Prática trabalhista

TR x IPCA-E: Alternativas ao sobrestamento das ações trabalhistas

Autores

  • Felipe Camargo de Araújo

    é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito. Membro do grupo de estudos de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados de São Paulo. Advogado com atuação em Direito do Trabalho e Direito Imigratório.

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

30 de julho de 2020, 8h00

Em decisão liminar editada em 27 de junho, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu suspender o julgamento de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvessem a aplicação dos artigos 879, §7º e 899, §4º, ambos da CLT, os quais estipulam a TR (Taxa Referencial) como índice de correção monetária a ser adotado em débitos trabalhistas.

ConJur
Esta liminar, proferida em sede da Ação Direta de Constitucionalidade nº 58, veio à tona exatamente dez dias após o Tribunal Superior do Trabalho (TST) formar maioria a fim de invalidar a TR como índice de correção de débitos trabalhistas1. Naquela ocasião, a maioria dos ministros do TST decidiu pela inconstitucionalidade da TR, por afronta ao direito à propriedade, uma vez que não teria o condão de atualizar débitos trabalhistas de maneira satisfatória. Desta forma, entendeu a Corte Superior Trabalhista pelo arrastamento do entendimento do E. STF de que, sendo o IPCA-E o índice de correção monetária mais apropriado para precatórios, igual raciocínio deve valer para a correção de débitos trabalhistas, frisando-se sua natureza alimentar.

A decisão do ministro Gilmar Mendes surpreendeu a todos os operadores do Direito do Trabalho, os quais se viram perplexos com a possibilidade iminente de paralisação de milhares de reclamações trabalhistas, tendo em vista que aproximadamente 90% delas versam sobre índice de correção monetária.

A expectativa de todos era pelo julgamento do Pleno do TST sobre a adoção do IPCA-E como índice de correção de débitos trabalhistas, que ocorreria em 29/6/2020. O Tribunal, no entanto, retirou a discussão de pauta em decorrência da liminar do ministro Gilmar Mendes até ulterior decisão do Pleno do STF sobre a temática, não obstante a maioria em favor da adoção do IPCA-E já estivesse formada2.

Em vista da celeuma jurídica ocasionada pela decisão liminar, a Procuradoria Geral da República moveu Ação Cautelar em Agravo Regimental a fim de obter esclarecimentos acerca da decisão monocrática editada. E, ato seguinte, no dia 1/7/2020, o ministro Gilmar Mendes prestou esclarecimentos, trazendo, porém, mais dúvidas acerca da problemática.

Em suma, o ministro manteve os termos de sua decisão, esclarecendo que, apesar de seu teor, a liminar “não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção”3.

Para alguns juristas, o ministro Gilmar Mendes “revogou a liminar sem dizer que a revogou”4. Esta interpretação, no entanto, pode não ser a mais correta, afinal, os termos da liminar anterior foram mantidos e ali constou, expressamente, o sobrestamento de todas as ações trabalhistas que versem sobre índice de correção monetária.

Para a ANAMATRA, as decisões foram contraditórias, pois, a despeito da liminar ter sido mantida, o ministro esclareceu que as ações poderiam ter curso normal. A presidente da ANAMATRA, Noemia Porto, assim bem ponderou: “Como os juízes vão dar andamento a processos se, em liminar monocrática em ação declaratória, o ministro suspende os processos e, respondendo ao recurso da PGR, conclui que mantém a própria decisão? Inviável isso”5.

O que nos parece é que as decisões dão ampla margem de interpretação — e de liberdade — aos juízes. Os magistrados que preferirem suspender a reclamação trabalhista até ulterior decisão do Pleno do TST podem fundamentar suas decisões na liminar do dia 27/6/2020. Por sua vez, os magistrados que preferirem dar andamento aos processos — inclusive a atos executórios e constrição de patrimônio — poderão se valer dos esclarecimentos prestados pelo ministro Gilmar Mendes à Medida Cautelar movida pela PGR.

Desta forma, uma decisão liminar que visava minimizar o ambiente de insegurança jurídica existente em virtude das dúvidas sobre o correto índice de correção monetária de débitos trabalhistas acabou por trazer ainda mais insegurança, diante de duas decisões aparentemente paradoxais.

O resultado prático deste arcabouço, aos poucos, começa a aparecer.

A seguir um despacho que determinou o sobrestamento total do feito6:

Por meio da peça de ID 3d9c45a, a parte reclamante requer a retificação dos cálculos atualizados, para que a eles seja aplicado o índice de correção IPCA-E.

Decisão monocrática proferida em 27/06/2020 pelo Exmo. Min. Gilmar Mendes nos autos da ADC 58 (disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5526245) deferiu a liminar requerida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF e determinou, ad referendum do Pleno da Suprema Corte, a suspensão do julgamento todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos arts. 879, §7, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91.

Impõe-se, desta forma, o imediato sobrestamento do presente feito até que sobrevenha a decisão sobre a matéria.

Proferida a decisão pelo Excelso STF, façam-me conclusos para julgamento dos incidentes opostos (embargos à execução e impugnação à sentença de liquidação).

Intimem-se.

BELO HORIZONTE/MG, 30 de junho de 2020.

Em que pese decisão acima tenha sido proferida no dia 30/6/2020, não houve sua ulterior revisão de sobrestamento em virtude dos esclarecimentos prestados pelo ministro Gilmar Mendes, o que denota um posicionamento deste(a) magistrado(a) pelo efetivo e total sobrestamento do feito até posicionamento definitivo do Pleno do STF.

