Opinião

Resolução CNJ 324/2020: gestão documental e da memória do Judiciário

Autor

  • Carlos Alexandre Böttcher

    é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em História do Direito (Direito Civil) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Romano pela Università di Roma La Sapienza (Itália). Membro do Comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Membro da Câmara Setorial de Arquivos Judiciários (CSAJ) do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). Juiz formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM).

14 de julho de 2020, 18h05

Introdução
A Resolução nº 324, de 30 de junho de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1] trouxe importantes avanços e novidades para a Gestão Documental e a Gestão da Memória do Poder Judiciário. Em razão da natureza de Resolução do ato aprovado, a disciplina da matéria adquire caráter obrigatório aos Tribunais do país, então inexistente na anterior Recomendação CNJ 37/2011.  

A norma recente sintetiza o amadurecimento e a expansão do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) do CNJ, existente há pouco mais de uma década, não só pela sua força cogente, mas também pela disciplina da Gestão dos Documentos Digitais e da Gestão da Memória. Os processos judiciais eletrônicos, que tiveram considerável incremento nos últimos anos, ainda não contam com tratamento arquivístico em ambiente de preservação digital sistêmica. A Gestão da Memória, a seu turno, veio a ser sistematizada por diretrizes e regras, pela primeira vez.     

A Gestão Documental, decorrente de mandamento constitucional, existe para assegurar o acesso à informação e a integridade dos documentos para o exercício de direitos pelo cidadão durante o tempo necessário para tal. Também existe para garantir a preservação dos documentos históricos, que fazem parte do Patrimônio Cultural nacional.

Muitos órgãos do Poder Judiciário implementaram políticas de Gestão Documental nos últimos anos e conseguiram progressos na matéria. A nova Resolução, ao estabelecer diretrizes e normas, traz maior embasamento não apenas para o descarte seguro dos processos, cuja custódia não seja mais necessária em razão do cumprimento de suas finalidades, mas também para a preservação daqueles de guarda permanente.  Com isso, espera-se alcançar considerável economia de recursos humanos e materiais empregados no armazenamento da massa documental, assim como tratamento mais adequado de conservação dos processos históricos para maior difusão e acesso a esse Patrimônio Cultural.

Nos parágrafos seguintes, veremos os principais fundamentos constitucionais e legais da Gestão Documental e da Gestão da Memória, breve histórico do Proname do CNJ e as principais novidades encampadas pela Resolução CNJ 324/2020 na normatização da matéria.

Fundamentos Constitucionais e Legais
A Gestão Documental e a Gestão da Memória, tratadas pela Resolução, encontram seus fundamentos na Constituição Federal, que prevê, em seu artigo 5º, incisos XIV e XXXIII, o acesso à informação como direito fundamental, garantindo a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral.

De maneira expressa, a Constituição prescreve, no artigo 216, parágrafo 2º, que cabem à administração pública a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Por outro lado, o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, conforme artigo 215.

Os acervos documentais e a memória do Poder Judiciário fazem parte do Patrimônio Cultural brasileiro, cabendo ao Estado, com o apoio da comunidade, sua promoção e proteção, conforme artigo 216, inciso IV e parágrafo 1º.

Ao Conselho Nacional de Justiça, nos termos do artigo 103-B, parágrafo 4º, da Constituição Federal, compete o controle da atuação administrativa do Poder Judiciário, em que se incluem a coordenação e a normatização das políticas de Gestão Documental e da Memória. 

Portanto, é necessário situar essa temática sob o prisma constitucional e dos direitos fundamentais, pois ainda subsiste desconhecimento sobre a matéria e o relevante papel das unidades de Gestão Documental e dos Arquivos Judiciais como guardiães de rico patrimônio histórico, que contém múltiplas fontes de pesquisa a variados ramos da ciência. 

Ademais, muitos diplomas normativos embasam a matéria, tais como as Leis nº 8159/91, 9605/98, 11.419/06, 12.527/11,  das quais se destaca a primeira, que estabelece a política nacional de arquivos públicos e privados, determinando o dever de o Poder Público promover a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos como instrumento de apoio à administração, à cultura e ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.
 

Breve Histórico do Proname do CNJ
O Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) foi lançado em 12/12/2008 por meio de acordo de cooperação entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) vinculado ao Arquivo Nacional.[2]

O termo de cooperação tinha como objetivos, dentre outros, o desenvolvimento de ações integradas com foco na implantação de política pública nacional de gestão documental e memória do Poder Judiciário; padronização das práticas e instrumentos de gerenciamento arquivístico, contemplando a harmonização dos prazos de guarda e a destinação final dos documentos de arquivo;  preservação e divulgação dos documentos históricos do Poder Judiciário.[3]

No ano seguinte, em 2009, o Programa teve início efetivo com a criação de Comitê, [4] que tem como principal função propor instrumentos de gestão documental e normas do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário-Proname [5] ao CNJ. O Comitê do Proname, composto por representantes de todos os segmentos do Poder Judiciário, do próprio CNJ e do Conarq,[6] tem importante papel para o desenvolvimento das políticas de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário.  

