Caminho errado

TJ-RS extingue reclamação de site condenado por violar direitos autorais

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30 de julho de 2020, 7h48

A reclamação, em razão de sua natureza incidental e excepcional, serve para preservar a competência e a garantia dos julgados quando estes forem objetivamente violados. Logo, não poder ser utilizada como sucedâneo recursal para discutir o teor da decisão hostilizada.

Com base neste entendimento, a Câmara das Funções Delegadas dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, extinguiu reclamação manejada por dois sites de comércio eletrônico contra acórdão da 2ª Turma Recursal Cível que condenou um deles como co-responsável por violar direitos autorais. Os reclamantes sustentaram que o acórdão contrariou entendimento adotado no TJ-RS e no Superior Tribunal de Justiça em ações análogas

A decisão da Câmara atende ao disposto no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC) — "o juiz não resolverá o mérito quando verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo".

Sem atropelo à jurisprudência superior
O relator da reclamação, desembargador Ney Wiedemann Neto, pontuou que a via da reclamação não se presta à revisão das decisões das Turmas Recursais. Antes, se coaduna aos casos de violação de entendimentos sedimentados pelo STJ, solidificada em incidente de assunção de competência (IAC), incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), julgamento de recurso especial repetitivo ou enunciado de súmula do mesmo tribunal – o que não ocorre no caso dos autos.

"Não há neste caso qualquer ofensa a julgados qualificados de Tribunal Superior apta ao acolhimento do pedido vertido na presente reclamação, descabendo a reanálise das provas ou mesmo reconhecimento de eventual injustiça alegada na interpretação dada pela Turma Recursal, pois o entendimento do STJ é uníssono no sentido de que a reclamação não pode servir de sucedâneo recursal, devendo a ofensa ser objetiva", fulminou o desembargador-relator, em acórdão lavrado na sessão virtual de 15 de julho.

Violação de direitos autorais
O litígio teve início quando o engenheiro José Milton de Araújo, autor da coleção "Curso de Concreto Armado, Volumes I, II, III, IV", e do livro "Projeto Estrutural de Edifícios de Concreto Armado", viu suas obras sendo oferecidas à venda no formato PDF, sem sua autorização, na lojinha online do site Mercado Livre, que utiliza a Mercado Pago.Com como ferramenta de pagamentos do comércio eletrônico. Araújo e a Editora Dunas (Patrícia Peixoto de Araújo ME), que comercializa seus livros e softwares de Engenharia desde 1997, então, ajuizaram ação indenizatória por responsabilidade civil contra a Mercado Pago.Com.

Em face da violação dos direitos autorais e do prejuízo econômico, os autores pleitearam, em medida liminar, a retirada dos livros de José Milton de Araújo do site. E, no mérito, pediram o pagamento de danos morais e materiais, respectivamente no montante de R$ 6,9 mil e R$ 31,8 mil.

Na contestação, a Mercado Pago.Com alegou ilegitimidade passiva, sob o argumento de que é apenas a plataforma de gerenciamento de pagamentos, tanto do Mercado Livre como de outros sites. Referiu que é o usuário da plataforma, o vendedor, quem estabelece o produto a ser comercializado, os termos da oferta e todo o conteúdo do anúncio.

Também notificado pela Justiça gaúcha, o Mercado Livre não negou a venda dos itens em PDF. Argumentou, entretanto, que não possui responsabilidade sobre o que os seus usuários publicam, por ser mero fornecedor de espaço virtual para anúncios de produtos & serviços. Disse que retira o anúncio do ar assim que recebe a reclamação.

Sentença parcialmente procedente
Na Vara dos Juizados Especiais Cíveis (JEC) da Comarca de Rio Grande (RS), a juíza leiga Márcia Mota Clasen entendeu que a parte ré aufere lucros com as negociações e integra a cadeia de fornecedores. Logo, por ter viabilizado a colocação dos produtos no mercado, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória.

No mérito, a julgadora opinou pela parcial procedência da ação, que os autores tiveram prejuízos financeiros com a venda de seus exemplares no site do Mercado Livre por ‘‘terceiros desautorizados’’. Ela advertiu que a ré, por buscar lucro, deve se responsabilizar pelos riscos do seu negócio, criando mecanismos que não permitam a repetição da situação exposta nos autos.

