Opinião

A mediação aplicada na recuperação judicial apresenta valiosos benefícios

Autor

  • Mateus D. Cecy

    é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná membro do Grupo de Mediação e Negociação da UFPR e pesquisador na área de recuperação judicial e falências.

16 de julho de 2020, 16h11

A Lei 11.101/2005, que consagrou o instituto da recuperação judicial e das falências de empresas no Brasil, completa 15 anos de vigência. No decorrer deste período, a esfera recuperacional demonstrou uma consolidação gradual em paralelo aos métodos resolutivos extrajudiciais de conflitos, que ganharam maior ímpeto com o Novo Código de Processo Civil e com o marco regulatório da mediação Lei 13.140/2015.

Embora estimulada desde 2015, a interação entre mediação e recuperação judicial caminhava a passos lentos. Até então, o judiciário brasileiro havia tido poucas experiências dessa conjugação, sendo os maiores exemplos o "caso Varig" e o "caso Oi". Este último, a propósito, além de ocupar o posto de maior recuperação judicial do Brasil, foi responsável por demonstrar a efetividade da mediação ao renegociar dívidas com mais de 20 mil credores.

Foram após essas experiências bem sucedidas que um conjunto de outros aparatos legais e recomendações passou a ser formulado pelo próprio judiciário para incentivar feitos como estes. No próprio ano de 2016, através da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, restou estampado no Enunciado 45 [1] que "a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais". Subsequentemente, em 2019, o CNJ lançou a Recomendação nº 58 [2], que receitou os novos ditames da mediação nas demandas recuperacionais em termos mais específicos, orientando os magistrados à promoção, sempre que possível, do uso da mediação nos feitos de recuperação judicial.

No fim do ano de 2019, quando restou aferido pelo IBGE que pela quarta vez consecutiva o Brasil fechou mais empresas do que abriu [3], com a consolidação do comércio digital e com a crise sanitária do coronavírus, o Judiciário precisou buscar soluções para não entrar em colapso com a massificação do acervo de processos judiciais nas varas.

Dentro desse contexto, a mediação passou a ser a maior aliada dos processos de recuperação judicial, seja na fase pré-processual ou no decorrer da demanda, funcionando como elemento diferencial, apto a garantir a celeridade e efetividade das negociações e do processo.

Por força legal [4], o processo de recuperação judicial exige a apresentação de um plano de recuperação pela empresa devedora, em outras palavras, um documento que esclareça quais serão as condições de pagamento aos credores e seu respectivo planejamento para se reerguer no mercado. Cabe ressaltar que esse plano fica sujeito à aprovação dos credores em assembleia geral, que podem aceitar ou não as condições apresentadas pela devedora.

O plano de recuperação, por estar submetido à aprovação em assembleia, depende de um constante diálogo entre a companhia devedora e seus credores, visto que a grande tendência é de que o plano não seja aprovado caso não atenda os anseios financeiros da maioria dos interessados. É nesse escopo que a mediação se torna uma ferramenta precisa para que haja um ambiente de diálogo entre as partes, visto que a realização de sessões extrajudiciais permite que a devedora entenda cirurgicamente quais são os interesses que devem ou não estar contemplados no plano de recuperação, facilitando não só a aprovação deste pelos credores em assembleia, quanto sua viabilidade de execução no período de recuperação.

Em caráter prático, o Judiciário paranaense demonstrou grande entusiasmo e avidez no incentivo à mediação nos processos de recuperação judicial durante a crise sanitária oriunda da Covid-19. Em abril de 2020, o TJ-PR anunciava a criação do Cejusc Recuperação Empresarial [5] na Comarca de Francisco Beltrão. Idealizada pelo magistrado e professor doutor Antonio Envangelista Souza Netto, em conjunto com os desembargadores José Laurindo de Souza Netto e Ramon Nogueira, o centro conciliativo passou a aplicar a mediação e a conciliação tanto em caráter pré-processual quanto em processos de recuperação judicial já em curso.

Todavia, tradicionalmente, a formação acadêmica dos juristas no Brasil demonstra um alto incentivo à processualização dos litígios, com pedidos indenizatórios estratosféricos e um otimismo exacerbado quanto a seus direitos. Certamente um grande entrave continua sendo a falta de costume do jurista brasileiro em transacionar, não obstante a grande maioria dos ajuizamentos de processos de insolvência se dê em uma escala em que todos saem perdendo, visto que o tempo e dinheiro despendido nessas demandas poderiam ser poupados com a utilização de métodos mais efetivos que possibilitassem o pagamento dos credores em condições mais adequadas para todos.

É dentro desse contexto que ficam muito claras as vantagens da utilização de sessões de mediação em processos de recuperação judicial. Primeiramente, ressalta-se a celeridade, visto que a mediação pré-processual poupa o empresário de se preocupar com um procedimento complexo de insolvência. Outrossim, com a utilização de métodos conciliativos, o empresário tem muito mais autonomia, podendo sair da rodada a qualquer momento e, mesmo assim, tendo a confidencialidade de tudo o que foi discutido até então garantida, o que se difere de um processo de recuperação comum. Ainda, há um arcabouço digital que possibilita que a mediação seja aplicada à distância, não havendo a necessidade de sessões presenciais, fato que se comprova como grande exemplo no "caso Oi", no qual as rodadas se deram majoritariamente em meio virtual. Por fim, é válido mencionar que a utilização da mediação em feitos de insolvência permite a avaliação do limite da negociação com os credores, visto que através de sessões conciliativas, por mais que não se chegue a um acordo, pode a devedora fazer um ensaio do que seria viável para seu plano de recuperação ao entorno das limitações das partes interessadas.

Além disso, a Lei de Recuperação Judicial e Falências introduz ainda o instituto da recuperação extrajudicial, o qual tem o mesmo objetivo da recuperação judicial comum: o soerguimento da companhia devedora e a manutenção de sua função social, contudo, fora da esfera judicial. Dessa forma, demandas de recuperação extrajudicial dependem muito mais da negociação entre as partes, cabendo a elas a construção conjunta de um plano de recuperação, ambiente no qual a mediação e conciliação também são muito bem-vindas.

Feitas as oportunas ponderações, a mediação demonstra valiosos benefícios se incentivada e aplicada no âmbito da recuperação judicial. Entretanto, é notório que não obstante ao Brasil possuir um arcabouço legal que possibilite a conjugação destes dois institutos, a cultura litigante do jurista brasileiro precisa se moldar para a devida aplicação dos métodos autocompositivos. Por fim, registre-se que, apesar de a pandemia da Covid-19 ter acarretado imensos óbices à esfera política e econômica do país, também pode representar um grande marco para a utilização da mediação nos processos recuperacionais.

 


[4] "Artigo 53 – caput. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter: (Lei 11.101/2005)".

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    é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Mediação e Negociação da UFPR e pesquisador na área de recuperação judicial e falências.

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