Opinião

Críticas ao STJ sobre caso Queiroz são desarrazoadas

Autor

  • Adib Abdouni

    é advogado constitucionalista e criminalista e autor do livro "Fake News e os Limites da Liberdade de Expressão".

28 de julho de 2020, 6h33

O Poder Judiciário, nesses tempos de dificuldade social e econômica causados pela pandemia do novo coronavírus, vem desempenhando seu papel de harmonização das relações sociais por intermédio da incansável atuação de seus magistrados que — exercendo seu papel com prudência, serenidade e racionalidade — buscam mitigar os resultados danosos que emergem do estado de crise sanitária instalada em nosso país.

Em um Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário é a última trincheira que o cidadão tem para fazer valer seus direitos, de sorte que, mesmo durante os períodos de aparente interrupção do expediente forense e da atividade judicante — a exemplo de feriados, finais de semana, férias forenses ou de recesso coletivo — o Estado assegura aos jurisdicionados todo um aparato funcional e permanente de prestação de serviços nominados como plantão judiciário, a fim de que causas que contenham matérias urgentes a serem examinadas e decididas não sofram solução de continuidade da prestação jurisdicional.

O direito de acesso à Justiça é um postulado fundamental e inalienável da pessoa, previsto no artigo 5º, XXXV da Carta da República e, o seu artigo 93, XII, por sua vez, é expresso ao prever que "a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedada férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente".

Por essa razão, os Regimentos Internos dos tribunais e suas normas administrativas complementares disciplinam a atividade dos magistrados no regime de plantão judiciário — qualificada como uma jurisdição extraordinária destinada a salvaguardar situações que reclamam atendimento jurisdicional imediato — não só em primeira instância, mas também no âmbito recursal, de modo que que eventual decisão não sofra óbice revisional e reformatória.

A partir de então e, especialmente em segunda instância, os desembargadores atuantes no plantão — com escala nominal de serviço antecipadamente divulgada pelos tribunais — parecem ganhar aparente suplementação de poderes, a decidir, de forma isolada, monocrática. Não é o que ocorre!

As matérias que se encontram aptas para serem enfrentadas no plantão judiciário correspondem a um rol mitigado, notabilizado por compreender causas que vindicam urgência, concentradas nas hipóteses de perecimento de direito ou que aflijam o direito de liberdade de locomoção, objeto de ações originárias ou de recursos veiculados por meio de "Habeas Corpus", mandados de segurança e pedidos de tutela provisória, a romper a inércia burocrática de ter que se aguardar o retorno das atividades para que uma causa urgente seja solucionada ainda que pela efêmera via liminar.

Balizas essas que visam evitar burla ao regramento processual vigente e, sobretudo, violação ao princípio do juiz natural, na medida em que, eventual estratégia processual defensiva poderia aguardar o funcionamento do tribunal no regime de plantão judicial, para submeter — com contornos repudiáveis de temeridade processual — toda e qualquer questão a magistrado de cuja atuação extraordinária em determinado plantão se tinha ciência pública e antecipada — ao conferir a seu pedido tons genéricos de urgência à matéria sabidamente não emergencial.

De tal sorte, as decisões unipessoais tomadas nos regimes de plantão judiciário não estão imunes à revisão ou reversão, haja vista que seu eventual desacerto ou efeitos possam ser neutralizados mediante a apreciação colegiada final, a evitar usurpação de competência.

Em outras palavras, os poderes conferidos aos magistrados de plantão ainda que restritos pelos Regimentos Internos, observam a garantia de independência que ressai do exercício intelectual natural reservado ao aplicador da lei, na busca da solução da controvérsia urgente, no âmbito do livre convencimento motivado de cada juiz, sujeito a confirmação de seus pares.

Por isso, mostram-se desarrazoadas as críticas generalizadas que ecoaram na imprensa nos últimos tempos não só acerca das decisões proferidas pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça — responsável pelo plantão daquela Corte nesse período  (com destaque especial ao benefício processual penal da prisão domiciliar concedido a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro) —, mas também sobre o possível excesso de decisões monocráticas emitidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, antes da apreciação colegiada.

Vale dizer que o regramento processual atribui ao relator o dever de apreciar (deferir ou indeferir) pedidos considerados urgentes. Qualquer tentativa de obstar o proferimento de decisões unipessoais ou vinculá-las a determinadas matérias de fundo resvalaria em inescusável afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição retro mencionado, hoje reproduzido em nosso Código de Processo Civil, em seu artigo 126, por revelar-se como providência desarrazoada e não republicana.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, por maioria absoluta, rejeitou a proposta de emenda regimental formulada pelo ministro Marco Aurélio na qual se incluiria entre as competências reservadas exclusivamente ao Plenário a apreciação de pedido de tutela de urgência quando envolvido ato do Poder Executivo ou Legislativo, praticado no campo da atuação precípua.

Acertadamente, o entendimento majoritário fundou-se no poder geral de cautela do magistrado e na compreensão de que a concessão de medidas cautelares, por meio de decisões monocráticas, está entre as atribuições do relator, sempre que estiver perante situação urgente e inadiável a ser posteriormente submetida ao Plenário.

Assim, a independência funcional enquanto marca indelével da magistratura — refletida no poder de decidir monocraticamente nos plantões do Judiciário — é uma garantia institucional do próprio Estado Democrático de Direito. A eventual dissidência de entendimentos do colegiado sempre poderá ser resolvida pelo formado ao final pela maioria, a resultar na melhor solução para o caso, mantendo ou revertendo o que decidido unipessoalmente, pelo magistrado, em sede de plantão judiciário no tribunal.

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