Opinião

Cabe a reflexão: e se fosse o STF?

Autor

  • Paulo Brasil Menezes

    é juiz de Direito no Estado do Maranhão mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e pesquisador visitante no Centro de Investigación de Derecho Constitucional Peter Häberle da Universidade de Granada na Espanha.

1 de junho de 2020, 13h17

Os direitos fundamentais não são absolutos. Essa relatividade é atributo salutar, eis que, apesar da necessária rigidez em sua proteção, possui flexibilidade para acomodações e contingenciamentos na maneira como tutelá-los e conformá-los com a ordem constitucional. O Direito não pode ser petrificado, nem maleável ao ponto de ser exercido de maneira incondicional.

Nesse sentido, convém destacar o entendimento que o Tribunal Constitucional alemão tem dado ao tema sobre compressões de direitos fundamentais no âmbito da crise pandêmica deste século. Na Alemanha, a prática do isolamento social como medida restritiva de direitos não é facultativa, mas obrigatória, com sanções previstas na lei federal de prevenção e combate a doenças infectocontagiosas, a lei Infektionsschutzgesetz (IfSG).

Ocorre que a corte alemã, recentemente, após sucessivas decisões de instâncias inferiores proibindo uma manifestação de ativistas que aconteceria na cidade de Gießen, apreciou, mais precisamente no dia 15 de abril, a questão sob a alegação de violação do direito de reunião e manifestação e julgou procedente o pedido para autorizar a realização do evento, justificando que a manifestação, além de consagrar um direito fundamental à livre associação, não contrariava os regramentos infraconstitucionais, eis que os cuidados sanitários e de prevenção de contágio estavam sendo observados. A narrativa se refere ao caso BVerfG 1 BvR 828/20.

A questão precisa ser analisada com parcimônia. O contexto formador alemão, baseado em uma democracia de nível mais organizado, bem como inserido em estratosferas educacionais mais sólidas, é diferente do padrão brasileiro. Em solo germânico, pode existir a possibilidade de respeito à margem de distância entre os participantes de uma manifestação; a sociedade pode obedecer ao uso dos equipamentos de proteção individual sem maiores consequências; o povo pode saber se expressar.

Mas e no Brasil? Seria possível acreditarmos que a população iria respeitar todas essas circunstâncias em plena crise global? Importante lembrar que a palavra crise sempre esteve presente na história das civilizações. Geralmente, sua formação está atrelada ao eixo demarcatório de ciclos históricos da convivência humana. A crise, desse modo, costuma se encontrar no limiar de uma nova posição ou de um reposicionamento estratégico, habitua-se em significar a passagem de circunstâncias para diferentes perspectivas.

Pois bem. Resgatando a decisão do BVerfG sobre o referido paradoxo, cabe aqui mais uma reflexão. E se fosse o STF? Se o STF decidisse um caso parecido no mesmo sentido, seria possível assegurar o direito de reunião, mesmo em tempo de pandemia? A compressão do direito fundamental restaria justificada? A sociedade estaria criticando a postura da nossa corte?

As diferenças entre as conjunturas dos dois países autorizam argumentos múltiplos, mas o que se deseja evidenciar é que provavelmente o STF receberia muitas manifestações sociais negativas, que, aliás, têm sido constantes.

Esse é o ponto. O pânico moral que parece ter se alastrado no sentimento da sociedade, ao tempo que atrapalha a proteção dos direitos fundamentais, agrava a crise institucional. A corte é contramajoritária, o que não significa ser antidemocrática. A confiabilidade social não é o mesmo que exigir concordância com as suas decisões.

A aprovação popular não pode ser uma pauta de preocupações para o órgão judicial. Gostos e desgostos quanto a posicionamentos jurídicos dos seus membros não podem abalar nem retirar o grau de autoridade e segurança do STF enquanto instituição republicana. Isso quer dizer que o povo precisa ter credibilidade com os juízes constitucionais, sem, contudo, significar necessariamente aquiescência das suas decisões.

A organização de uma consciência ética nos destinatários das decisões constitucionais retrata que o imaginário popular e a sua respeitabilidade para com as instituições judiciárias atenuam apropriações morais na sociedade. O pânico moral merece ser abominado de um sistema constitucional de garantias de direitos. Trata-se, portanto, de uma consciência de baixo para cima, da coletividade interna para os juízes constitucionais.

É preciso zelar pela nossa corte, que, frise-se, acumula funções de órgão revisor de processos com funcionalidades típicas de um Tribunal Constitucional. Essa heterogenia processual em muito atrapalha os objetivos do constitucionalismo. Veja-se que constantes revoltas precederam sua existência, as quais travaram confrontos para restabelecer a ordem constitucional e tutelar direitos fundamentais.

A ética de baixo para cima relaciona-se com a ética de cuidado, de veneração e de respeito institucional por quem lhe representa e defende seus bens jurídicos fundamentais. Não se trata, por óbvio, de depositar na corte a missão paternalista extrema de solucionar tudo e resolver todas as questões, mas de assentar no tribunal a confiança de que a resposta jurídica será elaborada de acordo com os ditames constitucionais.

Afinal, o controle social exige, primeiro, que a sociedade cumpra o seu papel constitucional.

Autores

  • é juiz de Direito no Estado do Maranhão, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e pesquisador visitante no Centro de Investigación de Derecho Constitucional Peter Häberle, da Universidade de Granada, na Espanha.

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