MP no Debate

As mensagens políticas nas redes sociais e o Direito brasileiro

Autor

  • Ricardo Prado Pires de Campos

    é procurador de Justiça aposentado presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal. Foi promotor do júri por uma década tendo atuado no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.

1 de junho de 2020, 15h29

As redes sociais trouxeram dentre inúmeras novidades uma maior participação das pessoas na vida política da Nação. Em parte, o fenômeno é extremamente positivo, mas por outro lado tem gerado uma série de problemas.

Há quem diga que as redes sociais deram voz aos ignorantes (a frase é atribuída a Umberto Eco[1]), todavia, é preciso ressaltar que dar voz à população é positivo e a ignorância somente cessará com o aprendizado. Para aprender é preciso questionar e apresentar suas demandas. Sem voz, as pessoas jamais aprenderão, inclusive a participação na política.

Em nosso país, muitos, ainda, não aprenderam “as regras do jogo” num Estado Democrático de Direito. Parte da classe política e da classe jurídica dominam as regras, mas o restante da população não sabe o que pode e o que não pode fazer ou dizer.
A presença de faixas pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em manifestações com a presença do Presidente da República trouxeram ao debate a discussão sobre a possibilidade de impeachment do presidente.

 Afinal, o que é permitido e o que não é passível sequer de discussão no nosso país?

É preciso que as pessoas tenham em conta que a vida em sociedade se exerce dentro de determinados limites que são fixados pela legislação. Ninguém faz somente o que quer na vida. Há uma série de condutas que são proibidas, as mais graves são denominadas de crimes e recebem penas bastante significativas, exatamente porque visam desestimular esses comportamentos.

Portanto, na vida em sociedade, nós não temos liberdade absoluta para fazer tudo o que desejamos, podemos fazer tudo o que queremos desde que dentro da legalidade, desde que a conduta não seja proibida pelo Direito.

Também, não existe a liberdade de expressão sem limites. Há, sim, balizas dentro das quais podemos nos expressar, e outras que não são permitidas. Xingar outra pessoa não é permitido. A legislação entende isso como forma de agressão verbal, e considera crime de injúria (art.140 do Código Penal)[2] .

É possível pedir ou defender o fechamento do Congresso ou do STF? Não, não é possível. O Congresso Nacional, o Poder Judiciário, que inclui o Supremo Tribunal Federal e, também, a Presidência da República são instituições permanentes da República Federativa do Brasil previstos na Constituição Federal (art.2º)[3].

Pregar o fechamento ou obstar o funcionamento de qualquer dos Poderes implica em crime contra a Constituição, crime contra a Democracia[4], e estão previstos nos artigos 17 e 18 da Lei de Segurança Nacional[5].

A questão é tão séria que se o atentado partir de uma autoridade pública, ela pode perder o cargo por isso, através do processo de impeachment[6]. Daí, a alegação contra o Presidente da República. Aliás, no final de semana seguinte, instado pelas Forças Armadas, o Presidente somente compareceu à manifestação de seus apoiadores depois que as faixas antidemocráticas (pedindo fechamento do Congresso ou do STF) foram retiradas.

Nenhum cidadão pode pregar essa conduta, e muito menos o Presidente de República, pois, na posse, o presidente jura cumprir e respeitar à Constituição; e foi a Constituição quem instituiu esses Poderes e essas Instituições, as quais não são passiveis de extinção, nem de fechamento. Tentativas nesse sentido são consideradas condutas criminosas. E, também, sujeitam as autoridades a processo de impeachment.

A Constituição sequer admite Emenda à Constituição que tenha por objeto abolir a separação de poderes[7]

Bem, se o Congresso e o STF não podem ser fechados, como resolver os abusos e atos ilícitos praticados por seus membros? Membros do Parlamento, assim como Ministros do Supremo, tal qual o Presidente de República podem ser passíveis de processo de impeachment, além de processo criminal.

Portanto, se parte da população não gosta de determinado político ou determinado ministro, pois, acha que ele não cumpre suas obrigações, pode pedir ou buscar seu impeachment ou que ele seja investigado e processado por determinado crime.

Qual é a diferença entre pedir o fechamento do Congresso e o impeachment do Presidente da Câmara ou do Senado? Qual a diferença entre pedir o fechamento do STF e pedir o impeachment de um ministro do STF?

A diferença é que o impeachment (ou processo criminal) contra um parlamentar (deputado ou senador) ou ministro é um procedimento permitido legalmente e visa uma determinada pessoa. Visa apurar a responsabilidade de um determinado agente público. O fechamento dos órgãos de Poder não é um procedimento permitido
pela Constituição, ao contrário, a Constituição proíbe esse tipo de ação porque ela não é voltada contra uma pessoa, mas contra uma instituição do Estado. Em suma, a Constituição Federal foi a responsável por estabelecer como o Estado brasileiro iria funcionar e quais são seus órgãos e Poderes essenciais. A estrutura do Estado chamado Brasil não pode ser modificada. As instituições são permanentes; as pessoas são passageiras. Quanto aos agentes públicos, sim, a Constituição permite que eles sejam destituídos, cassados, que percam seus mandatos ou cargos e possam ser processados criminalmente, acaso se desviem de suas funções.

Assim, o impeachment pode ser solicitado pela população, de quaisquer agentes políticos (presidente, deputado, senador, ministro), mas fechamento ou extinção de órgão ou poder, não. É crime. As pessoas precisam ter mais cuidado com as faixas e as postagens em redes sociais.

