Palavra por palavra

Fala de Gilmar sobre militares ainda causa impacto. Leia na íntegra o que ele disse

Autor

16 de julho de 2020, 15h21

A participação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em uma live promovida pela revista Istoé no último sábado (11/7) continua causando grande impacto nos universos político, jurídico e militar brasileiros. No encontro virtual com autoridades e médicos, o magistrado criticou o fato de o Exército ter incorporado o Ministério da Saúde, afirmando que a instituição se associou a um "genocídio", referindo-se à falta de ações eficientes do governo federal no combate à Covid-19. 

Reprodução
Reprodução

A repercussão da declaração do ministro foi enorme, especialmente depois que o Ministério da Defesa enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia de fato contra Gilmar por causa do uso da palavra "genocídio". Em seguida, o ministro disse que jamais tentou ofender a honra das Forças Armadas, mas conclamou por uma "interpretação cautelosa" do momento atual, em que quadros do Exército estão sendo nomeados em lugar de técnicos na área da saúde pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

A fala que gerou grande polêmica aconteceu depois de quase 1h30min de debate, quando disse o ministro do Supremo: "(…) Pode ter estratégia, pode ter tática em relação a isso, mas é impossível, não é aceitável, que se tenha este vazio no Ministério da Saúde. Pode-se até dizer "ah, a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios". Se for essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa. E isso é ruim, é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a este genocídio. Não é razoável. Não é razoável para o Brasil. É preciso dizer, é preciso pôr fim a isso".

Assistida por pouco mais de 77 mil pessoas — até a tarde desta quinta-feira (16/7), 781 haviam reagido positivamente à transmissão e 2,6 mil tiveram reação negativa — , a live virou assunto nacional, mas poucos conhecem o contexto em que foram ditas as palavras do ministro. Por isso, a ConJur publica na íntegra as declarações de Gilmar sobre saúde e pandemia, que não se limitam a avaliar a participação das Forças Armadas na crise da Covid-19.

Leia a seguir, na íntegra, as falas na live do ministro Gilmar Mendes sobre Covid-19: 

a partir de 4min10
Desembargador Ney Bello —  (…) Vou passar a palavra ao ministro Gilmar Mendes. Ministro Gilmar, para as suas considerações. Muito obrigado.
Gilmar Mendes — Boa tarde a todos. Cumprimentar ao Rodrigo e ao Ney, cumprimentar ao ministro Mandetta, cumprimentar ao Germano, cumprimentar ao Drauzio Varella, doutora Maria do Rosário, cumprimentar a todos a que estão nos seguindo, dizer da alegria de estarmos aqui neste momento. É bastante peculiar, para dizermos o mínimo, dizermos da satisfação de estarmos podendo discutir esta questão em um momento bastante difícil em que de fato nós temos que olhar o que fizemos no passado, o que erramos e o que podemos fazer de melhor no futuro, né? Eu estou neste momento em Lisboa. Em que se discute o que se acertou e o que se errou na estratégia portuguesa. Hoje se discute, por exemplo, a recomendação para que ingleses não venham para Portugal, tendo em vista as consequências que já se mostram aí da reabertura e, em suma, todos têm aí um aprendizado que nós já falamos da outra vez que estivemos juntos com o ministro Mandetta. Sobre os problemas sanitários de Portugal, padecem um pouco dessas mazelas de um país, vamos chamar assim, com um desenvolvimento menos acentuado do que outros países da Comunidade Europeia e paga um preço também por isso, e se reconhece que a estratégia foi correta, mas há problemas também que têm a ver com as deficiências sanitárias que o país padece. Muitas pessoas morando na mesma casa. Aqueles problemas que nós já discutimos no Brasil. É claro que a questão não tem a mesma dimensão, até porque também Portugal, como nós sabemos, tem uma população de 10, 11 milhões de habitantes, é uma outra dimensão, é uma cidade brasileira. E o ministro Mandetta, desde o primeiro encontro que nós tivemos, chamou a atenção para os desafios que nós tínhamos: o desafio urbanístico, o desafio sanitário, e tudo mais. Então vamos aproveitar a presença desses especialistas para que nós possamos discutir as questões nestas múltiplas perspectivas que se colocam e que possamos discutir também o futuro do Brasil pós-Covid-19. Se é que a gente já pode falar nisso. Mas é importante que a gente possa traçar um futuro para esta situação.
Ney Bello — Muito obrigado, ministro Gilmar…

