Opinião

Pensamento filosófico é base dos regramentos de condutas - parte 2

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2 de junho de 2020, 13h14

Continua parte 1

Nota: Justifilosofia aplicada na prática

Passado-se os pontos em que obrigatoriamente tive que me remeter por históricos disseminadores, estudiosos e filósofos do tema, decidi fazer esse tópico com um pensamento crítico (mas não crítico materialmente, pela explicação já dada na introdução) sobre o tema, além disso, compartilharei certas dúvidas que ainda permeiam minhas ideias, e que de certa forma, dificilmente um dia terão respostas palpáveis para aqueles céticos que não compartilham da mesma opinião.

Cada movimentação humana busca uma finalidade, seja andar para frente ou matar uma pessoa. A regulamentação obviamente surge a partir de condutas, que dependendo da comunidade serão ou não indesejáveis, de certa forma que as indesejáveis sujeitarão aquele indivíduo a uma sanção. Mas de onde vem essas condutas? E quem define quais condutas são ou não passíveis de uma sanção? Em outras palavras, quem disse que matar é uma movimentação indesejada? Calma, obviamente a conduta de tirar outra vida é claramente uma das mais (se não for a maior) deploráveis, mas isso nos dias atuais, mas no começo da objetificação do Direito, esse tipo de conduta precisava de uma sequência de negações da sociedade para que solidificasse como uma conduta indesejada.

O ser humano detém características próprias de um ser racional, como a de preservação da espécie, o que é natural e visivelmente interligado à moral e juízo de valor, portanto, uma lei que impede o extermínio da espécie é uma lei ligada à moral com um carregado juízo de valor, isso porque as leis gravitam em torno das condutas humanas, e não ao contrário.

Ainda, as pessoas carregam em si preceitos construídos ao longo de centenas e centenas de anos, preceitos esses relacionados aos bens jurídicos essências à convivência humana, faremos um exercício de raciocínio, você não comete um roubo ao banco porque simplesmente existe uma lei que o impede, ou porque você carrega em si um sentimento de que tal fato caracteriza-se como uma conduta indesejada? Se você pense da primeira forma, não gostaria que você convivesse dentro da mesma comunidade que a minha.

Nessa hora você deve estar se perguntando, “se ele está falando sobre preceitos construídos ao longo dos anos, ele está falando de religião”, de certa forma, você tem razão, mas não por completo. Esse é um grande mito que norteia o jusnaturalismo, e que John Finnis debate em suas obras, o Direito natural pressupõe uma lei divina? De uma forma mais clara, quando você pensa em Lei natural ou Direito natural, você imagina um ser divino descendo dos céus e ditando regras a serem seguidas?

É inegável que a religião tem um aspecto forte como controle social informal, e exatamente por conta disso que as comunidades seguem certos preceitos de forma consciente ou inconsciente. Mas voltando a pergunta do parágrafo anterior, o Direito natural pressupõe uma lei divina? A resposta é… não necessariamente. O Direito natural pressupõe um direito divino, mas não de forma detalhada, como um código. Nós seres humanos, temos o instinto do justo e do não justo, pois na nossa natureza humana existe uma espécie de diretriz, um caminho natural a ser seguido, que é a tal da Lei natural.

A parte natural que rege as relações de justiça, ou seja, dar a cada um o que é seu, nem mais ou menos, mas o justo, é a parte sólida do Direito natural, é o que foi a base do início das regulamentações das condutas humanas, todavia, tal princípio abstrato e genérico não é páreo para regular as questões objetivas por si só. Nesse ponto, a sociedade deve se nortear por convenções, e essas convenções são exatamente por meio do Direito positivo, ou seja, o Direito natural é a base sólida de um fenômeno jurídico que se aperfeiçoa com o Direito positivo, e não este funcionando como um autônomo ramo filosófico do direito, assim, as leis naturais não são obras do divino e o Direito natural não é um produto meramente histórico, pelo contrário, o Direito positivo não pode violar as normas naturais.

Mas, de onde vem as leis naturais? A lei natural advém de princípios naturais que são emergidos da nossa própria natureza humana, que é aquilo que nos define como homens, e não como uma mera planta ou animal irracional. Como toda reação e causa, a lei natural tem a sua causa em obras que advém da religiosidade de uma comunidade, como podemos extrair dos dez mandamentos, em que Deus passa a Moisés normas que asseguram bens jurídicos individuais e coletivos, e dessas normas, fragmenta-se outras e outras e assim a sociedade se regula, o que não podemos subestimar é o fato de que existem regras repassadas a Moisés que são idênticas as que seguimos nos dias de hoje, milhares de anos depois, como por exemplo: “Não matarás”, seria esse preceito fruto do positivismo, ou seria uma base sólida fruto de uma Lei natural que compõe o nosso ser desde sempre?

De toda forma, existe lei natural em cada ser humano, e todo ser humano é igual, pois possui a mesma natureza, partindo desse pressuposto, não existe uma necessidade de haver uma confissão religiosa para que haja aceitação de que existe uma lei natural e consequentemente uma lei eterna, talvez nem a necessidade de ser teísta. Mas ainda, aos que não acreditam piamente na existência desse Ser, confiando 100% na ciência ou até mesmo os gnósticos em cima do muro, haverá sempre uma preferência pela posição positivista e uma rejeição ao Direito natural.