Algumas ideias são extremamente perniciosas e por essa razão não podem ser toleradas. Discurso antidemocrático; discurso de ódio (racial e outros), discurso que pregue violência, dentre outros, não são permitidos. São ilegais e passíveis de punição pela legislação criminal[8].

Cumpre, também, registrar que embora seja possível pedir o impeachment de uma autoridade pública, não é permitido se referir a ela com xingamentos e discursos de ódio que possam levar a agressões. Isso não quer dizer que as pessoas não possam apontar as falhas do agente público, inclusive eventuais crimes que tenham cometido.

As pessoas podem apontar as violações praticadas por agentes públicos, mas precisam estar atentas para não incidirem nos crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria (artigos 138, 139 e 140 do Código Penal).

A imputação de um ato criminoso, por exemplo, corrupção; se verdadeiro, não há problema. Todavia, se não há certeza de que o fato seja verdadeiro, é preciso tomar cuidado. Encaminhar fake news pelas redes sociais pode configurar o crime de calúnia. Agora, se a pessoa tem conhecimento de um crime praticado por agente público e tem como provar esse fato, não só pode, como deve denunciar para que o fato seja apurado e o infrator punido.

Também, faltas funcionais de servidores e agentes públicos são passíveis de imputação, mesmo que não configurem crime, mas, igualmente, o fato desonroso tem de ser verdadeiro, caso contrário, configura difamação (artigo 139 do Código Penal).

É preciso tomar cuidado com acusações genéricas, onde não há fato determinado, como por exemplo dizer que o servidor é ladrão, corrupto, vagabundo e outros palavrões correntes. Nesse caso, não há imputação de fato certo e determinado que possa ser provado, há a catalogação, adjetivação da pessoa como alguém inservível, imprestável.

Ora, essa catalogação a Legislação não permite. O fato é comum no dia a dia. As pessoas têm o costume de se referir a outras de forma desonrosa ou com palavras de baixo calão.

Esse tipo de comportamento público, todavia, não é referendado
pelo Direito. A legislação impõe o respeito a todas as pessoas. A Constituição prevê o princípio da dignidade humana, e assegura a todos, inclusive aos presos o respeito a sua integridade física e psicológica. Portanto, xingamentos, palavrões, e adjetivos desonrosos não são permitidos no debate público de questões políticas. Isso,
todavia, não impede o cidadão de denunciar condutas improprias de agentes públicos seja por incompetência, seja por desonestidade; mas deve fazê-lo indicando fatos determinados, concretos e que possam ser passíveis de prova.

Vale conferir o que dizem os artigos 138, 139 e 140 do Código Penal e que tratam da calúnia, difamação e injúria.

Podem indagar: Então, não tenho liberdade de expressão? Tem, mas dentro de determinados limites.

Não posso criticar um político ou ministro de quem não gosto? Pode, mas deve respeitar a honra e a imagem dessa pessoa, salvo se você conhece algum fato determinado de desonra e que possa provar. Não basta alegar, o Direito exige provas ou forma de obter. Do contrário, o denunciante pode ser responsabilizado. Não foi por outra razão que Sérgio Moro foi chamado a apresentar provas de que o Presidente estava querendo interferir ilegalmente na Polícia Federal. Moro narrou fatos e esses fatos são passíveis de serem provados porque estão determinados. Essa é a forma correta de fazer uma “denúncia” contra agente público. Narre o fato e apresente as provas de que ele efetivamente ocorreu; do contrário, a pessoa corre o risco de ser processada por crime contra a honra do agente público.

Essas “denúncias” que, em verdade, são notícias de crimes servem para aperfeiçoar o sistema público e punir os corruptos, mas desde que sejam verdadeiras. Agora, xingamentos desonrosos de quem não tem provas, esses são proibidos e podem sujeitar o autor as penas da lei, mesmo que ele apenas compartilhe postagem de terceiros, pois, quem assim age concorre para o crime de outrem (art.29 do Código Penal), vira colaborador ou partícipe do criminoso, o que implica em conduta típica passível de punição.

Portanto, é preciso cuidado com o compartilhamento de mensagens políticas, especialmente aquelas que denotam ódio a alguém ou as Instituições. A pessoa pode estar colaborando com um crime e vir a ser punida.

Daí, a necessidade de conhecer as formas corretas de participar das manifestações políticas no país. A participação cívica é relevante, mas ela deve se dar de forma competente. Do contrário, não trará progresso, mas apenas promoverá a cizânia, a divulgação de fake news, contribuindo para a instabilidade do país. Isso além de não ajudar, atrapalha muito.

É bom para a Democracia que as pessoas participem da vida política do país, mas precisam aprender a colaborar dentro dos limites permitidos pela legislação, ajudando o Brasil a consolidar sua Democracia e seu Estado de Direito.

Não se pode esquecer: o Direito regula a vida social, inclusive nas redes sociais.


[1] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160220_frases_umberto_eco_rb

[2] Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

[3] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

[4] XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (art.5º da Constituição Federal)

[5] Art. 17 – Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.

Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.

Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Pena: reclusão, de 2 a 6 anos (Lei 7.170, de 1983).

[6] Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; (Lei 1079, de 1950).

[7] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais (art.60 da Constituição Federal).

[8] Art. 22 – Fazer, em público, propaganda:

I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;

III – de guerra;

IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: detenção, de 1 a 4 anos.

§ 1º – A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.

§ 2º – Sujeita-se à mesma pena quem distribui ou redistribui:

a) fundos destinados a realizar a propaganda de que trata este artigo;

b) ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda.

(Lei 7.170 de 1983, Lei de Segurança Nacional)

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