Meu planeta, adeus

Só último habitante da terra poderá andar sem máscara, diz juiz ao negar pedido

Autor

29 de julho de 2020, 7h48

No momento em que o mundo passa por uma pandemia, a máscara deixa de ser um equipamento de proteção individual (embora também o seja), se tornando, primordialmente, um item de proteção coletiva. Isso porque o utensílio não resguarda apenas as pessoas que o utilizam, mas todos os indivíduos mortais e frágeis que podem ser contaminados.

Reprodução
Trecho do filme The Last Man on Earth
Reprodução

O entendimento é do juiz Pedro Aujor Furtado Junior, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Criciúma (SC). O magistrado negou a morador o direito de andar sem máscaras em locais públicos. A decisão, em caráter liminar, foi proferida no último dia 24. 

"Fosse o impetrante o último e único indivíduo morador de Criciúma (ou afinal o último habitante do planeta terra, uma vez que se cuida de pandemia e como o próprio nome sugere trata-se de uma epidemia global) não haveria o menor problema para que o mesmo circulasse livremente sem máscara e ficasse exposto à Covid-19 (ou a qualquer outra moléstia legal transmissível) por sua livre e espontânea vontade, uma vez que não transmitiria seus males para quem quer que seja. Mas não é esta a realidade", afirma o juiz. 

De acordo com a decisão, o autor, como todas as outras pessoas, só é imune ao vírus quando assim a ciência disser. Enquanto isso não acontecer, ele deve utilizar máscara, por uma questão de ética coletiva e para proteger sua família, vizinhos, amigos e todos com quem cruzar.

"Por fim, o impetrante requereu a gratuidade judiciária. Presumo que não disponha de condições financeiras para suportar custas e despesas processuais. Se assim o é (e não tenho motivo para desmenti-lo), é razoável imaginar que se acaso restar contaminado pelo temido coronavírus ficará submetido aos tratamentos do SUS e às limitações naturais de um sistema de saúde pública de um país do terceiro mundo (e isto que SC é modelo nacional e Criciúma presta um excelente serviço na medida do possível)", prossegue o magistrado.

"Se for necessário tratamento na rede pública de saúde", concluiu a decisão, "deverá [o autor] contar com a sorte de ter respiradores e entubadores capazes de lhe manter a vida; poderá ainda lançar seu destino em remédios experimentais como a cloroquina e ficar ou não curado, eficácia que a ciência não comprovou". "Se curado (o que se deseja), poderá ter sequelas que lhe imporão limitações funcionais de toda sorte, havendo mesmo relatos da necessidade de transplantes pulmonares simples e duplos em indivíduos igualmente jovens."

"Ilegalidade"
No pedido, a defesa do autor contesta o Decreto Municipal 815/20, que fixa multa no valor mínimo de R$ 1.971,70 para quem deixar de usar máscara em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias e em transportes públicos. A medida, em curso na cidade, diz o reclamante, é ilegal e inconstitucional. 

"Não existe qualquer previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro que determine o uso de máscaras de forma obrigatória sob pena de multa aos que circulam pelas ruas das cidades sem a 'focinheira'. Tampouco não há qualquer previsão legal para tal lei orgânica do município de Criciúma, e sequer existe discussão legislativa na Câmara Municipal."

De acordo com a decisão, entretanto, há, além do decreto municipal, normas federais e municipais que privilegiam a saúde pública. A própria Constituição, em seu artigo 196, diz o juiz, define a saúde como direito de todos e dever do Estado. 

"Não há qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no
exercício do poder de polícia por parte do gestor e a imposição de multa
obedece a todo um cabedal de normas destinadas a este momento
trágico da história humana", diz o magistrado. 

Pirâmide de Kelsen
O autor do processo não gostou muito da decisão. Ele disse, em uma rede social, que o texto do magistrado parece uma redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e que a imprensa omitiu a boa fundamentação jurídica exposta na petição. 

"Me parece que o juiz de primeiro grau inverteu a hierarquia das normas, inovando a Pirâmide de Kelsen. Enterrou a Constituição Federal e as Leis Federais na base da Pirâmide de Kelsen e elevou ao topo as vozes de sua cabeça, ecoadas pela narrativa da OMS e da grande mídia corporativista", disse o reclamante. 

Ele contou que "cabe recurso", mas que não sabe se irá protestar, "pois está claro que o Estado Democrático de Direito já não tem mais lugar nas instituições brasileiras que a cada dia perdem a autoridade sob a ótica popular".

Clique aqui para ler a decisão
5012341-69.2020.8.24.0020

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!