Paradoxo da corte

Hipoteca judiciária como efeito da sentença arbitral condenatória

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

28 de julho de 2020, 8h00

Dispõe o artigo 31 da Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem) que: "A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo."

Cumpre enfatizar, a propósito, que a hipoteca judiciária é efeito imediato da sentença condenatória, judicial ou arbitral, independentemente do trânsito em jugado, segundo preceitua o artigo 495 do Código de Processo Civil: "A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária."

Como bem explica, em clássica lição, Moacyr Amaral Santos, "Do só fato de haver sentença de efeito condenatório resulta, por força de lei, hipoteca judiciária sobre os bens imóveis do condenado e, assim, o poder do autor de fazer inscrevê-la mediante simples mandado do juiz" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1982, pág. 455).

E, por essa razão, asseveram Theotonio Negrão et alii, à luz da legislação processual em vigor, que a hipoteca judiciária "é consequência imediata da sentença, pouco importando a pendência de recurso contra esta, inclusive com efeito suspensivo, ou que ela seja ilíquida" (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 50ª ed., São Paulo, Saraiva, 2019, pág. 527, nt. 1b).

Até porque, segundo o parágrafo 1º, inciso I, do artigo 495 do Código de Processo Civil: "A decisão produz a hipoteca judiciária: I – embora a condenação seja genérica; II – ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença…; III – mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo".

Vale dizer, a sentença condenatória, mesmo que ilíquida e sujeita à impugnação, encontra-se apta a produzir hipoteca judiciária.

Instada a se pronunciar sobre essa matéria, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.133.147-SP, com voto condutor do ministro Sidnei Beneti, assentou que, in verbis:

"A hipoteca judiciária, prevista no artigo 466 [atual artigo 495] do Código de Processo Civil, constitui efeito natural e imediato da sentença condenatória, de modo que pode ser deferida a requerimento do credor independentemente de outros requisitos, não previstos na lei.

O direito do credor à hipoteca judiciária não se suprime ante a recorribilidade, com efeito suspensivo, da sentença, nem ante a aparência de suficiência patrimonial do devedor, nem, ainda, de desproporção entre o valor da dívida e o do bem sobre o qual recaia a hipoteca, apenas devendo, na execução, observar-se a devida adequação proporcional à dívida."

Secundando essa mesma orientação, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0097311-40.2013.8.26.0000, da relatoria do desembargador J. B. Paula Lima, decidiu, à unanimidade de votos, que a legislação processual:

"dispõe que a decisão produz hipoteca judiciária embora a condenação seja genérica, de maneira que a falta de liquidez não cria óbice a que o direito real de garantia seja inscrito, podendo o mandado judicial valer-se, como substitutivo do valor da dívida, do valor da causa, feita a especialização com a indicação de bens imóveis de propriedade da parte vencida."

Ademais, é certo que também não importa se a sentença condenatória provenha de processo arbitral. É de admitir-se até mesmo a sentença arbitral parcial, desde que contenha carga condenatória, como título hábil a gerar a hipoteca judiciária.

E isso, porque, como ressalta, em obra específica, Carlos Alberto Carmona, “a equiparação entre a sentença estatal e a arbitral faz com que a segunda produza os mesmos efeitos da primeira. Por consequência, além da extinção da relação jurídica processual e da decisão da causa (declaração, condenação ou constituição), a decisão de mérito faz coisa julgada às partes entre as quais é dada. Sendo condenatória, a sentença arbitral constituirá título executivo, e permitirá a constituição de hipoteca judicial” (Arbitragem e processo – um comentário à Lei 9.307, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, pág. 325).

Importante precedente da Colenda 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça bandeirante, no julgamento da Apelação nº 0074278-09.2009.8.26.0114, relatado pelo desembargador Fortes Barbosa, proclamou que:

"(…) como já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: ‘A hipoteca judiciária constitui um efeito secundário da sentença condenatória e não obsta a sua efetivação a pendência de julgamento de apelação recebida em ambos os efeitos” (STJ, 3ª Turma, REsp. nº 823.990-SP – AgRg, Rel. Minº Gomes de Barros, j. 25.9.07, DJU 15.10.07).

Tudo somado, é possível a constituição de hipoteca judiciária quando existir sentença condenatória, ainda que proferida por Juízo Arbitral ou mesmo sem o trânsito em julgado.