O ponto central desse tema é que a religião pode reforçar a confiança de que há uma lei natural e consequentemente um Direito natural, seja pelos ensinamentos da igreja católica ou seja pelos ensinamentos de Buda, do Taoísmo etc. Todavia, essa não é estritamente uma regra que se deve imputar à teoria, pelo contrário, o tabu transformado pela corrente positivista foi de que o jusnaturalismo era uma teoria divina e que não tinha contexto racional, e a razão parece ser a única coisa que pode sancionar uma teoria nos dias de hoje. Fazer uma inter-relação entre o Direito natural e a razão, razão como pressuposto de algo tangível, que pode ser facilmente verificado entre os operadores da lei. Seria esse um ponto crucial e complicado nos dias atuais, visto que a figura de Deus ou de um Ser criador do universo vem, propositalmente, se tornado um assunto quase proibido de ser tocado no âmbito do Direito, como uma separação entre Deuses e homens ou moral a razão. Tal razão então, é indissociável à moral (ou você pensa que quem julga ou quem legisla não o faz com a sua moral?) e ao sistema naturalista de composição das leis, mas um ainda um desafio.

Na noção de Direito natural secular, propicio para quem não tem palpável essa ideia de grande criador do universo, se você é capaz de construir argumentos, a presunção subjacente na elaboração desse argumento já é uma ideia de Direito natural. Esse é um ponto central da chamada “ética argumentativa”, cunhada por Hans-Hermann Hoppe. Isso porque não há como você construir um contra-argumento aos Direito naturais, pois o fazendo, você estará utilizando o próprio Direito natural. Em outras palavras, o mero fato de você estar lendo esse tipo de argumento refuta totalmente a teoria contrária, como por exemplo o direito natural à vida, se alguém argumentar contra esse Direito natural deve-se perguntar o motivo do mesmo encontrar-se vivo, assim como se alguém argumentar de que não ache que a natureza por si só tenha presunção de liberdade, apenas usando esse argumento entende-se que a pessoa já é livre, ainda que não esteja na sua condição de liberdade de ir e vir, mas ao menos na liberdade de expressar o seu argumento. Se a busca da felicidade não é intrínseca da nossa natureza, me prove que você passa todos os dias da sua vida tentando ser triste, ao invés de ser feliz.

Considerações finais

Por que Direitos naturais existem? Primeiramente, agradeça por existir, dessa forma, apenas existindo, uma gama de direitos fundamentais (naturais) já nascem com você. Desde sua vida, até mesmo a possibilidade da busca da felicidade, parafraseando Thomas Jefferson. A ideia de que os Direitos naturais são arcaicos e pressupõe divindade é totalmente obsoleta, existindo até mesmo uma ideia secular do Direito natural com argumentos próprios de acredita no tema sem ao menos acreditar em um criador por trás dele.

Há coisas que a lei não alcança, a base do bem estar social não é fruto de uma regulação promulgada por quem detém o poder, até porque o próprio detentor do poder de regulação o faz com base nos Direitos naturais (liberdade para legislar). As constituições atuais são positivistas em sua maioria e não naturalistas, e isso é uma porta de entrada para uma vasta violência dos direitos fundamentais dos indivíduos, se há a negativa dos direitos naturais, se dá a possibilidade de corroborar e justificar qualquer violência em face dos bens jurídicos mais sensíveis do ser humano com um simples “porque é lei”, mas há algo que está acima da lei, que são os nossos direitos naturais, invioláveis e característicos de nossa própria espécie. Será que as leis positivadas pelos congressistas são, de fato, representação da vontade popular? Ainda, será que de uma hora para outra o legislador se transforma em um ser ungido pelo Divino, incorruptível e capaz de regular as condutas do todo em detrimento de direitos naturais, ou ele ainda continua um ser humano falho em sua essência, como todos os outros indivíduos?

Doravante, uma vez que é inegável que não há possibilidade de uma pessoa argumentar sem que seu direito ao controle de seu próprio corpo seja previamente reconhecido e aceito como justo, então uma ética defensora dos direitos iguais para os retardatários que não faça essa distinção jamais poderia ser aceita por ninguém. Só o fato de alguém dizer que ela poderia ser aceita já implica uma contradição, pois a capacidade de poder dizer algo já pressupõe a existência, em um ponto definido do tempo, de uma unidade tomadora de decisão independente.

Por fim, não trago uma vasta gama de referências e bibliografias, pois como já disse anteriormente, dediquei meu tempo a fazer um artigo pessoal de pensamento crítico. Entendo que o presente trabalho, lotado de questionamentos, alguns sem respostas e outros respondidos precipuamente de forma opinativa individual, está distante de uma solução por completo, mas o desejo é de que o operador de direito busque a regulação das condutas sociais observando a real existência de Direitos naturais, pois a positividade do Direito não é um fim em si mesmo.

REFERÊNCIAS

BEDIN, Gilmar Antônio. A doutrina jusnaturalista ou do direito natural: uma introdução. Direito em debate- Revista do departamento de ciências jurídicas e sociais da Unijuí.

CORREAS, Carlos I Massini. A teoria do direito natural no tempo pós moderno. Revista da Faculdade de Direito da UFRG Nº39

COTTA, Sergio. Para um reexame das noções de jusnaturalismo e direito natural. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS nº36

FINNIS, Natural Law and Natural Rights, 17. Doravante, apenas NL para Lei Natural e Direitos Naturais, trad. Leila Mendes, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007.

KANTOROWICZ, Hermann. La definizione del diritto. Trad. Enrico di Robilant. Torino: G. Giappicchelli, 1962.

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. e. ed. Rio de Janeiro: Forense,1998

OHLING. Marcos. Lei natural e direito. A Crítica de Finnis ao Positivismo Jurídico. Instituto Federal de Educacção, Ciencia e Tecnologia Catarinense.

OLLERO, Andres. Direito Positivo e Direito Natural, ainda…- Professor Catedrático De Filosofia Do Direito Da Faculdade De Direito Da Universidade Rey Juan Carlos De Madri. Vol.02, nº1, Rio de Janeiro, 2006. Pg- 234-270.

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