Olhar econômico

Tecnologia e evolução da solução de conflitos

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

23 de julho de 2020, 10h24

Spacca
A invenção e o aperfeiçoamento da máquina a vapor, no final do séc. XVII e no séc. XVIII, na Inglaterra, propiciaram a primeira revolução industrial (1760/1850), caracterizada pelo advento da indústria, que permitiu utilização mais intensa dos recursos naturais; produção de mercadorias em larga escala e facilidade em sua distribuição; novas relações de trabalho; e um novo paradigma de consumo.

A segunda revolução industrial (1850/1945) foi alavancada, mormente, pelo(a): aprimoramento de tecnologias existentes; utilização da eletricidade para movimentar motores; invenção do motor a combustão; utilização do petróleo; e aumento das pesquisas.

A terceira revolução industrial (a partir de 1945) caracterizada não somente pelo contínuo desenvolvimento do processo produtivo, mas também pelo progresso científico (biotecnologia, genética, eletrônica etc.), com fortes consequências, dentre as quais mudanças no modo de vida das pessoas e relacionamento social.

A cada revolução industrial: (i) a amplitude geográfica por ela alcançada foi aumentando, até chegar à universalidade; (ii) aperfeiçoou-se e expandiu-se, crescentemente, a evolução tecnológica; e (iii) novos fatos clamavam sempre mais por regulamentação jurídica condizente.

Embora laivos de pré-direito tenham existido a partir do momento em que os homens passaram a viver em sociedade, a história jurídica iniciou-se nos períodos grego e romano. Na Grécia e na Roma antigas, a ideia de Justiça, simbolizadas, respectivamente, pelas deusas Têmis e Justitia, abrigavam conceitos diversos. Na Grécia a Justiça era entendida filosoficamente; tendo para Aristóteles por finalidade tratar igualmente os iguais e os desiguais de maneira desigual, proporcionalmente. Para os romanos, a Justiça era vista como aplicação do ‘reto’, ou seja, do determinado pela autoridade, na busca da igualdade dos ‘cidadãos’ perante a lei. Na Idade Média, com o direito natural em voga, houve a intenção de humanizar o direito, visto com características religiosas. O justo seria dar a cada um o que é seu. As modernas teorias do direito são muitas e variáveis em seus conteúdos, podendo ser divididas: (i) nas que objetivam a equidade e (ii) nas que procuram o bem-estar.

No que tange à aplicabilidade, a Justiça, no mais das vezes, no dia a dia, é colocada em prática de maneira intuitiva e automática pelas próprias pessoas. A chamada Justiça corretiva ou restaurativa, em que as partes recorrem a um terceiro, é excepcional. Esse terceiro variou através dos tempos. O caminho foi longo: (i) a primitiva autotutela em que a própria parte se arrogava, in re própria, julgar e aplicar a pena, também conhecida como vingança privada – olho por olho, dente por dente -; (ii) o rei, senhor absoluto, que acumulava todo o poder, incluindo o jurisdicional; exercido por ele mesmo ou por outrem, por delegação; e (iii) com o fim do absolutismo, o advento da separação dos poderes, do princípio da legalidade e da codificação, o Estado-juiz, monopolizando a função jurisdicional. Aos poucos foi-se formando um corpo burocrático especializado para exercer a jurisdição em nome do Estado: o judiciário.

Nas últimas décadas, obviamente com intensidade variada de Estado para Estado, duas tendências são notadas: (i) o maior acesso à Justiça; e (ii) ativismo judicial. Ambas contribuem para cumular de processos os tribunais, que por consequência incentivam; quer a utilização de meios de autocomposição (conciliação e mediação); quer o uso de meios e modos que agilizem a prestação jurisdicional.

Entra em cena então a evolução tecnológica, cuja terceira revolução, impactou sobremaneira o direito, alterando a forma de resolução de diferendos.

De um lado, a digitalização da justiça passou a permitir que a análise de dados do resultado de milhões de processos em trâmite nas cortes ampare as estratégias de litigância, o que é chamado jurimetria. De outro, a utilização de plataformas digitais vem facilitando a autocomposição de litígios.

As próprias Cortes de Justiça passaram a incorporar ferramentas tecnológicas que desafiam os paradigmas clássicos. Deixa de ser imprescindível haver um local (a justiça passa a ser um serviço deslocalizado); podendo ser dispensável a presença física das partes. Há mesmo países que ostentam cortes inteiramente virtuais: Singapura, Canadá, China e alguns estados federados dos Estados Unidos da América.

Tanto as cortes on-line, quanto as plataformas de resolução de conflitos são classificadas como sistemas online de resolução de disputas (Online Dispute Resolution). Esses sistemas reinventam a forma de condução do litígio, utilizando técnicas como o staircase approach, que buscam diminuir o otimismo das partes reduzindo as assimetrias informacionais para aumentar as possibilidades de acordo. Muitas vezes, chats, formulários e comunicação assíncrona são suficientes para a resolução do conflito sem a intervenção de um terceiro humano. Quando isso não é possível, entra em jogo a figura do mediador e, só em último caso, busca-se uma solução adjudicada (decisão judicial ou arbitral).

Definitivamente, a tendência de digitalização da justiça aponta para maior eficiência das formas não jurisdicionais de solução de controvérsias, também conhecidas como maneiras alternativas de resolução de conflitos, reservando para a justiça jurisdicional do Estado, apenas determinados tipos de processo; que mesmo assim podem passar a ser conduzidos e tramitados de forma otimizada.

Daí, a importância do estudo da justiça digital e das cortes on-line, cujo esquema, didático e lógico de abordar, poderia ser o seguinte:

1. Justiça digital
2. O subproduto da Justiça digital: a Jurimetria
3. Plataformas on-line de resolução de disputas (ODR)
3.1. Staircase approach como método efetivo de solução de conflitos
4. Cortes on-line
4.1. A Justiça como serviço e não como local. 
4.2. Exemplos de cortes on-line pelo mundo
4.3. Jurimetria e litigância estratégica.

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    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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