Saída de emergência

Estatuto da Pessoa com Deficiência é louvável, mas requer ajustes

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20 de julho de 2020, 17h42

Os recém-completados cinco anos de promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) — também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência — são marcados pelo avanço na instituição de política pública e autonomia das pessoas contempladas pelo diploma, mas ainda com alguma timidez entre o que oferece, o que é praticado e o que deveria efetivamente impor.

ConJur
Essa é a opinião de professores que participaram nesta segunda-feira (20/7) do seminário virtual “Saída de Emergência” com o tema “5 anos do Estatuto da Pessoa com Deficiência: avanços e retrocessos”, transmitido pela TV ConJur. A mediação foi feita por Otavio Luiz Rodrigues Jr, conselheiro do CNMP e professor da USP.

A avaliação geral é positiva, mas há desequilíbrios que saltam aos olhos. Para o professor emérito da UFAL, Marcos Bernardes de Mello, um deles é o tratamento dado à situação da capacidade. O Código Civil de 1916, como explicou, definia que os atos dos incapazes acarretavam nulidade absoluta. No Código Civil de 2002, surgiu a anulabilidade. Nesse ponto, o Estatuto trouxe prejuízo à pessoa com deficiência.

"Retira-se a possibilidade de, simplesmente alegando sua situação, poder anular determinado ato que lhe seja prejudicial. Vai ser tratado como as outras pessoas. Vai ter que provar que houve erro ou dolo, e assim por diante, o que complica extremamente a revisão dos negócios que lhe sejam prejudiciais. Por isso acho que, nesse aspecto, houve um retrocesso muito grande", opinou.

Segundo o professor da UFPR José Antonio Peres Gediel, o estatuto pecou em não abordar melhor a diferenciação entre as deficiências, mas por outro lado trouxe como trunfo o interesse do Estado na construção de políticas públicas, de uma proteção que reduza a marca que é causada por uma sociedade que não consegue dar conta das deficiências.

"É impossível adotar um modelo que seja capaz de tornar todo mundo com capacidade jurídica de fato, passando por cima dessas deficiências, especialmente nos casos mais graves. Considero que há uma mudança de modelo, mas que se dirige à questão da formulação de políticas públicas protetivas dos direitos identitários desse grupo”, analisou.

"A gente não pode achar de modo algum que a criação de um Estatuto da Pessoa com Deficiência vai resolver o problema", concorda o professor da UFBA, Maurício Requião. Ele cita como exemplos o preconceito social sofrido pelas pessoas abrangidas pelo estatuto, além de problemas estruturais do Estado para apoio. O que precisa ser feito, em sua opinião, é tirar o máximo possível a partir da norma.

"Podemos ainda pensar num paradigma de autonomia das pessoas com incapacidade. Essa ideia de promoção da autonomia é essencial. A pessoa com autonomia tem poder de decidir sobre sua vida na esfera negocial e pessoal. Mas em alguns momentos pode ser que não tenha essa autonomia, capacidade ou discernimento. Nesses pontos, podemos, sim, limitar a capacidade para a prática de alguns atos. Sem a declaração genérica de que 'fulano agora é incapaz'. A partir da análise específica, é possível", avaliou.

A professora da USP Iara Pereira Ribeiro concordou com os colegas que a antecederam na fala. Fez elogios à promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas apontou problemas na questão da curatela e citou a possibilidade da tomada de decisão apoiada como sintomática: ela serve para facilitar para quem não tenha capacidade de, sozinho, decidir, mas vem envolta em estrutura burocrática, com envolvimento do Judiciário e do Ministério Público.

“O Estatuto da Pessoa com Deficiência, eu não o vejo como retrocesso. Vejo como uma timidez. Faltou, em alguns pontos, ser mais ousado. É a timidez de perceber: colocou um instituto como da tomada de decisão apoiada, mas ao mesmo tempo o tornou pouco eficaz. Tão pouco eficaz que a gente quase não ouve falar. Às vezes até desaconselha-se", concluiu.

Veja abaixo o seminário virtual

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