Opinião

A Emenda Constitucional 107/2020: remendos (já?!) necessários

Autor

  • Joaquim Tavares Perrelli

    é servidor público lotado no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mestre em Economia pela PUC-SP pós-graduado em Economia por CEAG–EAESP–FGV e graduando em Direito na Unip.

14 de julho de 2020, 13h05

Sem absolutamente expressar qualquer atrevimento na forma de crítica ao excelso trabalho de todos os nobres parlamentares das duas casas, assistimos nos últimos dias ao processo de elaboração, tramitação e votação da Emenda Constitucional de 2020, que cuida do adiamento das eleições previstas para o corrente ano.

De modo algum em um ano como este que passamos caberia nenhum tipo de questionamento àquela iniciativa, e resta a esperança de que seja efetiva e minimize da melhor forma os riscos aos eleitores, e a todos aqueles servidores envolvidos na gestão dos trabalhos requeridos para a condução das eleições. E, por que não, até mesmo aos candidatos…

A EC 107/20 estabeleceu as novas datas do pleito para o primeiro e segundo turnos em 15 e 29 de novembro de 2020, respectivamente.

E, por conta dos procedimentos decorrentes do preparo para as eleições, tais como aqueles das convenções partidárias, propaganda eleitoral, registro de candidaturas e outros, ajustou também as datas limites para cada uma destas ações.

Ocorre que a Legislação Eleitoral vigente, in casu, Lei Complementar n° 64/90 e Lei 9.504/97 (além das demais leis que regulamentam e aperfeiçoam esses textos), requer uma leitura mais aprofundada no tocante às datas e procedimentos a serem seguidos por diversos órgãos do setor público, entre os quais aqueles reservados aos Tribunais de Contas, para o que nada foi mencionado no texto da EC 107/2020.

A começar pela LC 64/90, fica determinado que são inelegíveis para qualquer cargo:

"Os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do artigo 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição" (Brasil, Lei Complementar 64/90, Artigo 1°, Inciso I, Alínea g).

Por sua vez, a Lei Eleitoral, ou Lei 9.504/97, determina aos Tribunais de Contas que até as 19h do dia 15 de agosto de cada ano eleitoral disponibilizem à Justiça Eleitoral a relação dos que tiveram suas contas julgadas irregulares. É a expressão literal do parágrafo 5° do artigo 11:

"Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado" (Brasil, Lei 9.504/1997, Artigo 11, §5°).

Em que pese a referida relação, bem como os pareceres das cortes de contas, terem sido pisoteados pela jurisprudência das cortes superiores do Judiciário brasileiro, inclusive pela própria Justiça Eleitoral, a emenda constitucional nada mais determinou em seus comandos, quanto à disponibilização ou envio da relação de agentes responsáveis por contas julgadas irregulares, da parte dos Tribunais de Contas.

A releitura da EC 107/2020 não permite aduzir qual deverá ser o procedimento dos Tribunais de Contas quanto ao envio ou como queiram, disponibilização da relação comandada pelo parágrafo 5° do artigo 11 da Lei 9.504/97.

Mas uma conclusão óbvia a partir da análise da Lei 9.504/97 é que o envio da aludida relação ocorre na mesma data considerada limite para o registro das candidaturas, algo que em condições normais é dia 15 de agosto do ano das eleições.

Considerando este ano de 2020, o fato de ser ano eleitoral, agravado por uma pandemia de proporções até agora não conhecidas em sua totalidade, não implica que os Tribunais de Contas não irão mais julgar nenhuma das matérias associadas às prestações de contas dos agentes políticos após o dia 15 de agosto. Pelo contrário.

As cortes de contas não param e nem são seus julgamentos selecionados conforme os requisitos estabelecidos pela legislação eleitoral.

Com isso o que precisa ser dito é que, após o dia 15 de agosto de 2020, os processos das matérias que ensejam inelegibilidade continuarão a ser julgados bem como, transitarão em julgado diversos deles, até a nova data de registro das candidaturas, prevista hoje para o dia 26 de setembro.

Assim, resta a dúvida de qual será o tratamento a ser dado pela Justiça quanto à assimetria entre os direitos de candidatos que tenham sido relacionados por suas contas julgadas irregulares até o dia 15 de agosto e que poderão ser considerados inelegíveis, vis a vis os candidatos que tiveram seus processos sentenciados pela irregularidade, transitado em julgado entre esta data e a nova data de registro, ou seja 26 de setembro.

Sobrou, portanto, para a analogia e para a equidade resolver como será o tratamento a ser dado pela Justiça Eleitoral às relações por serem enviadas pelos Tribunais de Contas Brasileiros, ao mesmo tempo em que resta aos candidatos que eventualmente tenham suas contas reprovadas, a sorte dos respectivos processos não transitarem em julgado antes de 15 de agosto.

 

As minhas opiniões são independentes e não se vinculam a nenhum tipo de manifestação ou posicionamento do órgão público para o qual trabalho em regime estatutário.

Autores

  • é servidor público lotado no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, mestre em Economia pela PUC-SP, pós-graduado em Economia por CEAG–EAESP–FGV e graduando em Direito na Unip.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!