Dedo na ferida

Militares inventam guerra contra Gilmar para desviar foco, dizem advogados

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14 de julho de 2020, 19h01

Divulgação/AASP
Gilmar Menes defendeu a importância de ter técnicos no Ministério da Saúde para combater o avanço da Covid-19 no país
Divulgação/AASP

Em nota divulgada nesta terça-feira (14/7), o grupo Prerrogativas, que reúne advogados, professores, magistrados e juristas, afirma que o ataque ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é uma tentativa de "desviar o real foco: o massacre de dezenas de vidas proporcionado por ausência de políticas públicas, pela delegação das nobres funções do Ministério da Saúde a militares sem expertise pela negação científica da própria pandemia".

Gilmar vem sendo alvo de críticas do governo e de militares por ter declarado que as Forças Armadas estão se associando a um genocídio por ter militares em diversos postos-chaves no Ministério da Saúde durante a pandemia.

Apesar da forte reação, o ministro do STF afirmou nesta terça que jamais tentou ofender a honra das Forças Armadas, mas conclamou por uma "interpretação cautelosa" do momento atual, em que quadros do Exército estão sendo nomeados em lugar de técnicos na área da saúde pelo governo de Jair Bolsonaro.

Pelas redes sociais, Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, escreveu: "Não julgo as palavras escolhidas por Gilmar Mendes para comentar a conjuntura nacional em uma palestra. O que julgo e apoio é a clareza do diagnóstico, o descortino da análise e a autoridade para chamar à razão lideranças que não podem se omitir diante de mais de 70 mil mortos".

Até esta segunda-feira (13/7), o país registrava 1,8 milhão de casos confirmados da doença, e estava perto das 73 mil mortes. O Ministério da Saúde é comandado interinamente por um general, Eduardo Pazuello, após pedido de demissão de dois ministros (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich).

Leia abaixo a nota na íntegra:

No filme Wag the Dog (no Brasil, Mera Coincidência), dois personagens, interpretados por Robert de Niro e Dustin Hofman, são chamados para resolver uma crise no salão oval da Presidência dos Estados Unidos.
O presidente havia sido filmado em atitude inapropriada com uma menor de idade.
Os dois personagens, especialistas em “limpeza”, têm a seguinte ideia: inventar uma guerra contra a Albânia. E então fazem uma superprodução. E o povo acredita.
No Brasil, o governo, integrado por um expressivo número de militares, e em maus lençóis por causa da péssima gestão da crise da Covid-19, em que sequer ministro da Saúde existe, inventou uma “guerra contra a Albânia”, para com isso desviar a atenção do fracasso e da triste marca de mais de 72 mil mortos até o presente momento.
Quem botou o dedo na ferida do governo foi o ministro do STF Gilmar Mendes, ao dizer, em webinar no último dia 11, que não era aceitável o vazio  no comando do Ministério da Saúde e que, se o objetivo de manter um militar à frente da pasta era o de tirar o protagonismo do governo na crise, o exército estaria se associando a esse “genocídio”.
Semelhantes críticas já foram feitas por diversas autoridades. A palavra genocídio é uma clara hipérbole para mostrar o tamanho da crise e do descaso do governo para com dezenas de milhares de mortes, que logo chegarão à casa de uma centena de milhar. E como chamaremos a morte de mais de cem mil pessoas?
Por óbvio que o contexto da fala do ministro e dos demais participantes da webinar mostrava claramente que se tratava de uma hipérbole, ou seja, quando mais de 70 mil pessoas são mortas deixando mais de 200 mil pessoas-familiares enlutadas, afora os efeitos econômicos da perda de arrimos, qualquer expressão se torna fraca e incapaz de demonstrar o tamanho da tragédia. Óbvio isso.
Enquanto o ex-ministro do governo Mandetta dizia que o Ministério da Saúde tinha acabado, entre outros adjetivos, as Forças Armadas decidiram atacar os mensageiros. Mais, decidiram brigar com os fatos e, para tanto, inventaram uma guerra com a Albânia, atacando o ministro Gilmar, para, assim, insistimos, desviar o real foco: o massacre de dezenas de vidas proporcionado por ausência de políticas públicas, pela delegação das nobres funções do Ministério da Saúde a militares sem expertise e pela negação científica da própria pandemia.
A trajetória do ministro Gilmar é conhecida de todos. Sempre respeitou as instituições. Como presidente do STF, implementou o maior programa de ressocialização de presos e denunciou os perigos de um estado policial.
Como ele mesmo afirmou em nota, “além do espírito de solidariedade, devemos nos cercar de um juízo crítico sobre o papel atribuído às instituições no enfrentamento da maior crise sanitária e social de nosso tempo”.
Portanto, é hora de os brasileiros e as autoridades juntarem esforços para combater a crise sanitária e a crise econômica e não para vitaminar falsas polêmicas por meio da artificial construção de crises políticas, desviando os olhares da sociedade.
Seguimos. Os desafios são grandes.

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