Opinião

Em 2020, a opção pela democracia

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  • Luiz Edson Fachin

    é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) alma mater UFPR (Universidade Federal do Paraná) e professor do programa de pós-graduação do Ceub (Centro Universitário de Brasília).

29 de julho de 2020, 10h15

Eleições periódicas fazem parte da saúde constitucional de uma sociedade democrática. Consistem em antídoto para o descontentamento com agentes públicos, a desinformação e disseminação do ódio, e para o aumento da percepção da corrupção.

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O olhar se volta para as eleições 2020. Vêm à tona temas desafiadores como o cuidado na pandemia, o racismo estrutural, a exclusão social e econômica, e também a corrupção.

A corrupção é renitente, afirmaram Lilia Schwarcz e Heloisa Starling em sua biografia do Brasil. As historiadoras registram que nas últimas décadas o país avançou em questões decisivas, nada obstante a corrupção não foi (e não é) ocorrência marginal. Não é de ontem que essa forma de governar se metamorfoseou desde as fissuras do concerto político e econômico de 1988.

Essa resistência poderia ser o que Raymundo Faoro, embora se referindo ao período D. João I a Getúlio Vargas, denominou, na obra sobre os donos do poder, de viagem redonda, curso histórico de um sistema de forças políticas sobre a sociedade que aparentemente muda e se renova para continuar estamento impenetrável às mudanças.

No Brasil mais recente, atos contra bens jurídicos de interesse público e a Petrobras desvelaram múltiplos delitos, como corrupção, lavagem de dinheiro, e quadrilha. No STF, nos últimos quatro anos, mais de uma centena de inquéritos foram abertos e desse total: 37 estão em andamento em nosso gabinete; 31 foram arquivados; 38 declinados a outras instâncias; 67 redistribuídos a outros ministros no STF, tratando de matéria não diretamente conexa à Petrobras. Além disso, nove denúncias foram recebidas e sete, rejeitadas. Há nove ações penais instauradas, sendo até agora quatro julgadas pela 2ª Turma no quadriênio.

Os números (cujo relatório inteiro foi publicado no sítio eletrônico do STF) desenham o que se completa trazendo à esfera pública em geral os desvios praticados aqui e alhures por agentes da ordem econômica e financeira privada. Na América do Norte, podem ser vistas as feridas abertas pela corrupção no sistema financeiro dos Estados Unidos em 2008. O Estado e determinados agentes do mercado não são entes sem sombra, invisíveis. Cá e lá, os acordos de colaboração premiada são negócios jurídicos entre o Estado e criminosos confessos, revelando corruptos e corruptores.

Será que a viagem redonda a que aludia Faoro fez, entre nós, nos vãos do tempo de 1988 a esta quadra, a lição de Giuseppe di Lampedusa segundo a qual para "que tudo continue como está, é preciso que tudo mude"? Essas três últimas décadas teriam aniquilado esperanças constituídas em 1988 de uma sociedade livre, justa e solidária, apta a garantir o desenvolvimento, a erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades, e a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação? A resposta da indiferença é a pior escolha, é o triunfo da apatia adornado de tanto faz.

Contra essa desesperança somente se pode desenvolver vacina dentro das escolhas democráticas, porquanto é na Constituição do Estado de Direito em 1988 que se deve redescobrir a sobrevivência da sociedade hospedeira. As eleições periódicas são redenção contínua da democracia.

É imperioso, portanto, que as instituições produzam confiança para enfrentar as enfermidades da democracia dentro do Estado democrático de Direito. Isso vale também para a corrupção. Para tanto, é legítimo saber das práticas e dos procedimentos judiciais, se a prestação jurisdicional é bem administrada, se há suficiente oferta de informações sobre a justiça, se as decisões são corretas diante da lei, mantendo pronunciamentos coerentes, estáveis e seguros, preservando a Constituição e suas normas.

É fundamental proteger e escrutinar as instituições democráticas. É na opção democrática (utilizando expressão das professoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling) que, nos termos das autoras citadas, uma República se faz e, quando necessário, se refaz. Existe uma única via e somente uma: a democracia.

A democracia é caminho com luzes e sombras, ruidosa como canteiro de obras. É nela que o país poderá redimir o que se constituiu em 88. Daí a importância de participar da política e engajar-se na vida pública, sem deixar abater-se pela indiferença.

As próximas eleições abrem as portas para um passo importante da cultura democrática. É a democracia que pode frear a viagem redonda da corrupção. A esperança está no seu voto.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo.

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