Opinião

A política púbica de crédito na Covid-19: responsabilidades e insensibilidades

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20 de julho de 2020, 19h39

Muito se tem falado, nos últimos dias, acerca dos graves problemas experimentados e enfrentados diante da pandemia da Covid-19. Desses desafios, a definição de políticas públicas de crédito é uma das principais ações a serem implementadas por todos os governos afetados.

Governos de vários países não têm medido esforços a fim de minimizar os nefastos impactos que essa pandemia trará para as sociedades e os mercados, seja garantindo uma renda mínima àqueles mais vulneráveis, seja através de exonerações fiscais, alongamento no parcelamento de dívidas tributárias e incentivos para que as empresas, forças motrizes de qualquer economia de mercado consigam, ainda que minimamente, manter empregos e suas atividades.

Seguindo essa toada, o governo federal brasileiro também anunciou pacote de medidas que estabelecem aumento na distribuição de recursos para pessoas em situação de maior vulnerabilidade, prolongamento no prazo para pagamento de obrigações fiscais e tributárias para empresas, entre outras medidas que visam a resguardar os empregos durante o período de crise e a saúde econômica como um todo.

Independentemente desses esforços — que, bom que se diga, precisam de fato sair do papel e chegar ao destino o quanto antes —, é certo que todos, governo, população e empresas, pagarão o preço dessa situação contingencial, cujas proporções ainda nos são desconhecidas.

Em especial, aquelas pessoas de menor poder aquisitivo e as empresas que experimentarão tempos difíceis, tais como as perdas de receita, dificuldades de encontrar insumos e diminuição do consumo diante da perda de poder aquisitivo das pessoas.

Mas não é apenas sobre os efeitos trágicos que pretendemos tratar neste ensaio.

É importante neste instante trazer a lume outra questão de suma importância e que não pode passar despercebida das autoridades competentes, da sociedade e do empresariado brasileiro, conforme abordaremos nos parágrafos seguintes, no que tange ao compromisso para de fato o problema ser enfrentado, no que tange ao crédito.

Segundo dados oficiais obtidos no site da Controladoria Geral da União, o orçamento federal executado do ano de 2019 correspondeu a aproximadamente R$ 3,58 trilhões.

Desse total, pasmem, mais de 40% foram direcionados à rolagem da dívida pública interna. Em outras palavras, pagamento de juros e amortizações aos credores do tesouro, entre eles, na grande maioria, instituições financeiras, nacionais e internacionais, fundos de pensão, entre outros.

E aqui abre-se um parêntese para dizer que as grandes fortunas mundiais estão de alguma forma ligadas às instituições financeiras. A esse respeito, reportamos, por exemplo, recente relatório publicado pela Oxfam [1] e que trata sobre a acumulação de riquezas e a desigualdade social no Brasil e no mundo.

Voltando ao cerne deste artigo, não é de hoje que se alerta para o fato de que no Brasil o cliente bancário, seja ele pessoa física ou jurídica, paga as mais altas taxas de juros do mundo. Só para se ter uma ideia, no caso do cartão de crédito, aproximadamente 400% ao ano e no cheque especial, algo em torno de 320%. Um verdadeiro abuso, para dizer o mínimo. Não há como se cogitar uma sociedade saudável, ou mesmo, sustentável com os juros nestes patamares.

E é curioso observar que esse cenário, de cobrança de altas taxas de juros, não mudou mesmo com a progressiva redução da taxa básica dos juros que o Banco Central adotou nos últimos três anos. De se lembrar que dentre os objetivos principais desta medida do Bacen estavam o barateamento do crédito e o incentivo à produção no Brasil.

Importante, por seu turno, destacar o papel dos Bancos Centrais nos momentos de crise, tal como a de 2008, em que o sistema financeiro só não ruiu em razão da liquidez oferecida por aqueles (Bancos Centrais), evitando as falências bancárias em cascata.

Pois bem, se é certo que toda a sociedade terá que apertar os cintos nos próximos meses e/ou anos, preciso é que as instituições financeiras (leia-se, bancos privados e mesmo os públicos) surfem essa onda e cumpram a sua função social, na mesma proporção, facilitando a liberação do crédito, principalmente aqueles oriundos de linhas de financiamento catapultados por política pública do governo federal.

Infelizmente, até aqui não é o que se tem observado na prática [2]. De acordo com notícias jornalísticas recentes, ao invés de cumprirem sua parte na equação, há relatos de que os bancos de modo insensível estão represando o crédito, aumentando os juros e diminuindo os prazos de vencimento de empréstimos o que, convenhamos vai na contramão do que a economia brasileira precisa neste momento.

E essa falta de solidariedade por parte das instituições financeiras, por certo, ocorre em razão da gritante falta de transparência destas instituições financeiras que já foram salvas anteriormente e aprofundam ainda mais, por consequência, esse crescimento das desigualdades econômica e social no país.

Assim, diante da tragédia vivida dos desempregos e das possíveis falências que virão —, afetando a produção de ponta o presente artigo se propõe a alertar o grupo de autoridades competentes, Congresso, Bacen, Executivo, a fim de que chamem "às falas" e "às responsabilidades" todo o sistema financeiro, para que em conjunto com toda a sociedade se unam para tomarem parte na solução desta crise mundial, e não para que sejam mais uma parte do "problema".

Por derradeiro, a uma, ainda que não se pregue aqui o calote, mas é imperiosa uma revisão na distribuição das receitas da União. Não se pode cogitar de uma sociedade saudável quando de toda a receita do governo, apenas cerca de 4% são destinados à saúde e à educação e 3% para a assistência social, enquanto uma fatia correspondente a mais de 40% do bolo seja destinado àqueles que já concentram as maiores fortunas. A, duas, que se criem instrumentos de governança transparente do sistema financeiro (que seja proposto nas searas cabíveis), para que o Estado retorne a ser o grande árbitro da cena econômica, não ficando à mercê destes atores, de forma que ações de política pública, como a criação de linhas de financiamento, atendam realmente ao seu propósito de ajudar quem precisa.

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