Público x privado

A sentença e a importância do contraditório e da ampla defesa

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27 de julho de 2020, 15h52

United Artists é uma empresa de produção e distribuição cinematográfica dos Estados Unidos que surgiu em 1919 pela parceria de Charles Chaplin, D.W. Griffith, Mary Pickford e Douglas Fairbanks. Tinha como objetivo quebrar o oligopólio das grandes empresas do cinema da época e permitir a produção de filmes independentes.

Spacca" data-GUID="luiz-inacio-adams-spacca1.png">É dela um grande número de sucessos como Tempos Modernos (1936), O Grande Ditador (1940), Doze Homens e uma Sentença (1957 — filme já citei em um artigo publicado nesta coluna), O Julgamento de Nuremberg (1961), só para citar alguns entre tantos filmes que produziu e comercializou.

Um dos filmes mais intensos que tive a oportunidade de assistir da foi In the Heat of the Night (No Calor da Noite —1967), ganhador do Oscar daquele ano, em que um policial negro de Philadelphia (Sidnei Poitier), de passagem pelo estado do Mississipi, é chamado pelo Chefe de Polícia de uma pequena cidade (Rod Steiger) à investigar o assassinato de um importante empresário.

Em uma cidade declaradamente racista, em que o calor contamina a todos, de forma metafórica e literal, a investigação segue sob uma brutal tensão. Tensão que não deixa de contaminar o competente e integro policial representado por Portier, que acaba envolvido pelo racismo que marca a cidade e deseja a todo custo, baseado em uma convicção preestabelecida, implicar no assassinato um importante líder político e empresário da cidade, cuja família cultua o passado de senhores de escravos.

E aqui o filme digladia com o ponto que para mim é fundamental na aplicação do direito: o quanto a subjetividade distorce os fatos, inclusive inconscientemente.

Em Karl Popper já percebemos os desafios e limites impostos pelas convicções baseadas em conjeturas sem a importante contraditório oferecido pela refutação. Diz Popper no prefácio de "Conjeturas e Refutações".

O progresso do conhecimento e, em particular, do nosso conhecimento científico, ocorre por meio de injustificadas (e injustificáveis) antecipações, de soluções experimentais para os nossos problemas, de conjeturas. Estas conjeturas são controladas pela crítica, ou seja, por tentativas de refutação que incluem teste de enorme rigor crítico. (Conjeturas e Refutações, 2018)

Esta premissa é absolutamente verdadeira no ambiente jurídico e, particularmente, no ambiente judicial. A limitação crescente ao exercício da refutação, mediante um processo cada vez mais cartorial, em que as partes não são capazes de comunicar-se com o Juiz, exceto no ambiente limitado e formalizado do processo (antes via papel, hoje via digital), faz com que a refutação, essencial na obtenção verdade, ceda lugar cada vez mais à convicções baseadas em conjeturas.

A nossa Constituição garante o contraditório e a ampla defesa como elementos essencial ao processo (artigo 5º, LV, da Constituição), mas não obriga ao Juiz o dever fundamental de ouvir. O contraditório é "normalizado" no direito de peticionar, de recorrer e apresentar memoriais, mas à tudo isto não surge a obrigação essencial de "prestar atenção aos argumentos". A continua resistência dos juízes à aplicação do artigo 489, § 1 do CPC, é enfrentada com muita pertinência no excelente artigo Notas sobre a fundamentação da decisão judicial e o contraditório de Matheus Vidal Gomes Monteiro publicado neste site.

O juiz, aos selecionar os argumentos a serem apreciados, ignorando os demais, retira a possibilidade da refutação impugnar a conjetura no processo de conhecimento, já que a escolha passa ser arbitrada pelo conveniência de quem decide. Em outras palavras, ao Juiz escolher os argumentos que deseja para a sua sentença, sem necessidade de apreciar os demais apresentados, surge como resultado a afirmação da conjetura sem o exercício da refutação Limitaríamos o conhecimento e, no nosso caso, a Justiça aos sábios de plantão, controladores da verdade dos fatos e do direito, tornando desnecessários qualquer sistema de justiça baseado em uma sociedade aberta .

A conclusão é invariável, baseada em evidências incompletas, hipóteses ou suposições, em que o pressuposto sobrepõe-se ao posto e o subjetivo ao fato.

Portanto, para um direito efetivo, na sua função civilizatório de implementar a Justiça, é essencial que o Juiz seja de forma efetiva compromissado em ouvir as partes (não apenas deixa-las falar) e endereçar todas as refutações apresentadas nos seus argumentos, inclusive para poder afirmar as que não sejam aplicáveis. Com isto cria-se um ambiente mais confiante e seguro em relação às decisões judiciais, em que seja possível dispensar o volume impressionante de recursos judiciais que povoam as nossas cortes e tribunais.

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