Opinião

A demora excessiva na fila de instituições bancárias causa dano moral

Autor

  • Fernando Lacerda Rocha

    é pós-graduado em Direito Tributário com ênfase em Magistério Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp (MS) advogado associado ao escritório José Lindomar Coelho e Advogados Associados membro da Comissão de Direitos Humanos da 27ª Subseção da OAB/MG e professor de Direito na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (Factu).

2 de junho de 2020, 7h06

Nos dias de hoje, sabemos o quão importante e precioso é o tempo. Nas atividades corriqueiras, tentamos extrair o seu máximo aproveitamento. Mas muitas vezes vivenciamos situações desgostosas e aviltantes no trato com esse bem tão precioso. Todos sabem e se sentem desestimulados quando há necessidade de se desenvolver algum contato com as instituições bancárias, e o motivo maior é a longa e cansativa espera nas filas.

No que tange ao Direito do Consumidor, esse é um assunto que ainda traz divisão e dúvida perante os tribunais [1], uma vez que enfrentar a ocorrência do dano moral individual é matéria conceitualmente divergente, mesmo que recentemente o Superior Tribunal de Justiça, através do REsp 1.737.412 (4ª Turma) e do REsp 1.402.475 (2ª Turma), tenha decidido o cabimento de pagamento de dano moral coletivo por descumprimento de norma local em relação ao tempo de espera para atendimento.

A presente matéria tem por objetivo demonstrar que a dúvida e a contradição nos julgamentos podem ser superadas pela aplicação da "Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor", caracterizada pela adoção da responsabilidade civil pela perda do tempo útil, erigindo e destacando a importância do tempo, "bem escasso , inacumulável, irrecuperável e considerando a possibilidade de tutela jurídica, verifica-se a necessidade do reconhecimento de uma nova modalidade de dano, qual seja, o dano temporal" [2].

Como ponto de partida, cite-se a Lei Estadual mineira nº 14.235/02, que em seu artigo 1º obriga o estabelecimento bancário obrigado a atender o cliente no prazo de 15 minutos, contados do momento em que ele entrar na fila de atendimento. Mesmo com disposição em lei, por diversas vezes tem sido noticiada a espera em fila para atendimento por mais de duas horas, o que é inaceitável nos dias de hoje, principalmente quando essas empresas extraem lucros anuais na base dos bilhões de reais.

A questão não passa apenas pelo mero dissabor [3] ou mero aborrecimento, vez que reiteradamente as instituições bancárias descumprem o determinado em lei na certeza de que o consumidor não irá reclamar ou buscar a reparação nas vias legais, ou talvez tenham ciência de que os consumidores que buscam a reparação são em quantidade ínfima, que convém continuar com a omissão em não implementar recursos que garantam o devido atendimento, conforme ordena a lei.

No que se refere à teoria do desvio produtivo do consumidor, essa está sendo empregada na tentativa de reduzir a afronta aos direitos do consumidor, dando extremo valor ao tempo que o mesmo despende em filas de banco, por culpa das atitudes abusivas das instituições financeira. Tal teoria prega que o desperdício do tempo injusto e intolerável do consumidor deve ser indenizado, vez que o indivíduo poderia utilizá-lo para desenvolver os aspectos mais vívidos da sua personalidade, maximizando a sua utilização, a plenitude de conhecimento e da qualidade de vida.

Assim, podemos entender o tempo como um "verdadeiro capital" [4] do homem, o maior e mais valioso capital, contrapondo-se à noção muito disseminada nas sociedades capitalistas de que "tempo é dinheiro", isto é, de que "o dinheiro constitui o padrão-ouro da vida". Dessa forma, podemos entender o tempo como algo inestimável, necessário ao ser humano para a manutenção e implementação da sua dignidade, essa já garantida pela Constituição Federal [5].

Extrair o tempo do consumidor de maneira abusiva, ilegal e obtusa é algo que merece guarida do Direito e atenção do operador do Direito, vez que o mesmo é suporte implícito do Direito Constitucional à saúde, à educação, ao lazer. O desvio produtivo do consumidor deve ser indenizado pelo fato de o ato ilícito longa espera em fila de banco provocar danos a esses direitos constitucionais consagrados, na medida em que o consumidor deixa de realizar certas atividades que deveria ou gostaria de executar, como o trabalho, o estudo, lazer, o descanso, entre outras.

Dessaune [6] informa que toda vez que o consumidor desvia seu tempo e suas competências, considerados recursos produtivos escassos, das atividades desejadas ou queridas para solucionar problemas constantes de produtos e serviços defeituosos, estar-se-ia diante de situações de desvio produtivo do consumidor.

Recentemente [7], a 3ª Turma do STJ, entendeu que ser "intolerável e injusta perda do tempo útil do consumidor" decorrente do "desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço".

De todo o exposto é possível inferir que a espera prolongada em fila de banco se transforma em um ato abusivo ilícito [8] por parte da instituição, e que não segue ao encontro do que a lei consumerista espera da empresa no trato com os clientes. Tais condutas devem ser combatidas, daí a importância do Judiciário para fazer valer e efetivar os direitos consagrados na Constituição Federal, nas legislações estaduais e municipais que abordam o tema, reconhecendo o dano moral que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Por ser subjetivo, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral, o próprio fato já configura o dano [9].

O dano temporal causado ao consumidor que se vê obrigado a esperar longas horas em filas nas instituições bancárias, por si só, merece ser indenizado, não sendo avaliado como mero aborrecimento ou mero dissabor, evitando a chamada "industrialização do mero aborrecimento[10], "uma vez que, o bem jurídico 'vida' está correlacionado ao tempo. Assim sendo, o desvio produtivo do consumidor é capaz de gerar danos irreversíveis, pois o tempo perdido não volta" [11].

 


[1] REsp 1.6647.452, Voto Relator Ministro Luis Felipe Salomão.

[2] TEIXEIRA, T.; AUGUSTO, L. S. "O dever de indenizar o tempo desperdiçado (desvio produtivo)". Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 110, p. 177-209, 20 maio 2016.

[3] REsp 1.647.452, Voto Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma.

[4] DE MASI apud DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: prejuízo do tempo desperdiçado, cit. p. 100-102.

[5] Art. 1, III, CF/88.

[6] DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: prejuízo do tempo desperdiçado, cit., p. 47-49 e 134.

[7] REsp 1.737.412, STJ.

[8] Ilícito, pois os fornecedores, por lei (Código de Defesa do Consumidor), têm o dever de fornecer produtos e serviços adequados ao consumidor.

[9] Apelação 0002406-82.2012.8.22.0002, TJRO.

[10] Os resultados demonstraram que a industrialização do mero dissabor estimula as práticas nocivas e reiteradas à comunidade de consumo. Uma vez que, é mais lucrativo para as empresas permanecerem descumprindo a lei e desrespeitando o cidadão do que investir financeiramente em ações que evitem mau serviço.

[11] NASCIMENTO, Gisele. "A indústria do dano moral versus a indústria do mero aborrecimento". 2017. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI270552,91041A+industria+do+dano+moral+versus+a+industria+do+mero+aborrecimento>. Acesso em: 22 de março de 2019.

Autores

  • é advogado associado ao escritório José Lindomar Coelho e Advogados Associados, professor de Direito Internacional na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU) e pós-graduado em Direito Tributário com ênfase em Magistério Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp (MS).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!