Opinião

Proposta de reforma tributária aumenta carga fiscal dos prestadores de serviços

Autores

  • Isabela Bandeira

    é advogada com experiência em consultoria e contencioso tributário formada pela Universidade Federal da Bahia pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários ex-conselheira da OAB-BA e conselheira do Conselho para Assuntos Fiscais e Tributários (Caft) da Fieb.

  • Trícia Barradas

    é advogada com experiência em consultoria e contencioso tributário formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

28 de julho de 2020, 9h14

Não é novidade que a simplificação tributária é um anseio de toda a sociedade brasileira, mostrando-se especialmente relevante para a classe empresária, a todo momento desafiada a manter suas atividades no cenário fiscal extremamente oneroso e complexo que hoje vivenciamos.

Apesar disso, as providências adotadas pelo poder público com vistas a tanto sempre se mostraram tímidas e bastante setoriais, verificando-se, de modo geral, a crescente burocratização das atividades de apuração e declaração de impostos e contribuições, que elevam sobremaneira o custo administrativo das empresas, em paralelo a efetivos aumentos de carga tributária.

Finalmente, após anos de intensos debates essencialmente políticos em torno da questão, sem resultados práticos capazes de verdadeiramente auxiliar o desenvolvimento econômico a partir da criação de um ambiente fiscal mais simples e seguro, o Poder Legislativo elaborou duas propostas de emenda à Constituição (PEC) com esse alegado objetivo, quais sejam, a PEC 45/2019, de autoria da Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, produzida pelo Senado Federal, atualmente em tramitação.

Em busca da mais célere implementação de medidas de reestruturação fiscal, entretanto, o governo federal submeteu ao Congresso Nacional, no último dia 21, o Projeto de Lei (PL) nº 3.887/2020, que, em meio a uma série de alterações na legislação tributária federal, prevê a instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) — tributo similar ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA), existente em diversos países —, em substituição à Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

De acordo com o texto apresentado, a nova contribuição seria devida por toda a classe empresarial, exceção se fazendo, em linhas gerais, às pessoas jurídicas enquadradas no Simples Nacional, e haveria de incidir sobre a receita bruta auferida em cada operação — assim entendida a entrada decorrente da atividade principal da pessoa jurídica —, genericamente mediante aplicação da alíquota de 12%, admitida a apropriação de créditos correspondentes ao valor da mesma contribuição destacado em documento fiscal relativo à aquisição de bens ou serviços.

Tais medidas, de acordo com a exposição de motivos elaborada pelo Poder Executivo (EM nº 00274/2020), visam a simplificar a sistemática de tributação do consumo, mediante a utilização da técnica de incidência sobre o valor adicionado, de modo a viabilizar, em última análise, a reorganização das atividades empresariais, impulsionando a produtividade e o crescimento econômico. Ressalvou-se, ainda, no material de divulgação da reforma, que o quanto proposto não resultaria no aumento da carga tributária, que haveria de ser mantida.

No entanto, a despeito dessas nobres justificativas, é possível verificar que o novo modelo não necessariamente trará estes benefícios para todas as empresas, acarretando, sim, insustentável incremento da carga tributária para determinados setores, dentre os quais os prestadores de serviços.

Decerto, por um lado, não se pode deixar de reconhecer que a adoção da CBS, tal como hoje contemplada no PL nº 3.887/2020, pode trazer benefícios para os contribuintes sujeitos ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no Lucro Real e que, portanto, atualmente, apuram o PIS e a Cofins pela sistemática não cumulativa, à alíquota de 9,25%, com direito a desconto de créditos sobre os insumos adquiridos.

Nesses casos, haveria, entre outras: I) redução da base de cálculo, que não mais corresponderia à totalidade das receitas auferidas no mês, ficando restrita àquelas decorrentes da sua atividade principal, deduzidas do ICMS e ISS destacados em documento fiscal, bem como da própria CBS; II) possibilidade de tomada de créditos sobre todas as aquisições gravadas pela CBS, restando encerradas as discussões em torno do conceito de "insumo", cujas aquisições podem gerar créditos passíveis de apropriação para fins de apuração do PIS e da Cofins; e III) redução de obrigações acessórias representadas pelo preenchimento de declarações de alta complexidade.

Por outro lado, em franca desigualdade, a nova sistemática geraria um incremento exponencial da carga tributária suportada por diversos contribuintes sujeitos ao IRPJ com base no Lucro Presumido e que, portanto, apuram o PIS e a Cofins sob o regime cumulativo, a exemplo de prestadores de serviços de médio porte — e, nessas condições, não enquadrados no Simples Nacional, para o qual o projeto em tela, como visto, não trouxe modificações —, tais como escritórios de advocacia, de contabilidade, de engenharia e arquitetura.

Isso porque referidas entidades já contam com um modelo de tributação mais simples, submetendo-se àquelas contribuições calculadas às alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, sobre a mesma base de cálculo sugerida para a CBS, de sorte que a proposta sob análise, consoante a qual a alíquota total passaria de 3,65% para 12% aumento de mais de 300%!, sem maior margem para o aproveitamento de créditos oriundos de aquisições de bens ou serviços, soa, minimamente, indecente!

De fato, em vista da natureza essencialmente intelectual das atividades a cujo desempenho se dedicam, seu grande ônus operacional diz respeito à contratação de profissionais especializados, correspondendo, portanto, aos custos com folha de pagamento e encargos sociais, que não asseguram crédito.

Assim, é evidente o insuportável agravamento do ônus fiscal que será experimentado pelos prestadores de serviços intelectuais em decorrência da adoção da CBS nos termos do PL nº 3.887/2020, em contraste com o PIS e a Cofins cumulativos devidos na sistemática atualmente vigente.

Tomemos por exemplo, para melhor visualização, uma escritório que percebe receita bruta mensal de R$ 250 mil, em contraste com um total de despesas correntes, tais como energia elétrica, telefonia, internet, material de escritório, material de higiene e copa e itens de informática, no valor aproximado de R$ 35 mil. No novo modelo, o incremento de ônus fiscal seria da ordem de mais de 280%, conforme se pode visualizar do exercício que segue:

Reprodução

Nesse cenário, impõe-se a adequação do modelo proposto, seja através da manutenção do regime atualmente em vigor, seja mediante instituição de uma alíquota diferenciada para as atividades em comento, tal como, inclusive, já previsto para as instituições financeiras, relativamente às quais a proposta do governo federal contempla a manutenção da alíquota de 5,9%, em lugar dos 12% genericamente estabelecidos, justamente em vista da constatação de que não teriam a aptidão de se apropriarem de créditos significativos a título de CBS, como forma não só de guardar coerência com os objetivos visados, como de realizar o princípio da igualdade em sua plenitude, evitando que o desempenho de atividades como tais seja verdadeiramente comprometido.

Afinal, o lema da propalada simplificação tributária, "quando todos pagam, todos pagam menos", deve ser uma diretriz moral e principiológica a ser observada, não se admitindo o repasse da conta da reforma para os prestadores de serviços.

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    é advogada, sócia do escritório Mota Fonseca Advogados, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), conselheira da OAB-BA, presidente da Comissão de Seleção da OAB-BA e conselheira do Conselho para Assuntos Fiscais e Tributários (CAFT) da FIEB.

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    é advogada, sócia do escritório Mota Fonseca Advogados e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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