Opinião

Inteligência artificial: as superficialidades dos PLs 5051/19 e 5691/19

Autor

  • Luis Fernando Diedrich

    é advogado especialista em Direito Tributário inclusive Digital Mercado Financeiro e de Capitais Fashion Law e pós-graduando em propriedade intelectual e novos negócios na FGV e economista da DIEDRICH Sociedade de Advogados.

29 de julho de 2020, 7h12

Causa-nos certa estranheza como o Parlamento brasileiro trata de alguns assuntos latentes e de extrema importância de forma tão rasa e sem o devido cuidado legislativo e prático que as matérias requerem, sendo um destes casos a chamada inteligência artificial.

Confesso que fiquei surpreso e abismado quando me detive com mais cautela no PL 5051/19, que em tese "estabelece os princípios para o uso da inteligência artificial no Brasil", e o PL 5691/19, que institui a Política Nacional de Inteligência Artificial, ambos da mesma relatoria no senador Styvenson Valentim.

Antes de adentrarmos nesses PLs, que, na minha concepção, são demasiadamente sucintos e simplórios, vamos buscar entender em poucas palavras o que seria a denominada inteligência artificial: "Trata-se de um ramo de pesquisa da Ciência da Computação que se ocupa em desenvolver mecanismos e dispositivos tecnológicos que possam simular o raciocínio humano, ou ainda, um conjunto que forma todas as características intelectuais de um indivíduo, ou seja, a faculdade de conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar".

De plano percebemos com o mínimo de conhecimento sobre o assunto, mesmo sendo superficial na matéria em questão que as discussões acerca da inteligência artificial adentram em vários ramos do conhecimento, desde ciências exatas e humanas, porquanto é certo que o desenvolvimento dessa tecnologia depende da manifestação técnica humana, por certo que a mesma é produzida com base em algoritmos criados por indivíduos dotados de inteligência natural, lógica, raciocínio, entendimento, capacidade de reflexão, emoções, sentimentos, compaixão, entre outras, inertes ao próprio ser humano, e, na minha singela opinião, ao menos no momento que escrevo este artigo, praticamente impossíveis de serem reproduzidos em um ambiente digital, extra humano.

Em países mais avançados, essa questão está em patamares mais evoluídos do que na nossa seara "tupiniquim", pois os órgãos responsáveis pelo assunto, desde muitos anos atrás, têm dado especial atenção ao tema, que cresce em velocidade exponencial, pois essa é atualmente a celeridade com que o mundo digital se coloca a nossa frente em todas as questões que lhe são compatíveis, inclusive a inteligência artificial, contudo, ainda não se sabe como e quais os limites que o homem será capaz de criar e desenvolver esta tecnologia, cujas discussões são profundas e acaloradas.

Após essa perfunctória introdução, os PL 5051/19 e PL 5691/19, pouco ou nada acrescentam ao tema em questão, cujas redações são extremamente simplórias — cada PL contém sete artigos superficiais, inclusive com idêntica duplicidade de redação em ambos que, tal qual a justificação de cada um deles, friso, no meu singelo entendimento particular, mais gera confusão pela sua superficialidade e confusões com a Lei de Direito Autorial (9610/1998) e com a LGPD — Lei Geral de Proteção de Dados (13709/2018), além do que tais projetos de lei parecem compilações e reproduções dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal e responsabilidade civil mesclados com um emaranhado de colocações e supostas garantias que não esboçam o sentido assentado desta tecnologia e seus impactos à sociedade e seus entes, de tal sorte que carece de mínimos padrões técnicos para fins de elaboração de normas e efetivo alcance legislativo.

Exemplificativamente, vejam no PL 5051/2019, em seu artigo 4º, §2º, que  "a responsabilidade civil por danos decorrentes da utilização de sistemas de Inteligência Artificial será de seu supervisor". Vejam em uma frase a quantidade de interpretações rasteiras e duvidosas que podem ocorrer, dentro da própria norma e/ou em conjunto com as demais que de uma forma ou outra influenciarão na questão. Nesse item em particular, a lei se refere a quem como "supervisor"? Sequer há definição sobre quem seria e qual sua função. Logo, friso, é um exemplo de que algo desta complexidade deve ser tratado com uma técnica e estudos aprofundados a fim de, na ânsia de suprirmos uma eventual lacuna legal, criarmos inúmeras outras questões mais complexas, inclusive assoberbando cada vez mais o Judiciário.

O Brasil é conhecido mundialmente pela sua vasta quantidade de normas que, na prática, tornam-se impraticáveis, desatualizadas, desconexas e sem sentido, afetando inclusive o chamado "custo Brasil", cuja insegurança jurídica é cada vez mais latente e afugenta os investidores estrangeiros, que não conseguem entender a "jabuticaba legislativa brasileira".

Assim sendo, como o fenômeno tecnológico, visto por seus vários ângulos, tais como e-commerce, tributação digital e market place, entre inúmeros outros, inclusive a inteligência artificial, não podemos tratar assuntos de tão grande monta e repercussão presente e futura sem que tenhamos conhecimento da sua amplitude, que é complexa e de forma alguma rasa e banal.

Tais PLs são válidos na medida em que venham acompanhados de discussões e consultas públicas, com profissionais de diversas áreas, não só das ciências exatas, mas também das humanas e outros que se fizerem necessário, pois os impactos de "algo que veio para ficar", não pode ser tratado de forma superficial, sem o devido aprofundamento que efetivamente causará impactos significativos na sociedade, mais um motivo pelo qual precisamos olhar para nossos pares que estão em estágios mais avançados no assunto para obtermos sinergias, conhecimentos efetivos e agregadores.

Autores

  • é advogado especialista em Direito Tributário, inclusive Digital, Mercado Financeiro e de Capitais, Fashion Law e pós-graduando em propriedade intelectual e novos negócios na FGV e economista da DIEDRICH Sociedade de Advogados.

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