabalhista, da lei da liberdade econômica, passando por vários projetos que tentam avançar vorazmente sobre inúmeros outros artigos da CLT.

Divulgados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, os números do balanço realizado desde a edição da MP mostram que em acordos individuais para suspensão de contratos do trabalho, ou para redução salarial, foram atingidos 7,9 milhões de trabalhadores, havendo preferência pela suspensão do contrato em 54% dos acordos individuais firmados.

Examinando-se inicialmente a Medida Provisória 936, e em que pese a decisão preliminar proferida pelo STF, entende-se que proposta segue flagrantemente inconstitucional. Não é possível, nos termos da Carta Magna, artigo 7º, inciso VI, haver a redução salarial sem a intervenção dos sindicatos. Não se vê razão lógica para, mesmo em tempos de pandemia, suprimir exigência determinada na Constituição, que obriga a existência de negociação coletiva para permitir a necessária redução salarial, quer pela redução de jornada, quer pela suspensão do contrato. O inciso XXVI do citado artigo 7º prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

É válido citar que a medida contraria o artigo 4º da Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho, recepcionada por nossa legislação desde 1953, ao estabelecer a necessidade da utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego.

Logo, nas hipóteses previstas na MP 936 em exame, deve haver a negociação coletiva como forma de ampla proteção dos trabalhadores, sendo ela essencial. A doutrina juslaboralista consagra esse entendimento. No dizer de João de Lima Teixeira Filho;

"O interesse coletivo, de categorias profissionais (empregados) e econômicas (empregadores), é revelado através das negociações coletivas, de onde resultam condições de trabalho de eficácia restrita ao âmbito das respectivas representações, ajustadas no vazio ou por cima do mínimo da lei, embora seja constitucionalmente permitida a flexibilização de direitos, sempre sob tutela sindical (artigo 7º, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal). E contra a pactuação coletiva não cabe o acordo individual (artigos 444 e 619 da CLT)", in Instituições de Direito do Trabalho, 19ª ed., 2000, pag. 1161.

Ressalte-se que os números divulgados referem-se a acordos individuais, portanto, sem a intervenção sindical, o que fere a Constituição. Além disso, observe-se que há clara redução salarial, tanto na limitação dos valores do seguro-desemprego para os contratos suspensos quanto para a redução salarial, que pode ser de 25%, 50% ou 75%, o que causa grande dificuldade para o trabalhador e sua família. A renda familiar diminuiu, mas as despesas para o sustento da família se mantiveram estáveis ou aumentaram.

Além do mais, o que se observa da realidade é que a norma provisória não trouxe as soluções necessárias para a manutenção dos empregos, pois o desemprego aumentou consideravelmente desde então. O socorro governamental, portanto, mostrou-se insuficiente para atender as necessidades mais prementes, tanto para os empregadores manterem os postos de trabalho e os seus empreendimentos quanto para os empregados.

Por fim, espera-se que o Congresso Nacional, ao apreciar a medida, possa melhorar o projeto encaminhado pelo governo, no mínimo, restabelecendo a obrigatoriedade da negociação coletiva, restabelecendo pagamento integral de salários e corrigindo outras distorções apontadas nas emendas propostas ao texto.

Assim sendo, o trabalho digno com a justa remuneração deve ser assegurado a todo trabalhador em decorrência do reconhecimento de sua condição humana e de seu direito à dignidade, reconhecido nas constituições e no direito internacional, não sendo diferente em nosso Estado democrático de Direito.

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