Opinião

Os impactos do abandono afetivo

Autor

  • Carolini Cigolini Lando

    é advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

29 de julho de 2020, 12h05

O Direito da Família se apropria da expressão abandono afetivo para dar significado àquele que tem responsabilidade e senso de cuidado dentro da relação de parentesco. É a falta desse cuidado dos pais para com os filhos e vice-versa.

O Código Civil estabelece no seu artigo 1.634 que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: criar, educar, exercer a guarda unilateral ou compartilhada, entre outros.

Na prática, o que percebemos é que em famílias que são desconstituídas pelo divórcio, ou mesmo naquelas relações em que houve apenas a sobrevinda da prole, há uma forte tendência de pais cada vez mais distantes da vida dos filhos, justificando o número expressivo de crianças e adolescentes que são submetidos a tratamento psicológico. O pleno exercício do poder familiar que preceitua o Código Civil não é obedecido.

Atualmente o afeto é muito mais do que um sentimento, é um valor jurídico e social. Temos inúmeros formatos de família que são efetivamente constituídas pelo afeto.

É importante pontuar que a ninguém é imposto o dever de amar, mas uma vez estabelecida a relação parental de pai e filho é, sim, uma obrigação jurídica e moral a criação e responsabilização. Quando o pai ou a mãe, ou mesmo o filho em relação ao pai idoso, é omisso no seu dever de cuidado, estamos diante de abandono afetivo.

A Constituição Federal, mãe de todas as leis, traz em seu corpo os princípios da solidariedade e da paternidade responsável. Com relação ao primeiro, destacamos o dever de assistir de forma material e moral os filhos menores, garantindo tudo o que seja necessário para o seu pleno desenvolvimento. Com relação ao segundo, os artigos 226, parágrafo 7º, e 229 ensinam:

"Artigo 226  A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Parágrafo 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Artigo 229  Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

A despeito disso (o que, diga-se de passagem, não deveria ser necessário lei alguma disciplinar), o que se percebe nos tribunais brasileiros é uma forte tendência de ações reclamando abandono afetivo dos pais para com os filhos.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em seu enunciado de nº 8, destaca que "o abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado".

Diante disso, alguns tribunais (destaque para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais) foram pioneiros em julgar procedentes pedidos de indenizações de filhos abandonados afetivamente e desassistidos materialmente pelos pais, com base no princípio da dignidade. As condenações giravam em torno de R$ 40 mil reais.

Em 2012, o STJ passou a aceitar o afeto como sendo valor jurídico e, portanto, uma vez diante de uma situação de abandono, a compensação por danos morais passou a ser plenamente possível.

Não fosse somente a possibilidade de indenização por danos morais, em decisão recente e histórica o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a retirada do sobrenome paterno da autora da ação em razão dos abandonos afetivo e material sofrido.

A autora da ação fundamentou seu pedido na alegação de que manter o sobrenome do pai lhe trazia profundo constrangimento e sofrimento, além de afrontar os princípios constitucionais da personalidade e da dignidade.

O desembargador e relator do processo afirmou que, após seis anos de afastamento do pai da vida da filha (em razão de desavenças profissionais com o núcleo materno), estaria muito mais do que provado o rompimento do vínculo paterno.

Nesse caso específico, houve ainda a produção de laudo psicológico dando conta do quadro de sofrimento e constrangimento da autora da ação ao manter o sobrenome do pai mesmo após ter sido abandonada.

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    é advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo, associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro efetivo da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

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