Opinião

Uma abordagem para crises

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28 de julho de 2020, 19h11

Em crises como a da Covid-19, os mecanismos usualmente adotados para solução de impasses em tempos de normalidade são postos à prova. É razoável prever uma onda de inadimplementos, repactuações e litígios, que testarão a habilidade de operadores e os recursos do sistema jurídico. O desafio já está lançado para empresas, advogados, mediadores, árbitros e Judiciário.

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Muito se pode especular sobre a duração e os impactos da crise atual. Algumas previsões já podem ser feitas com segurança, como por exemplo o aumento dos pedidos de recuperação judicial e falência ou de discussões de força maior, onerosidade excessiva e reequilíbrio de contratos. Seja qual for a sua gravidade e duração, a postura responsável dos gestores jurídicos nestes momentos recomenda uma estratégia de gestão ativa da crise.

Pela sua natureza de "centro nervoso" da empresa, a área jurídica costuma ter protagonismo nessas situações. Uma abordagem metódica contribui para a melhor alocação dos recursos e superação mais rápida da crise, além de reduzir seus impactos negativos e facilitar a identificação de oportunidades. Também assegura que o departamento jurídico será capaz de atender às demandas extraordinárias sem comprometer sua performance nas demandas do dia a dia da empresa.

Ao longo de minha experiência como executivo em grandes companhias, tive a oportunidade de enfrentar dezenas de crises e o privilégio de aprender com elas. A seguir arrisco uma breve sistematização de uma abordagem organizada para lidar com essas situações. A metodologia concatena três fases distintas de diagnóstico, planejamento e execução. Embora esquematicamente separadas, essas atividades não constituem fases estanques, pressupondo interposições, aprendizados e reformulações com base na dinâmica do processo.

1) Diagnóstico da situação
Um diagnóstico bem feito é fundamental na definição de uma boa estratégia. Com ele se busca identificar as situações (problemas e oportunidades) a serem tratadas e definir o foco da atuação.

a) Entendimento do negócio, desafios conjunturais e gestão financeira

O diagnóstico começa com uma diligência sumária para entendimento dos desafios do negócio. É importante conhecer, por exemplo, os elementos relevantes do planejamento estratégico e a saúde financeira da empresa, incluindo perfil e cobertura da dívida, fluxo de caixa, principais indicadores, além de garantias e outras obrigações em contratos financeiros.

b) Análise de contratos, negociações e disputas

Aqui o foco se fecha nas questões jurídicas, sendo importante a interação com as áreas afetadas da empresa, assessores externos que patrocinem disputas ou detenham informações relevantes etc. O levantamento dessas informações já permitirá a avaliação da legislação e jurisprudência aplicáveis.

c) Identificação das situações a serem tratadas

O diagnóstico se encerra com a demarcação das situações que integrarão o escopo da fase de planejamento, agrupadas por categorias e prioridade. Neste momento, é fundamental nivelar as percepções de todos os envolvidos no processo.

2) Planejamento das atividades
Com base no diagnóstico realizado, a próxima fase do trabalho consiste na elaboração de um plano de ação, com o planejamento das atividades a serem adotadas para cada situação identificada.

a) Delimitação das principais ameaças e oportunidades em cada situação

As atividades se iniciam pela análise dos riscos envolvidos em cada situação, com identificação de probabilidades e impactos. É recomendável o agrupamento das questões segundo critérios de relevância e dependência mútua.

b) Análise das opções existentes para cada situação

A atividade aqui consiste em identificar os prós e contras das opções existentes em cada situação, analisando poder de barganha, probabilidades de sucesso etc. É importante construir cenários, com análise de custo/benefício e estimativa de impacto financeiro se possível.

c) Construção da estratégia geral, a partir do conjunto das situações a serem enfrentadas

Momento de escolher entre as opções de ação disponíveis para cada situação. Nesta fase deve-se avaliar a conveniência do engajamento de apoios externos especializados. Na conclusão do planejamento é importante elaborar um "plano de ataque", com identificação de caminhos críticos, cronograma, orçamento, tarefas, responsáveis, metas e sistema de comunicação.

3) Execução da estratégia
Com a correta leitura da situação e planejamento bem preparado, a execução da estratégia deve seguir regras pré-definidas visando a uma eficiente gestão do processo. Um dos aspectos mais importantes desta fase é a definição da equipe que ocupará a linha de frente, com envolvimento direto nas atividades relevantes do caso.

a) Engajamento e coordenação de apoios especializados

Caso isso tenha sido definido na fase de planejamento, o engajamento de especialistas demandará a identificação das melhores opções existentes no mercado, de acordo com as ações a serem executadas, além da negociação do modelo de remuneração mais adequado ao caso. Não menos importante será o gerenciamento desses assessores e de suas interfaces, com vistas a assegurar a execução das atividades de forma coordenada e eficiente.

b) Condução das ações relevantes

A equipe escolhida para a linha de frente deve estar presente em todas as atividades relevantes do caso, que vão desde a redação de contratos e peças processuais, até a participação em negociações, audiências etc. Todas as ações devem ser respaldadas por avaliações jurídicas consistentes.

c) Monitoramento de progresso e dos resultados

Por fim, faz parte de uma adequada gestão do processo o acompanhamento constante da evolução dos resultados parciais alcançados, propondo tempestivamente os ajustes, aprimoramentos e revisões na estratégia sempre que necessário. Reuniões periódicas com a empresa para prestação de contas, discussão e avaliação são parte integrante desta atividade.

Conclusão
A premissa básica da abordagem aqui proposta é o reconhecimento de que cada situação apresenta seus próprios desafios, o que torna qualquer tentativa de generalização um exercício que exige prudência. Por isso, a espinha dorsal da abordagem é a combinação de um processo ordenado com a experiência de profissionais testados nessas situações. Quanto antes se iniciem as atividades, melhor posicionada estará a empresa para conduzir uma gestão ativa da crise. Nas circunstâncias atuais da Covid-19, não há tempo a perder.

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