Quanto ao pedido danos materiais, sustentou que a ré não impugnou o valor posto na inicial. Por isso, considerando os valores apresentados nos anúncios trazidos aos autos, entendeu que a quantia pleiteada reflete a perda patrimonial sofrida. ‘‘Por outro lado, quando ao pedido de indenização por danos morais, embora se reconheça tenha havido falha da parte ré, o mero transtorno e perturbação de ânimo, ocasionados, não possui, por si só, o condão de ensejar a indenização por abalo moral’’, escreveu na sentença.

Vitória confirmada na Turma Recursal
Derrotada, a Mercado Pago.Com interpôs recurso inominado na 2ª Turma Recursal Cível — o "segundo grau" dos JECs no RS, para reverter a desfecho do caso. O colegiado entendeu que a plataforma de pagamento de site que viola direitos autorais, por ser co-responsável pela operação de vendas, responde na seara da responsabilidade civil. Logo, como causou danos ao autor intelectual da obra, fica na obrigação de indenizá-lo, como prevê o artigo 927 do Código Civil.

Para a maioria dos integrantes da Turma, ficou patente que a conduta da ré, assim como o site Mercado Livre, violou o inciso XXVII do artigo 5º da Constituição e o inciso I do artigo 7º da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.610/98). O colegiado só diminuiu o valor da reparação material, que caiu de R$ 31,8 mil para R$ 4,7 mil, porque o juízo de origem apenas referendou o valor pedido pelos autores na petição inicial.

Dever de fiscalização
A relatora do recurso inominado, juíza Ana Cláudia Cachapuz Raabe, que fez prevalecer o seu entendimento, disse que a ré tinha o dever de fiscalizar os anúncios de produtos disponibilizados para a venda no site. "A sua co-responsabilidade no caso em comento é indiscutível, por ter permitido a veiculação em sua plataforma de vendas de anúncios que violavam a Lei de Direitos Autorais", escreveu no voto.

A julgadora observou que o próprio site de vendas, ao responder aos autores na via administrativa, reconheceu a violação dos direitos intelectuais, providenciando a exclusão do anunciante. "Contudo, após tal data, mais precisamente em 02/09/2018, o anúncio dos livros em PDF voltou a ser feito sem que o demandado tomasse as providências que lhe competiam, chamando para si a responsabilidade pelos danos que o autor busca ressarcimento na presente demanda", complementou.

Indenização reduzida
A relatora do recurso manteve a sentença no mérito, mas redimensionou o quantum da reparação material, já que a o juízo local apurou valor acima do efetivo prejuízo suportado pelos autores. Para Ana Cláudia, presumindo o efetivo interesse na compra dos exemplares físicos, já que de fato foram vendidas 104 obras no formato PDF, tem-se que o prejuízo material dos autores foi o lucro que deixaram de auferir com a venda desses 104 livros.

Nessa linha, explicou que a apuração do dano material não pode partir do valor integral do livro multiplicado pelo número de exemplares vendidos, porque não foi esse o prejuízo efetivo. É que, pela lógica, os autores não auferem lucro com o valor integral da obra, pois embolsam apenas 10% do valor de capa.

"Destarte, o lucro na venda de cada unidade seria de R$ 45,89, o qual, multiplicado pelo número de unidades vendidas através do Mercado Livre (104), chega-se no valor de R$ 4.772,56, sendo este o dano material efetivamente sofrido pelos autores", concluiu no voto.

Reclamação ao TJ-RS
Novamente derrotada, a ré não se deu por vencida. Junto com a Mercado Livre, entrou com reclamação na Câmara da Função Delegada dos Tribunais Superiores do TJ-RS, criada para dirimir divergências entre acórdãos prolatados pelas Turmas Recursais estaduais e a jurisprudência do STJ, a fim de garantir a observância dos precedentes.

Em razões, as reclamantes sustentaram que a decisão afronta precedentes do STJ e do TJ-RS, que reconhecem o descabimento da obrigação dos provedores de aplicações de internet de monitorar e fiscalizar conteúdos gerados pelos usuários de plataformas.

Afirmaram que a Turma Recursal deu interpretação diversa ao artigo 19 do Marco Civil da Internet ao impor ao Mercado Livre obrigação de fazer e de pagamento de indenização. Requereu a procedência da reclamação.

Clique aqui para ler a sentença do JEC
Clique aqui para ler o acórdão da 2ª Turma Recursal
Clique aqui para ler o acórdão que barrou a reclamação no TJ-RS
9003155-94.2018.8.21.0023 (Comarca de Rio Grande)

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