Opinião

Os principais reflexos da caducidade da MP 927 nas medidas trabalhistas

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26 de julho de 2020, 11h36

A Medida Provisória 927/2020, editada em 22 de março de 2020, caducou no último dia 19 por não ter sido votada a tempo pelo Senado Federal. Referida MP, editada logo no início da pandemia da Covid-19, flexibilizava a legislação trabalhista em vigor e permitia a adoção de medidas excepcionais durante o estado de calamidade pública, para enfrentamento da crise dela decorrente.

Agora, com a queda da MP, muitas empresas se vêm diante de um cenário de incertezas e insegurança jurídica. Isto porque, embora as medidas adotadas durante o período de vigência da MP — 22 de março a 19 de julho de 2020 estejam respaldadas pela norma válida à época, algumas medidas de trato sucessivo podem gerar dúvidas.

Como ficarão, por exemplo, os bancos de horas ajustados durante a vigência da MP 927, que previam a compensação de horas em até 18 meses e hoje acumulam expressivos saldos negativos? O prazo para compensação deverá ser reduzido, de modo a adequar referidos pactos aos termos da CLT?

E as férias antecipadas concedidas antes de a MP caducar? Será necessário interrompê-las? E os feriados futuros já antecipados pelas empresas, deverão ser concedidos novamente?

Como ficam, ainda, os contratos de teletrabalho, em especial aqueles firmados com estagiários e aprendizes, eis que a legislação em vigor é silente sobre essa possibilidade?

Essas são apenas algumas das muitas dúvidas decorrentes da caducidade da MP 927.

Todas essas questões e as relações jurídicas delas decorrentes poderão ser disciplinadas pelo Congresso Nacional em até 60 dias, por meio de um decreto legislativo, conforme previsão do artigo 62, §3º e §11, da Constituição da República. No entanto, considerando os aspectos políticos envolvendo a não votação da MP 927 pelo Senado, e não estando o Congresso obrigado a editar referido decreto, não é possível afirmar que isso irá ocorrer.

Resta aos empregadores, assim, com adequado suporte de seus respectivos advogados internos e externos, a busca por soluções viáveis para cada uma das situações destacadas acima.

A título de exemplo, no que diz respeito ao banco de horas, a MP 927 permitia a pactuação em uma modalidade especial, com a compensação das horas acumuladas em um prazo elastecido, de até 18 meses após o fim do estado de calamidade pública. Tal pacto, embora válido se firmado quando a MP estava em vigor, gera insegurança jurídica quanto à possibilidade de se continuar acumulando horas após a caducidade pelo prazo elastecido, eis que o artigo 59 da CLT é expresso ao afirmar que o banco de horas admite compensação no período máximo de seis meses, em caso de acordo individual, ou um ano, em caso de negociação coletiva.

Certamente haverá quem defenda ser possível continuar acumulando horas para compensar em até 18 meses, ao argumento de que a celebração do acordo à época da MP configura um ato jurídico perfeito e acabado. Em contrapartida, haverá quem defenda a necessidade de adequação do pacto aos limites previstos na CLT, ou seja, aos prazos máximos de seis meses ou um ano. Uma solução intermediária conservadora, no entanto, pode ser a segregação das horas em dois grupos: I) a das acumuladas durante a vigência da MP, para compensação em até 18 meses após o período de calamidade pública; e II) a das acumuladas a partir do dia 20 de julho, cuja compensação se submeteria aos prazos máximos previstos na CLT.

Em relação à antecipação de férias e feriados, o que tiver sido acordado e usufruído durante a vigência da MP não comportará maiores questionamentos. Parece bastante razoável, inclusive, que as férias antecipadas que tiveram seu período de fruição iniciado quando ainda vigorava a MP sejam usufruídas até o seu termo final, ainda que este se dê após o dia 19 de julho. É preciso cautela, entretanto, em caso de férias antecipadas deferidas quando a MP ainda vigorava, mas cujo início do período de gozo tenha sido fixado após 19 de julho, na medida em que a legislação atualmente em vigor não permite a antecipação de férias do período concessivo em curso.

No que tange ao teletrabalho, certo é que o instituto já possuía regramento próprio na CLT, tendo a MP 927 basicamente flexibilizados: I) o prazo para alteração do regime presencial para o teletrabalho; e II) a possibilidade de início por ato unilateral do empregador, posto que a CLT exigia acordo entre as partes. Assim, a caducidade da MP não trará muitos impactos para o teletrabalho, sendo necessário, contudo, observar os regramentos da CLT quando de eventual alteração contratual relacionada ao assunto, como o retorno dos empregados para o regime presencial.

No mais, ainda em relação ao teletrabalho, muito embora a CLT não preveja a sua aplicabilidade aos aprendizes e estagiários, como previa a extinta MP, certo é que inexiste também qualquer vedação expressa em lei. Logo, havendo acordo entre as partes e ficando demonstrada a manutenção do caráter educacional dos contratos firmados com aprendizes e estagiários, com adequado acompanhamento e supervisão, parece viável a defesa de sua continuidade, inclusive em nome da saúde e segurança de tais colaboradores neste contexto de pandemia.

Vale lembrar, contudo, que essas e outras dúvidas decorrentes da caducidade da MP 927, se não forem dirimidas por eventual decreto legislativo, poderão gerar controvérsias entre empregados e empregadores, as quais, em última análise, ficarão sujeitas à análise concreta do Poder Judiciário, a quem competirá dirimi-las.

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