a partir de 1h27min48
Germano Oliveira — Deixa eu falar uma coisa, eu ia encerrar agora, mas os internautas, ministro Gilmar, estão perguntando: e o ministro Gilmar? Porque os internautas estão vendo o senhor aqui na tela e falando por que que o ministro Gilmar não fala? Então, antes de encerrar, eu gostaria de saber: doutor Gilmar Mendes, o senhor, como um dos maiores juristas do país, como um dos ministros mais preocupados no STF com a questão da pandemia — eu sempre vejo o senhor fazendo pronunciamentos no Twitter e tal. Como é que o senhor vê hoje o combate ao coronavírus aqui no Brasil? O senhor que está em Portugal aí…
Gilmar Mendes — É claro que eu compartilho das preocupações que já foram aqui colocadas pelos especialistas, e é importante que nós ouçamos os especialistas, como disse o ministro Mandetta, nós não queremos ser especialistas nem em logística nem em balística, né? Nós não queremos causar mortes. E o ministro Mandetta tinha chamado a atenção e acho que isso foi divulgado pela imprensa, que se não houvesse determinadas cautelas, talvez o presidente tivesse que requisitar caminhões do Exército para carregar… Nós estamos muito próximos deste quadro, infelizmente, né? Já ultrapassamos a marca dos 70 mil mortos e talvez nos avizinhemos daquilo que se desenhou lá no passado, a ideia de atingirmos aí essa marca macabra de 100 mil mortes. É altamente constrangedor, isso tem múltiplas causas, mas tem uma causa de má governança, e isso precisa ser dito. Eu posso dizer, da perspectiva do Supremo, que nós temos a consciência — e isso já foi dito pelo doutor Varella —, nós não contribuímos para isso, ao revés, nós cuidamos para que fosse fortalecido… Fossem fortalecidos os princípios da OMS, que fossem fortalecidos os princípios científicos. Dissemos, na linha do que está na Constituição, do modelo tripartite que está desenhado no artigo 196, nós enfatizamos a corresponsabilização de União, Estados e municípios. E dissemos que a competência da União não ia excluir a dos Estados e municípios que se pautassem pelos critérios da OMS, portanto, critérios científicos. Isso foi enfatizado e eu tenho certeza que a História e no futuro se fará justiça ao Supremo Tribunal Federal. Validamos algumas medidas do governo, invalidamos outras, e enfatizamos a necessidade de que houvesse essa pauta de responsabilidade. É, em relação ao meu colega, por exemplo, ministro Alexandre, se fala "ah, o ministro Alexandre participa de conspirata ou está interessado em dificultar a vida do governo"… Eu tenho que dizer só uma coisa — é claro que ele nem precisa de defesa —, mas foi o ministro Alexandre que permitiu que corresse sangue na veia governamental ao suspender as normas que mediam as ações do governo na Lei de Responsabilidade Fiscal, dando segurança para houvesse ações governamentais em momento dramático. E fomos nós, eu mesmo participei ativamente junto com José Roberto Afonso, com Rodrigo Maia, que insertamos a tal PEC do Orçamento de Guerra, para que houvesse essa reação governamental sem as inibições que nós temos… E validamos também a medida provisória — o ministro Mandetta inclusive fez considerações sobre isso em outro momento — sobre o erro grosseiro, né, a questão de… a possi… a avaliação… Nós temos que fazer diagnóstico, quer dizer, os gestores têm que fazer diagnósticos e prognósticos dentro das circunstâncias em que eles estão inseridos. E isso é preciso serviços (? min: 1:31:59), do contrário haverá no futuro, e sempre temos aí os engenheiros de obras feitas, né, normalmente promotores, juízes, que saem aí a ensinar padre nosso a vigário, né, sair a dizer "não, esse ato foi cometido com esse vício…", não levando em conta o momento em que se tomou a decisão. Então, tudo isso precisa ser considerado, e isso tudo foi discutido e meditado pelo tribunal. Mas eu queria encerrar dizendo uma coisa que me tocou muito: acho que, de fato, somos uma das maiores nações do mundo, eu vejo aqui em Portugal toda hora notas ruins em relação ao Brasil, em relação ao nosso processo civilizatório, né? É altamente constrangedor. As pessoas perguntam "o que aconteceu com o Brasil?", né? O Brasil que sempre nos trouxe lições, lições de soft power, lições de civilização, né? Agora o Brasil é muito mais visto. E eu vou ficar só com esse exemplo. O exemplo da saúde. Há um direito hoje muito reconhecido na União Europeia reconhecido, que é o direito à boa governança. Nós não podemos mais tolerar essa situação que se passa com o Ministério da Saúde. Pode ter estratégia, pode ter tática em relação a isso, mas é impossível, não é aceitável, que se tenha este vazio no Ministério da Saúde. Pode-se até dizer "ah, a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios". Se for essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa. E isso é ruim, é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a este genocídio. Não é razoável. Não é razoável para o Brasil. É preciso dizer, é preciso pôr fim a isso.

a partir de 1h43min46
Germano Oliveira Ministro Gilmar, então, para a palavra final.
Gilmar Mendes Agradecer a todos, agradecer a você, Germano, pela parceria com a IstoÉ e o IDP, agradecer a todos os participantes, ministro Mandetta, Maria dos Remédios, doutora Maria dos Remédios, doutor Drauzio Varella, ao Rodrigo, ao Ney Bello, ao Vitor, pela participação, e dizer que, de fato, acho que nós temos muitos desafios pela frente. ministro Mandetta já enunciou que nós tivemos um ativo em tantos passivos, que foi o SUS, embora uma obra em fazimento, in fieri, é de fato uma peça de resistência nesse quadro extremamente problemático. E isso também foi enfatizado pelo doutor Drauzio Varella. Acho que isso é um ativo que nós temos que cultivar e aperfeiçoar. Eu acho que temos que cuidar dessa questão. O ministro Mandetta, na primeira exposição a que eu assisti no Supremo Tribunal Federal, nos chamou atenção para as vulnerabilidades que nós tínhamos. A questão da moradia, as más condições das nossas grandes cidades, a partir do Rio de Janeiro, que ele tinha previsto que nós íamos ter muitas mortes, dificuldades inclusive de tirar as pessoas dessas chamadas comunidades. Nós negligenciamos essa temática. A falta de saneamento, a falta de condições sanitárias. Isso já foi apontado também pela doutora Maria dos Remédios. Acho que isso é fundamental, acho… Eu tenho conversado com um colega economista professor nosso, o professor Zé Roberto Afonso, que é o autor, talvez o principal autor, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do seu pré-projeto, e ele tem dito: ao lado dessa ideia de responsabilidade fiscal, que é relativamente exitosa no Brasil, nós teríamos que pensar em uma Lei de Responsabilidade Social, que fortalecesse essas questões e que nos permitisse enfrentar essas fraturas expostas que ficaram claramente demonstradas durante a pandemia. Acho que essa é uma tarefa importante que nós temos que enfrentar nesse momento de eventual pós-Covid-19.

Clique aqui para assistir à live, ou veja logo abaixo:

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!