Opinião

Execução imediata da pena no tribunal do júri é inconstitucional e populista

Autor

  • Alberto Ribeiro Mariano Júnior

    é advogado criminalista professor universitário sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm e especialista em Direito do Estado pela UFBA.

1 de junho de 2020, 10h09

A Lei 13.964/2019, mais conhecida como Pacote Anticrime, trouxe inúmeras alterações ao Código Penal, leis extravagantes, bem como ao Código de Processo Penal. E uma das modificações no CPP foi a previsão legal de autorizar a imediata execução da pena para os crimes julgados pelo tribunal do júri quando a pena for igual ou maior que 15 anos de prisão, conforme previsto no artigo 492 do CPP.

Com todas as vênias, trata-se de mais uma previsão legal inconstitucional, populista, antidemocrática, simbólica, segregadora.

Inconstitucional, visto o artigo 5º, LVII, da CF estabelecer o princípio da presunção de inocência, de modo que a pessoa deve ser considerada inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ademais o plenário do STF rechaçou a execução da pena após confirmação em segundo grau, bem como o artigo 283 do CPP prevê que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.

Portanto, estabelecer o início da execução da pena apenas pelo fato de os jurados ter entendido pela condenação do réu viola completamente os princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.

O tribunal do júri é um julgamento feito pelo povo, no qual não é exigido aos jurados conhecimentos técnicos, as conclusões são imotivadas e muitas são totalmente contrárias à prova dos autos, além de o conselho de sentença ser formado apenas por sete jurados.

Da sentença do tribunal do júri cabe recurso, portanto é passível de reforma no sentido de ser reconhecida nulidade, decisão contrária à conclusão dos jurados ou à lei expressa, retificar a dosimetria da pena e quando a decisão dos jurados contrariar a prova dos autos. A depender do resultado do recurso será obrigatório realizar um novo julgamento, visto o princípio da soberania dos veredictos. Pontua-se que a soberania e a incomunicabilidade dos jurados tratam-se de princípios garantidores ao acusado porque mantêm a independência dos jurados.

Portanto, tal princípio não pode ser visualizado como algo supremo, irretocável, pois é plenamente possível o tribunal modificar a decisão dos jurados e determinar um novo julgamento consoante as previsões do artigo 593, §3º, do CPP. Logo determinar o início da execução da pena de imediato fere por completo o segundo grau de jurisdição também, pois esse indivíduo pode ser "jogado" nas mazelas do cárcere e depois ser absolvido em novo júri, o que é completamente injusto, desumano e desrespeitoso ao cidadão. Afinal, no cárcere o cidadão perde por completo toda a sua dignidade, diga-se de passagem, se conseguir sair vivo do estabelecimento prisional, pois no Brasil todas as prisões são ilegais, desumanas, degradantes e extremamente perigosas pelo fato de o Estado não dar segurança aos encarcerados. É um completo depósito humano!

Essa previsão contida no artigo 492, I, "'e", do CPP é mais uma previsão legal populista e simbólica, no qual o legislador tenta passar à sociedade que está tentando resolver o problema da violência. Contudo sabemos que o encarceramento não resolve a problemática da violência, é preciso a junção de diversos fatores para tentar diminuí-la. A exasperação da pena e o encarceramento têm o papel apenas do simbolismo penal, contudo não atacam a causa do problema. Além de ser segregadora pelo fato de os crimes contra a vida que são processados e julgados, na sua maioria, os acusados fazem parte da população menos favorecida.

Apenas pelo amor ao debate, cumpre ressaltar que no nosso ordenamento jurídico há crimes graves e que as penas são elevadíssimas, como roubo com resultado morte (artigo 157, §3º, II, do CP 20 a 30 anos e multa), extorsão mediante sequestro (artigo 159, §3º, do CP 24 a 30 anos), e tais crimes não admitem a exceção da prisão pena antecipada, o que fere por completo o princípio da isonomia. Ademais, a gravidade do crime por si só não fundamenta um decreto prisional provisório, quiçá de uma prisão pena.

Para concluir, registro que não sou a favor da impunidade, mas luto por um processo penal democrático e garantidor. No qual sejam respeitadas todas as garantias constitucionais ao acusado, inclusive a vedação à antecipação do cumprimento da pena.

 

Referências bibliográficas

LOPES Junior. Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 10º Ed, 2013.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Uma crítica à teoria geral do processo. Florianópolis: Empório do Direito, 1º ed, 2015.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2º edição, 2014.

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    é advogado criminalista, professor universitário, sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria, especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm e especialista em Direito do Estado pela UFBA.

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