Opinião

Afinal, quem fala primeiro em sede de Habeas Corpus na segunda instância?

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27 de julho de 2020, 18h15

Se adotássemos o sistema inquisitivo, a PGJ em segunda instância seria uma extensão plena do Ministério Público perante os tribunais. A indisponibilidade da ação penal seria absoluta e não haveria a ação subsidiária da pública. No sistema acusatório, a manifestação perante os tribunais não prolonga a atuação ministerial, mas, sim, a obtempera.

No Brasil se pretendeu criar um nominado sistema acusatório misto, que justifica esse equilíbrio. Dentro desse raciocínio, o Ministério Público, desde a fase de inquérito policial até a denúncia, atua como custos legis, função da qual nunca deixará de estar revestido, mesmo quando, enquanto parte, propõe a ação penal. Fosse sempre parte, embora não possa desistir da ação penal, pode propor a absolvição em ação por ele mesmo proposta. No sistema acusatório misto, assim identificado, o Ministério Público nunca terá a condição de parte absoluta o que o difere totalmente da condição e função do defensor.

Não faz sentido dizer que a defesa atua como "fiscal da lei" porque o que se espera da defesa é exatamente a parcialidade, tanto que pode desistir do patrocínio da defesa, mas, em outra ponta, não pode pedir a condenação do réu. Não há dois Ministérios Públicos. Daí a figura da assistência de acusação, nem sempre alinhada à função ministerial, exatamente porque é parte no sentido pleno. O que há é um ponto de equilíbrio entre as duas instâncias, em que o procurador-geral, instância máxima dentro do Ministério Público, faz-se representar nos tribunais de forma preposta, controlando, ainda que reflexamente, a atuação do primeiro grau. Não tem capacidade revisional direta do ato em si, salvo nas hipóteses do artigo 28 do CPP, inclusive com sua nova redação, mas efetivamente fiscal da lei, exceção feita à competência originária, em que assume a condição mista.

A ordem de manifestação nos tribunais, a modelo do que ocorre nos tribunais superiores, dá-se por força dessa condição primária e latente como custos legis, em especial nas ações mandamentais, que é a hipótese do Habeas Corpus e do instituto da revisão criminal. Se há paridade plena de ordem instrumental, a revisão criminal serviria tanto à acusação como à defesa. Não há que se falar em manifestação final quando o interesse é do autor da ação e, acaso fosse parte, assim se estabeleceria o efetivo contraditório. O contraditório não é a chamada "paridade de armas" de cunho meramente instrumental, mas, sim, uma função precípua, que integra o devido processo legal, para impugnar um fato que tenha relevância jurídica e valor probatório. Nessa esteira, a condição plena de parte é da defesa e o titular da ação penal, em termos constitucionais, carrega, antes mesmo da condição de parte, a de custos legis.

Na assimetria errônea que se faz entre os sistemas inquisitivo e acusatório, somente se justificaria a plenitude do contraditório fosse o sistema inquisitivo primário, em que a acusação a ela se limita sem que se admita um controle de relativa disponibilidade ao que ocorre no caso do arquivamento e do pedido de absolvição. O sistema inquisitivo pleno, trazido na essência da época napoleônica, dá ao Ministério Público a condição de parte absoluta, a exemplo também do sistema norte-americano. No aspecto meramente formal, dentro dos limites de uma ação de HC, não faz o menor sentido que a defesa se manifeste ao final em ação por ela proposta. E isso porque não dispõe da posição neutra no princípio de devido processo legal e conquistas e garantias de derivações do contraditório e da ampla defesa. Isso distancia os conceitos de compreensão e de interpretação de lei, não de direito, que são distintos.

O instituto precípuo do contraditório, mesmo que não se entenda que integre atos de ambas as partes, ao menos na aparência por todos os protagonistas do processo, não são idênticos quanto a meios. O defensor sempre será parte e, sob o manto defesa ampla e acusação, delimitada.

O direito de ordem de falar por último está em lei. É tema atento ao princípio da estrita legalidade, e não de mero "direito". É do ofício da defesa ser parcial.

Ela defende o direito do réu na ação, como objeto jurídico, e não defende o seu próprio direito de agir em juízo. Portanto, o HC, no máximo, é incidental, e não deveria exigir contraditório, como se espera no devido processo legal. Não há matéria de fato mas, sim, de direito e controle de vicio formal e não material.

Na segunda instância, o Ministério Público age como custos legis. Não é parte e fiscaliza a aplicação da lei, bem distante de função inquisitiva ou mesmo com tom acusatório.

Portanto, a ordem de manifestação secundária não cabe a quem propôs a ação sob pena de aí, sim, efetivamente se estar ferindo o reclamado contraditório.

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