Opinião

A figura do juiz das garantias veio para preservar o sistema acusatório

Autor

  • Barbara de Abreu Mokdissi

    é advogada mestranda em Justiça Criminal Negocial/Meios Alternativos Consenso e Colaboração Premiada pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

14 de julho de 2020, 6h04

A recente Lei nº 13.964/2019, mais conhecida como a lei do pacote "anticrime", trouxe consigo uma importante evolução no sistema processual penal brasileiro ao introduzir, de forma expressa, o sistema acusatório ou a estrutura acusatória.

Essa estrutura acusatória é muito importante, pois a mesma tem como característica fundamental a imparcialidade, abolindo assim a figura de um juiz que produz provas.

O chamado "juiz das garantias" chegou com a nova lei, não sendo uma alteração legislativa qualquer, mas surgiu vislumbrando uma transformação na cultura jurisdicional. Vem como uma verdadeira evolução, tão esperada e necessária no sistema processual penal, em respeito a um maior compromisso democrático.

O que se verifica no contexto atual é que os juízes em sua grande maioria estão comprometidos com a produção da prova desde a origem das investigações, e em muitos casos sua atuação mostra que decidem primeiro para só então buscar os argumentos que justificam a decisão que já fora tomada.

Nessa linha, a base do sistema acusatório é a de um juiz imparcial, objetivando ter acusações mais precisas e responsáveis. Vindo reforçar com o juiz das garantias a imparcialidade preconizada na Constituição Federal.

O que se espera com o juiz das garantias, figura suspensa atualmente por decisão liminar (ADI 6298) do Supremo Tribunal Federal, é que ele ocupe o lugar de destaque, na busca de tomadas de decisões realmente coerentes com um verdadeiro processo penal acusatório. Onde se espera um julgamento justo e que caminhe com um processo democrático e sem contaminações.

Uma das inúmeras alterações produzidas no Código de Processo Penal (CPP), o juiz das garantias surgiu com a implementação do pacote anticrime, a partir do artigo 13-A e seguintes do CPP. Teve origem para evitar uma eventual parcialidade do magistrado na tomada de suas decisões. Em linhas gerais, é de se esperar para se garantir um verdadeiro processo penal acusatório que o juiz não tome partida em favor da defesa e nem da acusação, conforme expresso no artigo 3°-A do CPP, e artigo 129, inciso I, da Constituição Federal.

O juiz das garantias é o magistrado responsável por atuar em toda a fase de investigação criminal, acompanhando todos os pedidos da autoridade policial, bem como do Ministério Público, na fase de apuração do delito, como, por exemplo, quebra de sigilo telefônico, prisões provisórias, medidas cautelares.

Conforme consta do novo dispositivo 3-B do Código de Processo Penal, o juiz das garantias é aquele que atua na investigação preliminar, não é o juiz que vai atrás das provas, e, sim, apenas o juiz que decide sobre pedidos ligados à condução da investigação criminal. Atuando até o artigo 399 do CPP, ficando as fases subsequentes a cargo do juiz do processo, que seguirá com a audiência de instrução e julgamento.

A figura do juiz das garantias veio para preservar o sistema acusatório. Tem com objetivo garantir aquilo que um sistema acusatório tem como inspiração.

É um sistema defendido pela grande parte dos autores garantistas, os quais defendem a figura de um juiz imparcial, em que a acusação seja firmada por um órgão diferente do que vai julgar.

Logo, um sistema acusatório parte da premissa de que está diante de um processo triangular, no qual o órgão julgador é inerte e essa inércia tem por finalidade resguardar a imparcialidade do juiz, prezando, assim, pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado.

Desse modo, no sistema acusatório, alguns doutrinadores, como Alexandre Morais da Rosa e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, defendem a corrente da proibição do juiz de produzir provas, não podendo, assim, produzir provas de ofício, uma vez que o magistrado não é o gestor da prova.

Não podendo este seguir como sendo o juiz do processo, uma vez que essa continuidade é um grande prejuízo, pois aquele já está "possivelmente" influenciado com o que colheu na investigação, entrando no processo com uma imagem formada e já pré-julgada.

Em conformidade com o novo sistema acusatório, necessário que o juiz que julgará a ação penal não conheça o caso e que venha a conhecer por meio da prova onde ela deve ser produzida no processo. O que se produz na investigação é um mero ato de investigação. O julgador não pode julgar o processo com uma pré-convicção por ter agido na investigação.

Percebe-se que tanto a defesa quanto acusação podem chegar ao processo com uma grande desvantagem, pois o magistrado pode se influenciar pelas decisões que tomou a favor ou contra os pedidos do Ministério Público, da autoridade policial ou da defesa. Desse modo, para evitar essa possível "influência' do juiz na tomada de decisões, o magistrado que vai atuar na fase pré-processual não pode ser o mesmo que irá instruir e julgar a ação penal, eis a razão do surgimento do chamado "juiz das garantias".

A criação dele pode ser considerada uma das mais significativas e relevantes medidas do Congresso Nacional desde 1988. A implementação do juiz das garantias no ordenamento é um sistema que não encontrará dificuldades para funcionar. Os órgãos não encontrarão problemas para implantá-lo. Estamos diante apenas de uma adaptação ao sistema.

Convém destacar que o juiz das garantias aprimora o sistema processual penal em favor das garantias fundamentais do acusado e na busca por acusações mais comprometidas com um sistema puramente acusatório.

Vislumbramos, assim, com a implementação da Lei nº 13.964/2019 que medidas de caráter penal foram intensificadas, enquanto que nas questões processuais teve uma melhora no sistema processual, objetivando dar maiores garantias ao indivíduo. O juiz das garantias é um exemplo, a estrutura acusatória que ganhou o Código de Processo Penal com o pacote "anticrime" manifestamente visa a dar uma maior segurança para aquele que responde a um processo criminal.

O que na verdade ocorreria seria uma divisão de tarefas, que separaria o juiz que se envolveu na investigação daquele que futuramente irá julgar o processo, que irá decidir pela absolvição ou condenação, sendo que este atuará no processo com as provas já produzidas.

Em um contexto geral, o principal argumento da necessidade de implantação da figura do juiz das garantias é resguardar a imparcialidade, a independência e a autonomia no momento da atuação do juiz, ficando estabelecido que deverá ter um juiz específico para atuar durante a investigação e outro responsável por condenar ou não o denunciado.

 

Referências bibliográficas
NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

CAMARGO, Rodrigo Oliveira de; FELIX, Yuri. Pacote Anticrime Reformas Processuais: Reflexões críticas à luz da lei 13.964/2019.1. ed. Florianópolis: EMais, 2020.

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TAVÓRA, Nestor. Curso de direito Processual Penal. 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/entenda-o-que-e-o-juiz-das-garantias-defendido-por-toffoli-e-criticado-por-moro.shtml

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    é advogada, mestranda em Justiça Criminal Negocial/Meios Alternativos, Consenso e Colaboração Premiada pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

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