Como resultado desse trabalho inicial, foi editada a Recomendação CNJ 37/2011, que elencava diretrizes e instrumentos do Programa, critérios de avaliação de documentos para eliminação ou destinação à guarda permanente. A Recomendação representou notável avanço ao trazer essas orientações de Gestão Documental para o Poder Judiciário, servindo de base para a instituição das políticas próprias dos vários órgãos. [7] Houve evolução com a edição da Recomendação CNJ 46/2013, que possibilitou a celebração de convênios com órgãos ou entidades de caráter histórico, cultural e universitário para auxílio nas atividades de Gestão Documental.

Nos últimos meses, o Programa teve notáveis progressos com a edição da Resolução CNJ 296/2019,[8] que criou a Comissão Permanente de Gestão Documental e Memória, a Resolução CNJ 316/2020,[9] que instituiu o 10 de Maio como Dia da Memória do Poder Judiciário [10] e da Resolução CNJ 324/2020, ora em análise.

Resolução CNJ 324/2020: Principais Aspectos
A Resolução é composta por quarenta e quatro artigos distribuídos da seguinte forma: Capítulo I. Das Disposições Preliminares (artigos 1 a 3); Capítulo II. Do Proname (artigos 4 a 7); Capítulo III. Do Comitê do Proname (artigos 8 a 10); Capítulo IV. Da Comissão Permanente de Avaliação Documental (artigos 11 a 14); Capítulo V. Das Normas de Gestão de Documentos (artigos 15 a 30), subdividido em Seção I. Da Avaliação e Destinação de Documentos e Seção II. Dos Documentos e Processos de Guarda Permanente; Capítulo VI. Da Gestão de Documentos Digitais (artigos 31 a 34); Capítulo VII. Da Conversão do Suporte (artigos 35 a 36); Capítulo VIII. Da Gestão da Memória do Poder Judiciário (artigos 37 a 40); Capítulo IX. Das Disposições Finais (artigos 41 a 44).

Os principais aspectos da Resolução são tratados a seguir.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo


[1] DJe/CNJ, nº 215, de 09/07/2020, p. 4-11. Disponível em:  <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3376>. Acesso em: 13/07/2020.

[2] <https://www.conjur.com.br/2008-dez-11/cnj_lanca_programa_preservar_documentos_historicos>. Acesso em: 07/07/2020. A notícia destaca os objetivos de preservação de documentos de valor histórico e a liberação de espaços físicos em prédios públicos que abrigam processos arquivados  

[3] Ata da reunião plenária disponível em:  <http://conarq.gov.br/images/Atas/Ata_51_reuniao_plenaria_ordinaria_conarq_20081212.pdf. Acesso em: 07/07/2020. Muitos desafios permanecem, como se pode observar no Diagnóstico dos Arquivos do Poder Judiciário – Relatório Proname disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/05/Relatorio-Proname-revisado-1.pdf >. Acesso em: 08/07/2020.

[4] Pela Portaria CNJ 616 de 10/09/2009. Disponível em <https://atos.cnj.jus.br/files//portaria/portaria_616_10092009_18102012212627.pdf> Acesso em: 07/07/2020.

[5] Artigo 2, inciso I, da Portaria CNJ 105 de 18/09/2015. Disponível em <https://atos.cnj.jus.br/files//portaria/portaria_105_18092015_24092015162330.pdf> Acesso em: 07/07/2020.

[6] A composição atual é indicada pela Portaria CNJ 159/2008 com modificações posteriores. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/compilado164215201911225dd80fe73ecaa.pdf> Acesso em: 07/07/2020.

[7] Para aprofundamento sobre a temática da Gestão Documental e a Recomendação CNJ 37/2011, confiram-se SLIWKA, Ingrid Schroder. Considerações sobre a gestão documental de autos findos. Revista CEJ, Disponível em: https://revistacej.cjf.jus.br/revcej/article/view/1513. Acesso em: 07/07/2020 e também SLIWKA, Ingrid Schroder. Gestão de documentos judiciais à luz da Recomendação nº 37/2011-CNJ. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 45, dez. 2011. Disponível em:    
<
https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao045/ingrid_sliwka.html>. Acesso em: 07/07/2020.

[9]   Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original205237202004295ea9e91534551.pdf>. Acesso em: 09/07/2020.

[10] Sobre a proposta de instituição da data, comentários à Resolução e objetivos, vejam-se de nossa autoria: BÖTTCHER, Carlos Alexandre. Dia da Memória do Poder Judiciário: a Resolução CNJ 316/2020. Consultor Jurídico, 02.05.2020. Disponível em  https://www.conjur.com.br/2020-mai-02/opiniao-dia-memoria-poder-judiciario-resolucao-cnj-3162020. Acesso em 08/07/2020; BÖTTCHER, Carlos Alexandre. Dia da Memória do Poder Judiciário. Lex Cult Revista do CCJF, [S.l.], v. 4, n. 1, p. 14-33, maio 2020. ISSN 2594-8261. Disponível em:<http://lexcultccjf.trf2.jus.br/index.php/LexCult/article/view/342>. Acesso em: 08/07/2020; BÖTTCHER, Carlos Alexandre. Dia da memória do Poder Judiciário: objetivos da Resolução CNJ nº 316/2020. Revista Justiça & Cidadania, v. 237, maio 2020. Disponível em: https://www.editorajc.com.br/dia-da-memoria-do-poder-judiciario/. Acesso em: 08/07/2020.

 

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    é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em História do Direito (Direito Civil) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Romano pela Università di Roma La Sapienza (Itália). Membro do Comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Membro da Câmara Setorial de Arquivos Judiciários (CSAJ) do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). Juiz formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM).

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