Em outra decisão7, desta vez posterior aos esclarecimentos do ministro Gilmar Mendes à PGR, o(a) magistrado(a) lançou mão de expediente bastante interessante:

(…) No despacho anterior houve a determinação para que o cálculo fosse atualizado pelo IPCA-E.

Entretanto, fato superveniente nos força a rever a decisão.

O Ministro Gilmar Mendes do STF, relator das medidas Cautelares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 58 e 59, em decisão recente de 27/06/2020, determinou a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho, que envolvam a discussão sobre o índice de atualização monetária IPCA ou TR (art. 879, §7º da CLT e art. 899, §4º da CLT).

Em decisão mais recente (ADC 59 MC-AGR/DF) de 01/07/2020, em que julgou o pedido de medida cautelar no Agravo Regimental, o Ministro assim esclareceu, no trecho que aqui transcrevo: “Para que não paire dúvidas sobre a extensão dos efeitos da decisão recorrida, esclareço mais uma vez que a suspensão nacional determinada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial, no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção.”

A presente execução envolve dois pontos importantes. Primeiro, o fato de tratar-se de execução provisória, portanto ainda não houve trânsito em julgado do título executivo. Segundo, a controvérsia com relação ao índice de atualização monetária.

Diante deste cenário e tendo em vista as decisões mencionadas, do Ministro Gilmar Mendes do STF, determino que o laudo seja refeito, aplicando-se a TR por corresponder ao índice de menor valor, o que tornaria os valores apurados incontroversos.

Qualquer outra discussão sobre o índice de correção encontra-se suspensa nos termos da decisão ADC 59 MC/DF até o pronunciamento final do STF.

Encaminhem-se os autos ao Sr. perito para que refaça o cálculo aplicando-se a TR como índice de atualização monetária.

Intimem-se as partes.

SAO PAULO/SP, 14 de julho de 2020.

De fato, bastante interessante a maneira como o(a) magistrado(a) resolveu a celeuma jurídica causada pelas decisões do ministro Gilmar Mendes. Em resumo, foi determinado que os cálculos devem ser realizados considerando a TR – menos gravosa ao devedor – considerando-os incontroversos, de forma que tão somente a decisão acerca de eventuais diferenças decorrentes da adoção do IPCA-E permanecerá sobrestada.

Ao nosso ver, trata-se de efetivo expediente de maneira a distribuir justiça, não maculando a parte reclamante com longa espera para ver seu crédito satisfeito, tampouco onerando a parte reclamada com a constrição de quantum debeatur acima do incontroverso.

Em vista das decisões editadas pelo ministro Gilmar Mendes, cujo resultado prático foi conferir ampla liberdade e, por conseguinte, maior insegurança jurídica aos operadores do Direito do Trabalho, especialmente aos magistrados, sobre como conduzir reclamações trabalhistas que versem sobre o índice de correção monetária aplicável a débitos trabalhistas, os cenários práticos que se vislumbram são os seguintes:

  1. Caso não haja discussão sobre índice de correção monetária na reclamação trabalhista, o juiz de 1º grau poderá fixar o índice de correção monetária “nos termos da lei”, ou ainda determinar que o índice de correção monetária seja fixado em fase de cumprimento de sentença, em conformidade com a Súmula nº 211 do TST;

  2. Caso a discussão da matéria se encontre em segunda instância, pendente o julgamento, é possível oferecer às partes a possibilidade de desistência da matéria recursal no tocante ao índice de correção monetária, evitando-se, desta forma, o sobrestamento do processo;

  3. Não se vislumbra, outrossim, a possibilidade de sentença parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do CPC, ante à impossibilidade de fracionamento da decisão no sistema PJE;

  4. Não se vislumbra a possibilidade de o juiz ou o Tribunal fazerem ressalvas em seus comandos judiciais quanto à posterior substituição do índice de correção monetária, tendo em vista que a fixação de referido índice faz coisa julgada após o trânsito em julgado da decisão, não sendo possível alterações a posteriori;

  5. Finalmente, o(a) magistrado poderá adotar a TR a fim de se fixar um valor incontroverso, satisfazendo parcialmente o crédito da parte reclamante e não onerando em demasia a parte reclamada, sobrestando-se tão somente a ação quanto às diferenças em caso de se considerar o IPCA-E, evitando que se faça coisa julgada quanto ao índice aplicável.

A par de todo o exposto, é certo que o caminho à segurança jurídica quanto ao índice de correção monetária aos débitos trabalhistas deve chegar aparentemente ao fim, pois há notícia de que o Presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli, pautou para o próximo dia 12/8 o julgamento das ações objetivas que versem sobre o tema TRD x IPCA-E.


1 Processo 0024059-68.2017.5.24.0000.

2 https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/06/29/tst-retira-de-pauta-processo-sobre-correo-de-dvidas-trabalhistas.ghtml

3 https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/decisao-gilmar-mendes-justica-trabalho-1.pdf

4 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/decisoes-de-gilmar-podem-represar-ate-r-1-bi-por-mes-em-pagamentos-de-acoes-trabalhistas.shtml

5 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/decisoes-de-gilmar-podem-represar-ate-r-1-bi-por-mes-em-pagamentos-de-acoes-trabalhistas.shtml

6 Processo n. 0001454-76.2014.5.03.0111 – disponível para consulta pública em https://pje-consulta.trt3.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/00014547620145030111

7 Processo nº 1000556-47.2018.5.02.0042 – disponível para consulta pública em https://pje.trt2.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/10005564720185020042

Autores

  • é advogado formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, atuante nas áreas de Direito do Trabalho e Direito de Imigração, especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito e pós graduando em Direito Previdenciário pela mesma instituição.

  • é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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