Efeitos do coronavírus

Julgamento por videoconferência prejudica a defesa, diz estudo

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27 de julho de 2020, 7h24

Um estudo divulgado pelo Projeto de Supervisão da Tecnologia de Vigilância (Surveillance Technology Oversight Project), na última quinta-feira (23/7), afirma que julgamentos virtuais, por meio de videoconferência, prejudicam a defesa em muitos aspectos. A ausência de procedimentos presenciais coloca os réus em desvantagem e pode ter consequências devastadoras.

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De uma maneira geral, os advogados dos Estados Unidos concordam. A primeira vítima dos julgamentos virtuais é a confidencialidade advogado-cliente. Em um julgamento normal, os réus têm amplas oportunidades de se comunicar privadamente com seus advogados. Podem cochichar, se manifestar com expressões faciais, se tocar ou mesmo conversar em uma sala separada.

Em uma videoconferência, a privacidade não existe. Tudo o que é falado é ouvido por todos os participantes — incluindo os promotores. "Tentar se comunicar com seu cliente de uma maneira que ninguém mais pode ouvir é, basicamente, impossível", disse ao site c/net o defensor público Jerome Greco.

É verdade que algumas poucas cortes providenciaram uma "sala" separada na videoconferência, para advogado e cliente se comunicarem por voz ou por texto, mas essa é uma prática que não substitui a presença próxima dos dois na sala de julgamento. Além disso, não se sabe quem mais tem acesso às comunicações, nem como as gravações vão ser arquivadas e protegidas.

No julgamento virtual, os advogados (e os promotores) perdem informações que são de extrema importância para a defesa, bem como para a acusação. Entre elas, as expressões corporais, as manifestações faciais e outras nuanças, às vezes sutis.

Muito das emoções que são naturais na sala de julgamento, podem perder intensidade no isolamento da sala em que as pessoas se instalam para a videoconferência. E não se pode observar tudo em uma tela de computador ou smartphone.

Perde-se também muito das expressões dos juízes. Em casos em que o juiz exerce sua discricionaridade ou que determina a credibilidade das pessoas, fica mais difícil para advogados e promotores perceberem as reações do magistrado em uma tela de vídeo. Há uma percepção de que, em julgamentos virtuais, “alguns juízes parecem distantes e apáticos”.

Um estudo de 2017, do Condado de Cook, em Illinois, revelou que réus que comparecem virtualmente a audiências para fixação de fiança são, normalmente, prejudicados. O juiz acaba fixando o valor da fiança 51% mais alto, em comparação com o que acontece com réus que aparecem a sua frente, fisicamente.

"É bem diferente ouvir uma pessoa falar sobre seu processo de reabilitação ou sobre as circunstâncias em que foi presa através de vídeo, do que pessoalmente", diz a advogada da American Friends Service Committee, Anna Byers, que representa imigrantes presos. "O processo se torna incrivelmente desumanizante."

Nos processos de imigração, o advogado do imigrante pode levar à corte testemunhas para ajudar na defesa, em julgamentos normais apenas. No julgamento virtual, testemunhas não são permitidas, porque elas têm de apresentar um documento de identificação antes da audiência. A apresentação de tal documento não pode ser verificado virtualmente.

Testemunhas, de uma maneira geral, não se sentem à vontade, quando cumprem seu dever a partir de algum cômodo da casa. Familiares e amigos podem estar por perto ou escutando o que ela fala de outra sala, o que pode criar constrangimento. Em outros casos, pode estimular o exibicionismo.

Réus e testemunhas têm dificuldades, muitas vezes, para lidar com o sistema de videoconferência — ou até mesmo com um computador, smartphone ou câmara. Algumas vezes há problemas de áudio, outras de imagem — incluindo casos em que só aparece a testa de uma pessoa, sem que ela se dê conta disso — além de problemas de conexão.

Os réus presos são os mais prejudicados, diz o defensor público Jerome Greco. Em vez de comparecer à sala de julgamento, como de costume, eles aparecem atrás das grades, em uma cadeia, em frente a uma câmara. "Isso dá imediatamente a impressão de que a pessoa já é uma criminosa condenada", ele diz.

A situação é complexa, diz o diretor do Projeto de Supervisão da Tecnologia de Vigilância, Alex Cahn. "Se nos apressamos em reabrir as cortes, muita gente poderá contrair a Covid-19 e morrer. Se continuamos com julgamentos virtuais, especialmente sem investir em tecnologia para assegurar verdadeiro acesso à justiça, milhares de pessoas irão perder a liberdade, os meios de vida, a propriedade, os direitos familiares e muito mais."

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