Direito de presença é fundamental para todo e qualquer processo penal
31 de julho de 2020, 7h13
No último período, principalmente por conta deste terrível fenômeno global da Covid-19, as relações sociais sofreram drásticas transformações, de tal maneira que a regra passou a ser o mínimo contato, o isolamento social e a interação virtual. Diariamente, um grande número de pessoas se reúne para a realização das mais variadas conversas, tanto em âmbito pessoal e, sobretudo com o denominado home office, na esfera profissional.
É certo que no atual recorte histórico vive-se a era da informação, em que a velocidade e a troca de mensagens são marcas características desta geração que, parafraseando Ortega y Gasset, vaticinando o hoje, "viver no mundo tornou-se escandalosamente temporário", ou seja, os tempos modernos (Chaplin) apontam para a completa interação do indivíduo com a máquina, de tal modo que em muitas ocasiões ficará difícil de saber qual destes, especificamente, protagonizou a tomada de decisões e a resolução do conflito. Frise-se, a inteligência artificial já é fenômeno presente no cotidiano de muitos cidadãos, sobretudo daqueles que vivem em grandes centros urbanos.
A grande questão é o limite. O exercício da jurisdição penal é marcado pela demarcação de limites ao exercício do poder punitivo. Demais disso, em um regime democrático o controle penal somente pode ser concebido — e exercido — com rigoroso respeito às regras constitucionais, bem como dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é signatária. Isso significa dizer que tudo, absolutamente tudo aquilo que é decidido, seja na esfera civil, administrativa e, principalmente, penal necessita estar em harmonia com os documentos legais acima citados.
Com efeito, surge como preocupante a hiperutilização desses recursos virtuais na esfera penal, pois a efetiva presença do acusado é condição fundamental para o exercício pleno do contraditório/ampla defesa, perfazendo o devido processo. Chegou-se ao exagero de se imaginar a realização de sessões do tribunal popular (júri) com a utilização de recursos de videoconferência, em que testemunhas, réu preso e até mesmo partes — acusação e defesa — poderiam participar a distância, o que desnatura por completo a inteligência histórica e o sentido final de um julgamento por pares, em que a prova necessariamente precisa ser produzida "olho no olho" com o corpo de jurados.
Nesse sentido, tem-se como oportuna a recentíssima decisão da Corte Constitucional colombiana que, em apertada votação de 5 a 4, declarou inconstitucional um dos artigos do Decreto Presidencial nº 491, de março deste ano, ato este que autorizava o exercício de competências do poder público de forma virtual durante o período de pandemia. Sendo assim, entendeu a corte que a presença física é algo fundamental para o exercício de atividades estatais, única forma de atender aquilo que é trazido na Constituição do país vizinho.
Dessa forma, compreendendo que o exercício do Direito Penal é a última medida a ser adotada em um Estado de Direito, tendo em vista seu fortíssimo grau de incidência nos direitos fundamentais do cidadão. É perfeitamente plausível defender que o direito de presença é requisito de validade fundamental para todo e qualquer processo penal em curso no território nacional. Logo, entende-se que o mais correto seria a suspensão das atividades virtuais ou, no limite, deixar a decisão de participação e julgamento virtual a cargo exclusivo das partes do processo — acusação/defesa —, que nos limites de suas respectivas prerrogativas e estratégias processuais saberão tomar a melhor decisão. Tal ato seria mais um passo decisivo na construção de um processo penal verdadeiramente democrático e acusatório, cumprindo a Constituição. É o que se espera.
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