Assim, no caso concreto, suportando a recorrida condenação tendente à restituição dos haveres do recorrente, ainda que pendente a liquidação, não há óbice a que seja deferido o pedido e especializada a hipoteca judiciária, expedindo-se mandado de registro, para que o direito real de garantia recaia sobre os imóveis indicados" (destacamos).

Há que se considerar que a redação do parágrafo 2º do supra aludido artigo 495, inovando em relação ao revogado diploma processual, ao que tudo indica, parece ter dispensado a judicialização, ou seja, intervenção judicial, para a especialização da hipoteca. Todavia, tratando-se sobretudo de sentença arbitral, entendo que sempre será mais legítimo o controle judicial, assegurando-se ao devedor, cujo patrimônio será afetado pela consolidação da referida constrição, as garantias do devido processo legal, em particular, do contraditório, a evitar quaisquer abusos do credor na indicação do imóvel a ser afetado.

Sendo, pois, hipótese de sentença arbitral condenatória, a parte que se sagra vencedora tem o direito de registrar hipoteca judiciária sobre bem ou bens imóveis do condenado em prestação pecuniária, de conformidade com o artigo 167, inciso I, item 2, da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), como providência a garantir a futura satisfação de seu direito.

Não se entrevê, para tal finalidade, qualquer providência do tribunal arbitral, nem mesmo expedição de carta arbitral, prevista no artigo 22-C da Lei de Arbitragem, uma vez que não se trata de ato a ser praticado pelo juiz estatal por solicitação do árbitro, mas, sim, de exclusiva faculdade daquele que obteve êxito perante a jurisdição arbitral.

Frise-se, outrossim, que o requerimento dessa medida judicial conservativa, decorrente do efeito legal da sentença condenatória, não exige justificativa e tampouco admite defesa, a menos que o credor se exceda, pretendendo que a hipoteca recaia sobre patrimônio imobilizado de valor superior ao crédito, ainda que ilíquido, reconhecido no título arbitral.

Oportuno é ainda esclarecer que o valor a ser atribuído ao pedido de especialização de hipoteca judiciária não deve necessariamente ser simétrico ao do potencial crédito do requerente, visto que, na verdade, não lhe implica proveito econômico imediato.

A esse respeito, em situação análoga, já teve oportunidade de se manifestar a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.201.184-DF, da relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, ao averbar que: “Não há relação entre o valor atribuído à ação cautelar e o valor atribuído à principal, sendo certo que as tutelas jurisdicionais buscadas são distintas”.

Em senso idêntico, a 6ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental na Petição nº 7.495-PE, relatado pelo ministro Og Fernandes, após retratar o entendimento pretoriano consolidado, decidiu que:

"O Superior Tribunal de Justiça formou compreensão segundo a qual 'O valor da causa em Ação Cautelar não guarda correlação com o valor atribuído à ação principal, pois aquela tem objeto próprio, de modo que pode ser julgada procedente, ainda que a demanda principal seja improcedente e vice-versa' (AgRg no REsp nº 734.331/RJ, rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 9/3/2009).

De fato, por meio de ação cautelar, em regra, não se objetiva a satisfação de pleito concreto, restringindo-se a referida medida de urgência à proteção jurisdicional provisória indispensável ao objeto de relação processual diversa em curso ou de ação a ser, ainda, proposta. Desse modo, é de se ver não há vantagem econômica imediata a ser auferida pela requerente, no âmbito da via cautelar.

Decisão agravada que se encontra em harmonia com os precedentes desta Corte Superior" (grifo meu).

Essa orientação igualmente prevalece nos domínios do Tribunal de Justiça de São Paulo, como se extrai, v. g., de situação similar (arresto de bens), examinada pela 16ª Câmara de Direito Privado, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2119067-37.2014.8.26.0000, com voto condutor do desembargador Coutinho de Arruda, textual:

"(…) Assim, não se justifica a determinação de correção do valor da causa pelo critério do artigo 259, inciso V, da lei de rito.

Ainda, não há que se vincular o valor da causa ao benefício econômico pretendido, aqui entendido o valor dos bens que ao requerente pretende ver arrestados, uma vez que na medida cautelar de arresto não se obtém, diretamente, via de regra, qualquer benefício econômico, mas apenas se assegura o resultado prático da ação principal, nos termos da legislação processual civil."

Conclui-se, assim, que as regras processuais disciplinadoras da constituição da hipoteca judiciária amoldam-se plenamente à sentença arbitral de natureza condenatória.

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