Opinião

Na Covid-19, empresas não podem usar fato do príncipe ao dispensar empregado

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29 de julho de 2020, 6h03

Em março do presente ano, o presidente da República disse, em uma entrevista, que "tem um artigo na CLT que diz que todo empresário ou comerciante etc. que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito, tá ok?". Essa fala, muito comentada à época, fazia referência ao artigo 486 da CLT, que dispõe que a indenização pelo fim dos contratos de trabalho dos empregados de uma empresa deve ser paga pelo governo que impossibilitou a continuidade da atividade empresarial.

Em breve síntese, quando um ato do governo impossibilita a atividade de uma empresa, ocorre o denominado fato do príncipe. Na seara trabalhista, o fato do príncipe está abarcado no já mencionado artigo 486 da CLT, que determina que a indenização decorrente do término dos contratos de trabalho dos empregados é de responsabilidade do governo responsável pela paralisação das atividades empresariais.

Isso significa que, nesta hipótese, a multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) devida aos empregados dispensados sem justa causa que tenham firmado com a empregadora um contrato por tempo indeterminado, prevista no artigo 18, parágrafo 1º, da Lei nº 8.036/1990, deve ser paga pelo governo causador da interrupção das atividades da empresa.

Além disso, caso o contrato de trabalho do empregado tenha sido firmado por tempo determinado e a rescisão ocorra de forma antecipada, a indenização prevista no artigo 479 da CLT correspondente à metade da remuneração a que o funcionário teria direito até o término do contrato, também deve ser paga pelo governo que causou a paralisação das atividades empresariais. Nesse ponto, é importante destacar que, na eventualidade de o contrato de trabalho contiver uma cláusula asseguratória do direito recíproco de rescisão antes do fim do prazo, aplicam-se os princípios que regem a rescisão dos contratos por prazo indeterminado, como disposto no artigo 481 da CLT. Isso significa que se aplica a multa de 40% do FGTS caso o empregado seja dispensado imotivadamente, que também deverá ser adimplida pelo governo que deu causa ao fechamento da empresa.

Em resumo, a aplicação do fato do príncipe no Direito do Trabalho ocorre quando um ato do governo impossibilita a continuidade das atividades de uma empresa, de modo que ela seja levada a dispensar os seus empregados. Nesse caso, o governo responde pelo pagamento da indenização de 40% do FGTS relativa aos contratos por prazo indeterminado e aos contratos por prazo determinado que tenham a cláusula asseguratória. Além disso, o governo também é responsável pelo adimplemento da indenização dos contratos por prazo determinado que não tenham a cláusula asseguratória.

Assim, com o advento da pandemia da Covid-19, diversas empresas foram compelidas, por atos de governos municipais e/ou estaduais, a interromperem, integral ou parcialmente, as suas atividades. Com isso, principalmente após a fala do presidente da República, foi levantada a discussão sobre a responsabilidade dos referidos governos pelo pagamento das indenizações dos empregados que foram dispensados por empresas que paralisaram as atividades.

Entretanto, com a publicação da Lei nº 14.020/2020, que converteu em lei a Medida Provisória nº 936, encerram-se as discussões sobre esse tema, pelo menos em relação às empresas que encerraram as atividades após a publicação da norma, no último dia 7. Isso porque o artigo 29 do diploma legal é claro ao dispor que não se aplica o disposto no artigo 486 da CLT na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento da pandemia.

Dessa forma, não se aplica o fato do príncipe às empresas que tiveram as suas atividades suspensas na pandemia em virtude de determinação governamental, motivo pelo qual, na hipótese de dispensa de funcionários, a empregadora será a única responsável pelo pagamento das verbas rescisórias e das indenizações, incluindo a multa de 40% do FGTS, devidas aos empregados.

Portanto, ainda que um estabelecimento tenha sido fechado por determinação do governo federal, estatal ou municipal, em virtude da pandemia, a empresa deve arcar com todas as verbas rescisórias dos seus empregados que tenham sido dispensados. Assim, não há nenhuma responsabilidade dos governos pelo pagamento dessas verbas.

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