Saída de emergência

CDC fez prevalecer o bom senso e tem como desafio novas tecnologias, diz Collor

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24 de julho de 2020, 17h31

Fruto de um diálogo institucional entre os poderes e com participação ativa da sociedade, o Código de Defesa do Consumidor é inovador e tem como mérito a prevalência do bom senso, apesar das disputas travadas na época de sua preparação. A opinião é do presidente responsável por sua sanção, em setembro de 1990: Fernando Collor.

ConJur
Ele participou nesta sexta-feira (24/7) do seminário virtual "Saída de Emergência", produzido pela TV ConJur e com a apresentação do membro do Conselho Nacional do Ministério Público e professor da USP, Otávio Luiz Rodrigues Jr. Hoje senador por Alagoas, Collor relembrou o contexto da sanção do CDC e avaliou os futuros desafios que a legislação consumerista vai enfrentar.

"Os fornecedores não queriam uma lei que submetesse a relação no sentido de dar mais razão à parte vulnerável, que são os consumidores. Não tinham interesse na aprovação e também faziam água no moinho daqueles que diziam que era uma lei que não ia pegar, não ia dar certo ou resolver problemas. Permaneceu o debate e prevaleceu o bom senso", relembrou Collor, presidente da República entre 1990 e 1992.

Ele classifica o CDC como "inovador sob todos os aspectos" e relembra que, até sua sanção, o que havia era relação de fiscalização e punição permanente na relação entre fornecedores e consumidores. "O código quebrou paradigma e procurou harmonizar essas relações, para que fossem mais fáceis; Fato é que melhorou bastante, embora persistam animosidades sérias que precisamos corrigir na medida do possível para evitar a judicialização", avaliou.

Origem e trunfos do CDC
"Não havia por que inventar a roda. Ela já estava inventada", afirmou José Geraldo Brito Filomeno, procurador de Justiça do MP-SP e membro da comissão do anteprojeto do CDC. Ele relembrou a consulta a 14 legislações consumeristas estrangeiras e o uso de lei tipo da ONU, sobre a qual os países poderiam fazer suas adaptações de acordo com as especificidades da realidade local.

Relembrou também a resistência enfrentada através do protesto de empresários e da imprensa, situação vencida paulatinamente. "Na verdade houve um amortecimento dessas resistências, porque os próprios fornecedores anteviram uma coisa boa. Estava-se fazendo uma lei que visava privilegiar os bons concorrentes. Falava-se em boa-fé, harmonização de interesses, equilíbrio, possibilidade de revisão, uma série de questões", enumerou.

A deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) ressaltou que o CDC entrou em vigor em época de superinflação, de relações trabalhistas sem a solidez atual e em que não havia definições sobre direitos e deveres de consumidores e fornecedores. "O consumidor não tinha consciência do seu papel e tampouco tinha instrumentos para que pudesse perseguir seus direitos. O código veio, nestes 30 anos, sobrevivendo muito bravamente a todas as alterações", disse.

Professor da UFRGS, Bruno Miragem chamou a atenção para o papel de protagonismo que o CDC tomou no sistema jurídico brasileiro, ao trazer ao Direito Privado inovações técnicas e dogmáticas.

"Passamos a falar com mais familiaridade em temas como boa-fé objetiva, responsabilidade objetiva do fornecedor, onerosidade ofensiva, direito à informação. Ele fundou o Direito do Consumidor, mas contribuiu fortemente para a renovação do Direito Civil e do Direito Processual. Por outro lado, exercia e exerce até hoje uma função civilizatória", afirmou.

Jurisprudência
Se o Código de Defesa do Consumidor é uma lei que funcionou no Brasil, é graças à forma que sua aplicação se deu no Judiciário brasileiro. A professora Roberta Densa, da FDSBC, classificou o papel do Superior Tribunal de Justiça nesse processo como de "extrema importância", no estabelecimento de uma interpretação segura, principalmente das hipóteses de aplicação do CDC. Como exemplo, ela usou o tema de contratos bancários.

"Quando você pega esse tema, juntando com a Lei 4.595, que estrutura o sistema financeiro nacional, e o Código Civil, o STJ pacificou essa relação. No passado, tínhamos muita dificuldade de dizer para o consumidor se ele tinha direito frente a uma instituição financeira, porque vivíamos uma loteria de jurisprudência. Temos um quantidade de julgados que pacificou o tema e inclusive ajuda a fazermos com que o sistema financeiro funcione melhor", opinou.

Novos desafios
Para Collor, as novas tecnológicas vão impactar as relações de consumo de tal maneira que esse será o grande desafio do CDC, após 30 anos de existência. Ele se refere a 5G e a chamada "internet das coisas", ao consumo em ambiente virtual, à inteligência artificial e o e-commerce.

"Vai haver uma sofisticação de tal maneira que vai ser necessária uma atualização e aperfeiçoamento do Código de Defesa do Consumidor. Esse é um desafio que teremos pela frente, até para saber a qual Justiça recorrer. Será uma nova etapa para que possamos ter um código realmente atendendo aos interesses da maioria dos consumidores e dos fornecedores", antecipou o ex-presidente.

A deputada federal Margarete Coelho se mostrou confiante com a estabilidade da legislação consumerista em meio a esse novo cenário. "Quando mais se respeita e protege uma lei, mais eficácia ela tem", defendeu. "Acho que um campo que pode resolver é o da hermenêutica. Ele pode ir muito bem renovando e atualizando, porque é um código muito moderno ainda, contemporâneo e que consegue dar conta dos desafios", concluiu.

"O código foi sábio quando, no seu artigo 5º, indicou que dentre seus princípios estaria o estudo constante das transformações do mercado de consumo", disse Bruno Miragem. "Ele se abre para aplicação em relação à nova realidade, a esse mercado digital que transforma o modo como se oferecem produtos e serviços", acrescentou.

Veja abaixo o seminário virtual

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