"Experiência positiva"

Estratégia arriscada rende cadeia e suspensão a criminalista dos EUA

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22 de julho de 2020, 7h15

Nos quatro dias que antecederam o julgamento de seu cliente, acusado de estuprar uma menina com menos de 13 anos, o advogado Kenneth Ronald Bailey viajou quase 6.500 km para assistir um casamento em Nevada. O juiz havia negado um pedido de adiamento do julgamento pela segunda vez, mas Bailey tinha uma estratégia para adiá-lo na marra: como todo réu tem direito constitucional a um advogado, se ele se retirasse da sala, não haveria julgamento.

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Só ao iniciar o julgamento, Bailey se aproximou do juiz e comunicou que se recusava a participar do julgamento, porque a corte havia decidido não apontar um perito (um psicólogo) para servir de testemunha da defesa, gratuitamente. Sem isso, seu cliente seria privado de um julgamento justo. Além disso, ele estava muito cansado e não se sentia em condições físicas para defender seu cliente apropriadamente.

O juiz negou o pedido e disse a Bailey: "Pode voltar a seu assento". O advogado não se moveu. O juiz repetiu: "Pode voltar a seu assento". Na terceira vez que repetiu a ordem, Bailey retrucou: "Em posso, mas não vou". O juiz condenou, então, o advogado por desacato ao juízo e o sentenciou a 30 dias de cadeia — pena que ele cumpriu inteiramente — e a pagar multa de US$ 250.

O julgamento prosseguiu sem o advogado e o réu, Richard Mick, foi condenado à prisão perpétua, em 2016. Mas, em 2018, um tribunal de recursos anulou o julgamento. A corte justificou sua decisão dizendo que a recusa de Bailey de participar do julgamento privou o réu de seu direito constitucional à assistência eficaz de um advogado. Um novo julgamento em 2019 terminou anulado. Mais um julgamento está marcado para agosto de 2020.

Enfim, essa novela que começou em maio de 2014, quando Mick foi indiciado, ainda não terminou para o réu, mas os desdobramentos no roteiro, no que se refere ao advogado, chegaram a um final um tanto doloroso para ele: a licença de Bailey para exercer a advocacia foi suspensa por um ano, por decisão do Tribunal Superior de Ohio. Porém, a corte determinou a suspensão dos últimos seis meses, condicionalmente — isto é, se ele se comportar.

O pedido de suspensão foi feito pela seccional da American Bar Association (ABA) do Condado de Erie-Huron ao Conselho de Conduta Profissional dos advogados de Ohio. O Conselho recomendou dois anos de suspensão da licença, com suspensão da penalidade no último ano, condicionalmente. O tribunal superior foi mais generoso.

O Conselho alegou que Bailey violou três regras do código de ética: abster-se de conduta intencionada para tumultuar um julgamento; se envolver em conduta prejudicial à administração da justiça; e se envolver em conduta indigna e descortês, que foi degradante para a corte.

Em princípio, Bailey contestou todas as acusações. Mas, em um e-mail ao Jornal da ABA ele foi mais ponderado:

"Tomei essa decisão de me recusar a participar do julgamento porque acreditei, naquele momento e naquele caso, que esse era meu dever para com meu cliente e com a Constituição e que a justiça fundamental sobrepujava a importante necessidade por uma administração da justiça ordeira e eficiente."

"Como o Tribunal Superior reconheceu, eu havia lidado com o caso até aquele ponto com diligência e sinceridade. Sabia que haveria um preço a pagar. Sabia que o desacato poderia significar cadeia e uma queixa poderia significar suspensão. O Tribunal Superior reconheceu isso."

"Fiz uma escolha e irei pagar o preço. Fui preso e isso foi uma experiência positiva para mim e para as pessoas presas comigo. Vou pagar a suspensão e espero que isso também seja uma experiência positiva. Depois, vou retornar à advocacia."

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