Opinião

Alienação fiduciária de bens imóveis x Código de Defesa do Consumidor

Autor

  • Tiago e Costa da Conceição Macedo

    é advogado sócio do escritório Celso Barreiro Advogados Associados especialista em Direito Imobiliário e Tributário pós-graduando em Direito Financeiro e Tributário na Uerj e membro do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário).

23 de julho de 2020, 6h34

O aparente conflito normativo entre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.514/97 à resolução dos contratos de alienação fiduciária de bens imóveis e suas consequências ainda traz certa insegurança na prática jurídica.

Apesar de o tema possuir entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, encontramos cotidianamente nos tribunais pátrios as mais distintas decisões. Muitas delas dando conta de permitir a resolução da operação de crédito, determinando ao credor fiduciário a restituição, no todo ou em parte, do que foi pago pelo devedor fiduciante, indo exatamente de encontro ao sedimentado por aquela instância superior.

Algumas dessas decisões dos tribunais ordinários, acreditem, chegam a criar uma espécie de aquarela jurídica, pincelando artigos soltos das diversas legislações para permitir não só a resolução do negócio jurídico determinando a devolução das quantias pagas, como impõe a necessidade de compensação de tais quantias com valores devidos a título de taxa de ocupação pelo tempo que o devedor fiduciante permaneceu na posse direta do imóvel.

Em virtude desse cenário, recentemente, o STJ resolveu incluir a temática no regime de julgamento dos recursos repetitivos, selecionando para tanto o REsp 1.871.911/SP.

Antes de qualquer análise mais profunda é necessário fazer um alerta: toda a discussão gira em torno da possibilidade (ou não) de resolução do contrato de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária com restituição das quantias pagas, em virtude da impossibilidade de pagamento pelo devedor fiduciante ou até mesmo por seu desinteresse em permanecer no negócio jurídico entabulado.

Ressalta-se, assim, que a discussão em tela em nada tem a ver quando existe algum tipo de inadimplemento por parte do credor fiduciário, seja ele um banco ou uma incorporadora.

Temos nesse tipo de ação, fundamentando os pedidos e as decisões, por vezes procedentes e por outras improcedentes, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90); os artigos 26 e 27 da Lei de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis (Lei 9.514/97); e, por fim, a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça. Aqui colocados propositalmente em ordem cronológica.

É preciso identificar e distinguir alguns dos institutos e a aplicabilidade dessas normas jurídicas.

De pronto, temos que é completamente inaplicável, apesar de encontrarmos julgados em outro sentido, a utilização da Súmula 543 do STJ para fundamentar o direito à resolução e restituição das quantias pagas nos contratos de compra e venda de bens imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária, visto que o referido verbete sumular trata especificamente e somente do instituto da promessa de compra e venda. E, como é cediço, trata-se de um instituto completamente diferente do contrato de compra e venda com alienação fiduciária de bem imóvel, cuja natureza jurídica é bem mais complexa, pressupondo um contrato definitivo, um mútuo/operação de crédito, um gravame de garantia real e a transferência da propriedade, ainda que resolúvel, e da posse.

A discussão, efetivamente, cinge-se pela aplicação do artigo 53 do CDC ou dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97 nos casos de inadimplemento por parte do devedor fiduciante.

Por um lado, temos que o CDC naquele artigo preconiza, in verbis: "Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado" (grifo do autor).

Em outro sentido, em caso de inadimplemento do devedor fiduciante, os artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97 dão conta de um longo, burocrático e relativamente custoso procedimento extrajudicial de execução da garantia fiduciária, em que são oportunizadas possibilidades de pagamento do débito em atraso pelo devedor ou ainda a quitação do imóvel e, em última instância, preferência na arrematação do imóvel quando da hasta pública obrigatória.

O entendimento consolidado no STJ é de que nesses casos devem prevalecer os mandamentos legais contidos na Lei 9.514/97 sobre a regra do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, posto ser aquela, como visto acima, lei especial sobre o tema e posterior ao CDC. Note-se, antes da Lei 9.514/97 sequer existia o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, portanto, não seria possível à legislação consumerista trazer regramento sobre algo que ainda não existia. Por outro lado, é plenamente possível vislumbrar que quando o legislador estendeu a normativa do artigo 53 do CDC à alienação fiduciária, o fez pensando no Decreto Lei 911/69, que trata especificamente do instituto da alienação fiduciária aplicável aos bens móveis, legislação específica, porém anterior ao CDC.

Ressalte-se que o presente estudo não propõe ou defende a inaplicabilidade geral do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de compra e venda com pacto de alienação fiduciária, permanece ainda o dever de observância de todos os princípios e regramentos consumeristas desde a fase pré-contratual, quanto durante a execução dos contratos e até após a sua extinção, desde que não sejam conflitantes com a normativa jurídica da legislação especial.

Os institutos realmente são complexos e importam um certo grau de estudo e dedicação, porém não se espera menos dos nossos magistrados.

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